Direto ao Ponto
Despejado da Casa Civil que aviltou, expulso de uma Câmara dos Deputados que absolve até Jaqueline Roriz, duas vezes denunciado pela Procuradoria Geral da República por chefiar o bando envolvido na roubalheira do mensalão, José Dirceu aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal por formação de quadrilha e corrupção ativa
Se as instituições fossem mais musculosas, o atropelador compulsivo de códigos legais, valores morais e normas éticas estaria usando a voz exclusivamente para explicar-se em delegacias e tribunais. Como a idade política do Brasil recuou para perto do tempo das cavernas, Dirceu dá palpite em tudo. Sente-se tão à vontade que, sempre mirando nos próprios interesses, deu de socorrer colegas de bandidagens fantasiado de defensor do Estado de Direito. Haja cinismo.
“Considero corretíssima a posição da presidenta Dilma e de seu governo de não fazer pré-julgamento, linchamento, e respeitar rigorosamente a presunção da inocência do ministro Orlando Silva e que o ônus da prova é de responsabilidade exclusiva do acusador”, voltou a torturar a língua portuguesa nesta terça-feira.
“Se não nos mantivermos nessa linha, estaremos quebrando os princípios mais elementares de um Estado Democrático de Direito”.
De costas para a perplexidade da plateia, o canastrão caprichou na pose de inocente e foi em frente: “Infelizmente, existe no país uma corrente muito grande, particularmente na mídia, que tem insistido nesse caminho do pré-julgamento, do linchamento…
Eu sou uma vítima e exemplo claro disso”.
Haja estômago.
O Estado Democrático de Direito e José Dirceu não nasceram um para o outro, berra o prontuário do declarante.
Um celebra a liberdade irrestrita de imprensa. Outro sonha com o “controle social da mídia”.
Um se subordina ao império da lei. Outro sonha com a condenação à perpétua impunidade.
O Estado de Direito estabelece a separação e a independência dos Poderes. O guerrilheiro de festim, no momento, manobra para instalar uma toga de confiança na vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria da ministra Ellen Gracie.
Foi esse, por sinal, o tema da reunião que no fim de setembro juntou em Paris os companheiros José Dirceu, Márcio Thomaz Bastos e Lula.
O encontro da trindade nada santa teria sido secreto se Dirceu não fosse uma usina de ideias de jerico: 43 anos depois de ter inventado o congresso clandestino com esconderijo conhecido, nosso Steve Jobs de chanchada resolveu inventar a conversa sigilosa agendada em público.
O primeiro espanto ocorreu em outubro de 1968, quando juntou num sítio em Ibiúna, com menos de 10 mil habitantes, os mais de 1.200 participantes do congresso a UNE.
Foram todos parar na cadeia.
O segundo assombro consumou-se no meio da tarde de 27 de setembro, quando o padroeiro dos pecadores, o chefe dos mensaleiros e o doutor em absolvição de culpados se reuniram num apartamento do Hotel Lutetia.
A trinca só não foi parar nas primeiras páginas porque os jornalistas andam meio distraídos.
A quebra de sigilo ocorreu na noite de 22 de setembro, durante uma palestra de Dirceu no auditório da Força Sindical, em São Paulo.
Ao sentir a vibração do celular, o artista interrompeu o monólogo, identificou no visor a origem da chamada, abriu um sorriso de notícia boa, comunicou à plateia que a coisa era urgente, levantou-se da mesa e desapareceu nas coxias.
Reapareceu quatro minutos depois ainda mais risonho e, antes de retomar o palavrório, resolveu matar de inveja os espectadores:
─ É que eu estou acertando a agenda com o nosso Luiz Inácio Lula da Silva ─ gabou-se. ─ Ele está viajando, está indo para a Europa, e eu vou encontrar com ele.
Sem saber da inconfidência, Lula decolou na noite seguinte, fez uma escala nos Estados Unidos e, em 25 de setembro, instalou-se no cenário da conversa que deveria ser sigilosa.
A ideia do encontro na França nasceu quando o Instituto de Estudos Políticos marcou para 27 de setembro a cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente.
Como o julgamento do mensalão vem aí, os três acharam que deveriam tratar com urgência do preenchimento da vaga no STF.
Ficou combinado que os ex-ministros viajariam para França ─ em datas diferentes e por distintos motivos, para não dar na vista.
Horas antes da festa, iriam ao encontro do chefe no hotel onde ficaria quatro dias hospedado.
Em 16 de setembro, depois de avisar no escritório que precisava descansar, o jurista que advoga até quando dorme embarcou com a mulher, num avião de carreira, “para duas semanas de férias”.
O casal ficou alojado no Hotel George Sand (modestíssimo, se comparado ao Lutetia, que cobra diárias de até R$ 12 mil).
Dirceu, que só lida com processos como réu, disse aos amigos que decolaria rumo a Paris “por causa de alguns compromissos como advogado”.
Negou-se a revelar os nomes dos clientes e do hotel em que dormiria. Também não esclareceu se voaria em avião de carreira ou em jatinho fretado. Só conta que voltou ao Brasil no dia 28, quando Lula seguiu para a Polônia.
Durante a festa de doutorado, os três fingiram que era o primeiro encontro em Paris. Esqueceram de combinar com um jornalista que, à tarde, viu Márcio e Dirceu chegando ao Lutetia com a discrição de um espião paraguaio.
Durante a conversa, Dirceu procurou convencer os parceiros de que a melhor candidata à toga momentaneamente sem dona é Maria Elizabeth Rocha, ministra do Superior Tribunal Militar. Amiga do ministro José Antonio Dias Toffoli, ex-advogado do PT e ex-chefe da Advocacia Geral da União, Maria Elizabeth trabalhou entre 2003 e 2007 na subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil.
Antes de ser indicada por Lula para o STM, portanto, passou cinco anos subordinada a José Dirceu e, depois, a Dilma Rousseff. Estava na Casa Civil quando explodiu o escândalo do mensalão. Essa anotação no currículo coloca sob suspeição a eventual julgadora de um caso cujo desfecho pode tirar o sossego de Dilma e o sono de Dirceu.
A trinca da reunião em Paris luta para impedir que se faça justiça. Se Ellen Gracie for substituída pela candidata preferida dos mensaleiros, os conspiradores trapalhões terão conseguido desmoralizar de vez o Supremo Tribunal Federal.
28/10/2011
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