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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A novidade é a cabeça sem filtro




Augusto Nunes
13 de janeiro de 2010


A demissão por justa causa de quatro ou cinco gramas, consumada num spa em Gramado, não produziu efeitos notáveis na silhueta. Os cabelos curtos combinam mais que a peruca com a sessentona que se exercita em companhia do personal trainer e de um labrador chamado Nego. A calça esportiva da aparição matinal e o terninho noturno informam que houve tempo para as compras de Natal. E a cabeça está um pouco pior, comprovou a discurseira de meia hora com que Dilma Rousseff abriu, nesta terça-feira, o capítulo 2010 do Discurso sobre o Nada.

Principal oradora de outra quermesse em louvor do milagre da multiplicação de casas invisíveis a olho nu, Dilma reforçou a suspeita de que, por achar que Mãe do PAC é coisa pouca, resolveu encarnar cumulativamente o papel de Madrasta das Plateias Federais. Confiram dois momentos exemplares:

“Antes se fazia casa a conta-gotas. Com isto mostramos que seremos capazes de estar à altura do desafio que está em nossa frente, que é dar conta de construir casa suficiente para a população brasileira sem casa, sem moradia, vivendo em situação insuficiente”. (Tradução: é importante construir casas porque as pessoas moram em casas).

“No momento em que vimos cidades brasileiras serem atingidas por alagamentos e por desmoronamentos, enfim, por uma série de calamidades, nós somos obrigados a pensar por que isso ocorre nessa dimensão. Aí sabemos que, durante mais de 25 anos, uma imensa parcela da nossa população ficou sem direito a esses direitos fundamentais”. (Tradução: se a coisa anda feia, o governo Lula não tem nada com isso).

Nesta quarta-feira, entre um passeio com Nego, duas séries curtas de abdominais e uma caminhada de 300 metros, Dilma tornou a capturar o microfone fantasiada de doutora sem doutorado. Teria chegado a hora de pontificar sobre o 3° Programa Nacional de Direitos Humanos, que fez uma escala de 13 dias na Casa Civil antes da festa de lançamento? Ainda não, decepcionou-se a plateia de jornalistas. Ansiosos por conhecer as opiniões da candidata sobre o Guia do Stalinismo Farofeiro, foram apresentados por Dilma à potência esportiva que Lula criou. Trecho da exposição:

”A Copa com os Jogos Olímpicos mostram que o Brasil é hoje uma das maiores e melhores oportunidades de investimento nesta área em todo o mundo. As atenções do mundo vão se voltar ao Brasil na expectativa fundamentada que em breve seremos uma das cinco maiores economias do planeta”.

Uma das atribuições da chefe da Casa Civil é a ”verificação prévia da constitucionalidade e legalidade dos atos presidenciais”. Outra é a “análise do mérito, da oportunidade e da compatibilidade das propostas, inclusive das matérias em tramitação no Congresso Nacional, com as diretrizes governamentais”. No caso do Guia do Stalinismo Farofeiro, a ministra não fez uma coisa nem outra. Talvez nem tenha lido o papelório. Talvez tenha gostado do que leu. Talvez não tenha entendido nada. Difícil saber. Dilma Rousseff passou tantos anos sem falar que talvez precise de outros tantos para conseguir dizer coisa com coisa.

Aos amigos que chegavam do exterior nos anos 60, o cronista Rubem Braga contava que a grande novidade na praça era o Hollywood com filtro. As declarações da candidata de Lula radiografam um cérebro incapaz de juntar as peças do mosaico, preencher lacunas no raciocínio, remontar a frase esquartejada, refinar impressões e informações que chegam aos pedaços ou em estado bruto. Cinquenta anos depois do cigarro de Rubem Braga, a novidade da estação eleitoral é uma cabeça sem filtro.

E pensando na Presidência.

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