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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Dilma Rousseff, a presidente que poucos ousam contrariar

Dilma Rousseff se impôs como uma líder de pouca conversa, que paga as contas do próprio bolso e distribui broncas.

Esse estilo deverá prevalecer nos próximos quatro anos no Planalto

LEANDRO LOYOLA
Época

MINHA CASA MEU NETO Dilma e o neto Gabriel no Palácio da Alvorada. Ele não teme as broncas dela. Os ministros se apavoram (Foto: Joel Rodrigues/Folhapress)

A presidente Dilma Rousseff chegou a Paramaribo, no Suriname, num dia de tempo ruim no final de agosto do ano passado. Fazia um calor padrão amazônico depois de uma chuva, que deixava aquela sensação de sauna a céu aberto. O lugar escolhido para o evento não era dos melhores. Era aberto e, para contornar a lama, o cerimonial forrou o que antes era um gramado com camadas de lona. A cada passo, o chão afundava sob os pés de chefes de Estado – era um encontro da Unasul, a União de Nações Sul-Americanas, organização que serve de palco para políticos escanteados, como o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Depois das formalidades, Dilma foi mais Dilma. Reuniu numa sala o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Paraguai, Horacio Cartes. Eles estavam rompidos desde que o Paraguai destituíra o presidente Lugo. Na ocasião, o Paraguai foi punido no Mercosul e não conseguiu vetar a entrada da Venezuela no bloco. “Baixou a Cristina (Kirchner, presidente da Argentina) em mim. Falei: ‘Vocês dois só saem daqui quando se entenderem’”, disse Dilma. Na saída, Maduro e Cartes posaram com Dilma para fotos num triplo aperto de mãos.
Como Maduro e Cartes, poucos têm coragem ou disposição para contestar Dilma, uma chefe de Estado sem paciência para conversas políticas, entre elas encontros diplomáticos como o do Suriname. Seus subordinados vivem isso no dia a dia desde 2003. É uma característica um tanto contraditória para alguém que começou a militância política em organizações de esquerda de combate à ditadura militar (1964-85) e, por isso, passava dias a fio trancada em “aparelhos”, debatendo intermináveis questões ideológicas. Dilma é a presidente que centraliza decisões, fala firme, tem convicções arraigadas, prefere números, vê dúvidas como fraquezas e aproveita titubeios para atacar com broncas.

O governo “descobriu” Dilma em 1968, quando o Serviço Nacional de Informações (SNI) produziu um documento de 140 páginas sobre o estado da “guerra revolucionária no país”. Entre listas de assaltos a bancos, atentados e confrontos, os militares se preo­cupavam com um grupo dissidente da organização chamada Política Operária (Polop) em Minas Gerais. Reuniões do grupo ocorriam no apartamento 1.001 da Rua João Pinheiro, 82, em Belo Horizonte, onde viviam o jornalista Cláudio Galeno Linhares e Dilma Vana Rousseff Linhares, descrita como “esposa do Cláudio Galeno de Magalhães Linhares (‘Lobato’). É estudante da Face/UFMG (Faculdade de Ciências Econômicas) e seus antecedentes estão sendo levantados”.

Dilma Vana Rousseff nasceu em Belo Horizonte, em 1947, segunda dos três filhos do migrante búlgaro Pétar Rússev, que adotara o nome de Pedro Rousseff, e da dona de casa mineira Dilma Jane. O pai empreiteiro proporcionou à família uma vida de classe média alta, numa casa grande, com três empregadas, jantares à francesa, colégio particular para os filhos e luxos como professora particular de piano. Dilminha, como era chamada, descobriu a veia política aos 17 anos, no ensino secundário. O encontro com Cláudio Galeno, aos 19, e o casamento um ano depois a levaram à militância. Entre 1967 e 1972, sob codinomes como Stela, Wanda, Luísa, Marina ou Maria Lúcia, Dilma viveu mais experiências que a maioria das pessoas terá em toda a vida. Teve dois grandes amores. Militou em duas organizações de luta armada contra a ditadura. Esteve em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul para fugir da perseguição da polícia e do Exército. Usou documentos falsos, manteve encontros secretos, transportou armas e dinheiro roubado, aprendeu a atirar. Foi presa, torturada e enfrentou quase três anos de cadeia.


Dilma usava o apartamento da Rua João Pinheiro para dar aulas de marxismo a novos militantes, entre eles Fernando Damata Pimentel, então com 17 anos, hoje governador eleito de Minas Gerais. A tal dissidência da Polop se transformou no Comando de Libertação Nacional (Colina) – segundo o historiador Jacob Gorender, uma das poucas organizações a fazer a “pregação explícita do terrorismo”. Não há registros de que Dilma tenha participado de ações armadas. Quando a polícia saiu no encalço do Colina, ela e Galeno partiram para a clandestinidade com 6.500 cruzeiros, a moeda da época. O casamento acabou em meio à fuga, e Dilma engatou namoro com outro militante, Carlos Franklin Araújo, que se tornou depois seu segundo marido.

No meio de 1969, o Colina se fundiu com outra organização, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), e deu origem à Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR Palmares). O grupo ficou famoso por invadir a casa da amante do ex-governador paulista Adhemar de Barros e roubar de lá US$ 2,5 milhões de dentro de um cofre. Dilma ajudou a administrar parte do dinheiro, comprou para a VAR um Fusca 66 bege com documento falso – em nome de Maria Lúcia Santos – e passou uns tempos numa pensão em São Paulo, com armas e muito dinheiro embaixo da cama. A aventura virou drama para o resto da vida numa tarde em janeiro de 1970, quando Dilma foi cobrir um “ponto” (comparecer a um encontro) num bar na Rua Martins Fontes, no centro de São Paulo. Era uma armadilha.


Os militares já haviam prendido seus companheiros quando ela chegou, atrasada. Acabou presa com documentos falsos, 200 cruzeiros na carteira e o Fusca. Enfrentou o inferno das sessões de pau de arara, choques elétricos, socos e palmatória durante 22 dias. Nos depoimentos prestados à Justiça Militar após meses na prisão, Dilma fez três denúncias de tortura e citou nominalmente seus algozes, entre eles o major Maurício Lopes Lima, da Operação Bandeirante, e o capitão Benoni Albernaz. Ao sair da cadeia, em 1973, Dilma foi morar com os sogros em Porto Alegre, para ficar perto de Carlos Araújo, que cumpria pena na cidade. Foram viver juntos após ele ser solto, em 1974. Voltou a estudar economia e, em 1977, tiveram a filha, Paula. Com o fim das ilusões armadas, Dilma e Carlos Araújo filiaram-se ao PDT de Leonel Brizola, pelo qual ele se elegeu deputado estadual três vezes seguidas. Dilma ocupou cargos com a ajuda do partido. Foi secretária de Energia do governo gaúcho nos mandatos de Alceu Collares e de Olívio Dutra (1999-2003). Nessa época – mais precisamente no ano 2000 –, fez uma mudança importante em sua vida: trocou o PDT pelo PT.

 

HERDEIRA Dilma após  a transmissão  do cargo de  ministra da Casa Civil a Erenice Guerra. Meses depois, Erenice caiu devido a um escândalo de corrupção  (Foto: Sérgio Lima/Folhapress)


“Havia quem pensasse que esse ministério era coisa de homem. Vamos provar que pode ser liderado por uma mulher”, disse o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em 20 de novembro de 2002, ao anunciar Dilma ministra de Minas e Energia num hotel em São Paulo. Um ano antes, Dilma fora indicada para ajudar a elaborar o programa de governo de Lula, com nomes consagrados, como Luiz Pinguelli Rosa, Ildo Sauer e Maurício Tolmasquim. Aos olhos de Lula, foi Dilma quem sobressaiu, com seu jeito e seu laptop, do qual, aparentemente, sacava todo tipo de dado sobre o setor. No ministério, Dilma se aproximou da petista Erenice Guerra, depois sua secretária ­executiva e sucessora na Casa Civil. Derrubada por um escândalo de corrupção em 2010, Erenice se tornaria um incômodo permanente para Dilma.

Numa de suas melhores performances como denunciante do mensalão, no dia 14 de junho de 2005, o então deputado Roberto Jefferson pronunciou a frase: “Sai daí, Zé. Sai logo, antes que você faça réu um homem inocente, o presidente Lula”. Quando José Dirceu saiu da Casa Civil, a ascensão de Dilma ao Planalto era certa. “Estou pensando na Dilma. O que vocês acham?”, perguntara Lula a três auxiliares. Dilma herdou não apenas o lugar de Dirceu e sua residência oficial, como também seu cão Nego, um labrador. No final de janeiro de 2007, Dilma recebeu ÉPOCA numa quarta-feira à noite para falar sobre o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Só deixou escapar um meio sorriso e, ato falho, empurrou uma mecha de cabelo para atrás da orelha, quando questionada sobre uma candidatura à Presidência. “Não é meu perfil nem é minha ambição. Além disso, me faltam talentos como maior facilidade de expressão e retórica”, disse.


Giles Azevedo e Anderson Dorneles são os assessores mais próximos de Dilma há anos. Em abril de 2009, Anderson atendeu a um telefonema enquanto Dilma dava uma palestra na Federação das Indústrias de Minas Gerais. Numa sala contígua, Dilma ouviu do cardiologista Roberto Kalil Filho que o caroço que retirara da axila esquerda dias antes era um linfoma, um câncer nos gânglios – conhecido dos médicos e tratável com grande chance de sucesso. Durante o tratamento, Dilma raspou o cabelo e adotou uma peruca até recuperá-lo. Na noite de 31 de outubro de 2010, já recuperada, o celular que estava com Anderson tocou à noite na casa de Dilma, em Brasília. Ela ouviu os cumprimentos do então ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski: era a primeira mulher presidente do Brasil. Dilma telefonou para a mãe, em Belo Horizonte, e para a filha e o ex-marido, em Porto Alegre. A mãe, Dilma Jane, e uma tia, Arilda, foram morar com Dilma no Palácio da Alvorada. Nos tempos de ministra, ela se preocupava porque as duas saíam de carro para fazer compras num shopping em Brasília. Com a segurança da Presidência em torno delas, ficou mais tranquila. Hoje, apenas a mãe mora com Dilma no Alvorada. Tia Arilda mudou-se.   

No ministério e na Presidência, a obsessão por dados, a pouca paciência para discussões subjetivas, a falta de apetite pela política e as broncas destemperadas em subordinados viraram as marcas pessoais de Dilma. Em 2009, o secretário executivo do Ministério da Integração, Luiz Fernando Eira, pediu demissão após Dilma berrar com ele durante uma reunião. Quando era ministro, o amigo Pimentel costumava comentar com assessores quando voltava do Palácio do Planalto: “Já tomei minha bronca de hoje”. Numa ocasião, o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, viu o ministro Gilberto Carvalho ser alvo da fúria de Dilma. Campos reclamou do exagero. Minutos depois, os dois foram à sala de Carvalho, encolhido na cadeira. Dilma abraçou-o. Broncas assim fazem ministros adiar apresentações de projetos ou concordar com a chefe por puro medo.
 

CONTA CARA Dilma visita o presidente russo, Vladimir Putin. Os assessores dela não esquecem essa viagem (Foto: Alexander Nemenov/AP)


Os únicos que parecem imunes às broncas são Paula e seu filho, Gabriel, único neto de Dilma. A foto de Gabriel está num porta-retratos sobre a mesa de trabalho de Dilma, no gabinete do 3o andar do Palácio do Planalto. Vez por outra, Paula faz companhia à mãe em viagens internacionais. Esteve na ida a Moscou e Paris, que coincidiu com o aniversário de Dilma, em dezembro de 2012. Em Paris, uma diplomata foi destacada para acompanhar Paula. Discreta, Paula não comprou ou fez nada extravagante. Nunca se ouviu uma palavra sua em público sobre a mãe ou seu governo.

A noite de 12 de dezembro de 2012 em Moscou ficará na memória de integrantes do governo e agregados. Naquele dia, véspera de seu aniversário, Dilma convidou alguns para um jantar no restaurante Bolshoi, um dos mais prestigiados da cidade. Além de Paula, Dilma dividiu a mesa, entre outros, com os ministros Fernando Pimentel e Aloizio Mercadante, o senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, e o assessor especial Marco Aurélio Garcia. Todos estavam felizes, até a chegada da conta. Feita a divisão por um assessor, o custo era de US$ 400 por cabeça, o equivalente, na ocasião, a R$ 830. Dilma entregou o cartão de crédito pessoal para pagar sua parte. Todos tiveram de fazer o mesmo. Dilma gosta de fazer passeios fora da agenda em viagens ao exterior. Mas nada de pagar com cartão corporativo do governo ou mesmo dinheiro vivo. É preciso usar o cartão de crédito pessoal, para provar que a despesa não saiu dos cofres públicos. Em Paris, Dilma aproveitou uma folga para visitar um museu e comer um sanduíche na lanchonete. Ela mesma pagou a despesa de € 15.


03/11/2014

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