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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

STF retoma julgamento do mensalão nesta quarta. Ou: O tribunal, mais uma vez, é assediado pela desmoralização. Ou ainda: Questão de caráter




O Supremo retoma nesta quarta o julgamento do mensalão, que terminou, na quinta passada, com um embate entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, entre a lei e a chicana

Por Reinaldo Azevedo

Já é um chavão, eu sei, mas, no Brasil, alguns valentes insistem em desafiar o óbvio.

Então vamos lá: “À mulher de César, não basta ser honesta; também é preciso parecer honesta”.

Sabem vocês: existem os hipócritas, que parecem e não são. Existem os falastrões, que são, embora não pareçam. E há um tipo bem vulgar em Banânia, em número que se mostra crescente: não se preocupam nem em ser nem em parecer honestos.

Jamais se pode acusá-los de hipócritas porque nem mesmo tentam fingir uma virtude que não têm.

Mesmo quando somos tentados a apostar que escorregaram por inocência ou imprudência, convém ser prudente: trata-se de ardil.

Entre a última sessão do Supremo, em que assistimos ao bate-boca entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski — até Caetano Veloso disse algo incompreensível a respeito (ver post) —, e a noite de segunda-feira, o Brasil se degradou mais um pouquinho, uma instituição, o Supremo, foi um tantinho mais rebaixada, e a ameaça de uma justiça injusta, bastarda, veio fazer sombra no tribunal.

Vocês sabem o que penso: juiz tem de julgar segundo as leis e a sua consciência.

Não tem de dar bola para o alarido das ruas.

Mas, com igual determinação, tem de ignorar os cochichos e sussurros dos corredores e, sobretudo, dos porões do poder.

Como sabem, no debate da VEJA.com e aqui mesmo, critiquei a reação do ministro Joaquim Barbosa às provocações de Ricardo Lewandowski, mas deixei muito claro quem era o dono da razão técnica: Barbosa.

Muito bem: o que queria Lewandowski?

Usar os embargos de declaração para rever a pena de Bispo Rodrigues. A defesa do condenado argumenta que o acordo do mensalão foi feito em fins de 2002, quando a pena mínima para corrupção passiva e ativa era de um ano, e a máxima, de 8. Em novembro de 2003, votou-se nova lei (10.763), que elevou os dois extremos para 2 e 12, respectivamente.

Assim, surgiu a questão: os condenados por esses crimes serão apenados por qual lei?
Se o crime tivesse sido cometido só em fins de 2002, estava tudo resolvido: pela lei anterior.

Ocorre que ele teve continuidade. Pagamentos foram efetuados já na vigência do novo texto. As armações do mensalão estiveram em curso até (que a gente saiba…) 2005, quando Roberto Jefferson bota a boca no trombone.

Atenção!

Por unanimidade, o tribunal decidiu, recorrendo à Súmula 711, de aplicação obrigatória, que o julgamento se daria pela lei mais severa.

Cumpre, mais uma vez, lembrar o conteúdo de tal súmula:
“SÚMULA Nº 711
A LEI PENAL MAIS GRAVE APLICA-SE AO CRIME CONTINUADO OU AO CRIME PERMANENTE, SE A SUA VIGÊNCIA É ANTERIOR À CESSAÇÃO DA CONTINUIDADE OU DA PERMANÊNCIA.”
Só para entender: a expressão “a sua vigência” refere-se à lei mais dura. “Cessação da continuidade e da permanência” refere-se ao crime. Assim, se a lei mais dura começou a vigorar antes que os criminosos parassem de delinquir, como foi o caso, é ela que vale. Foi uma decisão unânime, com o voto de Lewandowski.

Gato escondido com o rabo de fora
Assim, quando o ministro resolveu usar um embargo de declaração para rever uma sentença, sugerindo, por vias oblíquas, que o tribunal reexaminasse a questão, todos ficaram meio estupefatos.

E Barbosa teve aquela reação inconveniente.

É claro que era absurdo!

É claro que era um pouco desmoralizante para a Corte.

É claro que se começou a sentir no ar o cheiro da chicana.

E então surgiu a questão: o que, se prosperasse, beneficiaria o bispo, também poderia beneficiar o “papa”: José Dirceu — e outras cabeças coroadas do petismo, como Delúbio Soares e José Genoino.

Como também a pena de corrupção ativa era menor antes de novembro de 2003, todos os condenados por esse crime poderiam sair ganhando.

Eu mesmo conversei com pessoas incrédulas, que achavam que os jornalistas estavam vendo coisas: “Ele não faria isso, gente! Daria muito na cara!”.

Faria, sim!

Fez!

Dirceu volta à Corte
Como informou na noite de ontem Laryssa Borges, na VEJA.com, a defesa de José Dirceu entregou ao tribunal um memorial de sete páginas pedindo o abrandamento da pena por corrupção.

A argumentação?

A mesma do Bispo Rodrigues; a mesma de Lewandowski!

Assim, caiu por terra a fantasia ou esperança de alguns de que se cuidava, na quinta-feira, de alguma questão jurídica relevante.

Nada disso!

Estava-se diante da enésima tentativa de livrar a cara do chefe de quadrilha.

Que coisa!

Não parecia nem era!

A armação
Notem a armação que está em curso. Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão, com as penas assim distribuídas: 7 anos e 11 meses por corrupção ativa (partindo-se de uma pena mínima de dois anos) e 2 anos e 11 meses por formação de quadrilha. A soma (mais de oito anos) o obriga começar a cumprir a pena em regime fechado.

Digamos que Lewandowski seja bem-sucedido no seu esforço: se a pena do Zé caísse, no primeiro crime, a cinco anos (e pode ser ainda menos), pronto!

Para a cadeia, já não iria.

O tribunal tem de decidir ainda se haverá ou não embargos infringentes, outra questão, por si, absurda, uma vez que o expediente não está previsto na Lei 8.038.

Mas digamos que admita.

Dirceu teve quatro votos inocentando-o do crime de quadrilha: Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber e Carmen Lúcia.

Todos continuam no tribunal.

Condenaram o chefão por esse crime Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ayres Britto. Britto já deixou a Casa.

O placar está cinco a quatro contra Dirceu.

Precisa de mais dois votos, e os petistas apostam todas as suas fichas em Teori Zavascki e Roberto Barroso. Um voto que fosse já renderia um empate e uma polêmica.

No melhor dos mundos, todas as chicanas prosperando, os 10 anos e 10 meses de Dirceu se converterão em algo em torno de quatro ou cinco. Nada que crie obstáculos à boa vida do chefe do mensalão.

O racismo de volta
Vocês todos sabem o que penso sobre leis de cotas — e pago um preço alto por isso, como é o esperado nestes tempos, em que entes do estado brasileiro financiam difamadores profissionais com dinheiro público. De repente, lá está o seu nome metido no lixo a soldo, com o logo de um grande banco estatal do lado.

Muito bem! Esses porcos, no entanto, não veem mal nenhum em atacar a cor da pele de Joaquim Barbosa, associando-a a seu eventual destempero verbal e a seu temperamento um tanto irascível. E por quê? Porque, desta feita, consideram que o ministro está “do outro lado”.

Ou por outra: essa corja defende leis de reparação, como cotas, porque isso lhes é útil no proselitismo que serve para jogar brasileiros contra brasileiros. Mas não veem mal nenhum em dar início a uma campanha racista contra o ministro nas redes sociais porque, afinal, ele não está livrando a cara dos “companheiros”.

Não! Eu não acho que Barbosa é como é porque é preto. E, por óbvio, não acho que Lewandowski é como é porque é branco. Por baixo de suas respectivas peles, há a morada do caráter.

21/08/2013

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