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sábado, 20 de fevereiro de 2010

Liberdade e ordem - Olavo de Carvalho


Liberdade e ordem - 2


Por Olavo de Carvalho

De outro lado, a "liberdade" é, com freqüência, nada mais que um adorno retórico usado para encobrir a vigência de algum princípio totalmente diverso.

Quando, com a cara mais bisonha do mundo, o liberal proclama que "a liberdade de um termina onde começa a do outro", ele está reconhecendo implicitamente - embora quase nunca o perceba - que essa liberdade é apenas a margem de manobra deixada ao cidadão dentro da rede de relações determinada por uma ordem jurídica estabelecida.

O princípio aí fundante é, pois, o de "ordem", não o de "liberdade". Isso basta para demonstrar que a "liberdade" não é jamais um princípio, mas apenas a decorrência mais ou menos acidental da aplicação de um princípio totalmente diverso.

Compare-se, por exemplo, a noção de liberdade com a de "direito à vida". Esta é um princípio universal que não admite exceções nem limitações de espécie alguma.

Quando você mata em legítima defesa, ou para proteger uma vítima inerme, não está "limitando" a vigência do princípio, mas aplicando-o na sua mais plena extensão: a morte do agressor aparece aí como um acidente de facto, que em nada afeta o princípio, já que é imposto pelas circunstâncias em vista da defesa desse mesmo princípio.


Nenhum raciocínio similar se pode fazer com relação à "liberdade".

Quando você limita a liberdade de um para preservar a de outro, o que aí está sendo aplicado não é o princípio da "liberdade", mas o da "ordem" necessária à preservação de muitas liberdades relativas.

Do mesmo modo, não existe "propriedade absoluta", de vez que a propriedade é essencialmente um direito, portanto uma obrigação imposta a terceiros.

O mero poder de uso de uma coisa não é propriedade, é posse.

A propriedade só surge na relação social fundada pela "ordem".
O mero fato de que existam propriedades legítimas e ilegítimas mostra que a propriedade é dependente da ordem, portanto não é um princípio em si.

Só para fins de contraste, imaginem se pode existir um "direito à vida" meramente relativo. Esse direito é um princípio que está na base mesma da ordem, a qual se torna desordem no instante em que o nega ou relativiza.

A própria ordem, nesse sentido, não é um princípio (ao contrário do que imaginam seus defensores tradicionalistas e reacionários). Se, na hierarquia dos conceitos, toda ordem se coloca acima da "liberdade", como garantia da possibilidade de haver liberdade em qualquer dose que seja, nem por isso a noção de "ordem absoluta" deixa de ser impensável.

O primeiro dever de uma filosofia política séria é depurar os seus conceitos de toda contradição intrínseca e de toda confusão categorial. Sem isso, qualquer diagnóstico de um estado de fato ou todo fundamento que se possa alegar para ações e decisões é apenas um sistema de pretextos retóricos destinado a enganar não só o público, mas o próprio agente.

Infelizmente a maioria dos opinadores políticos, acadêmicos ou jornalísticos, está incapacitada para essas distinções, que lhes parecem demasiado abstratas e etéreas, quando, por uma fatalidade inerente à inteligência humana, nunca é possível apreender cognitivamente o fato concreto senão subindo no grau de abstração dos conceitos usados para descrevê-lo.


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