Celso Arnaldo captura a presidente com uma trinca de quinta em Pequim e confirma: o dilmês é mais complicado que o chinês
“Essa resposta eu não respondo”, diz Dilma Rousseff no fim do vídeo que registra os principais momentos da entrevista coletiva concedida em Pequim. “Responder respostas” nem o padrinho Lula consegue. O problema é que a afilhada não consegue responder também a perguntas, como constata o jornalista Celso Arnaldo Araújo em mais uma análise antológica do palavrório presidencial.
Em grande forma, o implacável caçador de cretinices capturou, além de Dilma, a escolta formada por uma trinca de quinta categoria: Aloízio Mercadante, Fernando Pimentel e Edison Lobão. Sozinha, a entrevistada é capaz de deixar pálido de espanto qualquer jornalista. Consultando uma papelada e ouvindo cochichos, ela consegue piorar espetacularmente. O vídeo de 5 minutos adverte: o dilmês é mais complicado que o chinês
POR CELSO ARNALDO ARAÚJO
O maior tesouro arqueológico da China são os Guerreiros de X´ian, o lendário Exército de Terracota — sete mil figuras de soldados e cavalos descobertas e desenterradas em 1974 ao lado do mausoléu do imperador Qin.
Numa mostra de sua força, a imperatriz Dilma compareceu à entrevista coletiva na China com um exército composto pelas três estranhas figuras, misto de guerreiros e cavalgaduras, que lhe fazem guarda, sombra e ponto neste vídeo – o do meio, Magro Velho, parece ser também de terracota, e, pela aparência mumificada, talvez ancestral em relação aos colegas de X´ian. As rachaduras profundas do rosto, porém, sugerem terra de má origem – ou mal cotada pelos empreiteiros da época. Deve ter faltado laca no acabamento. Na entrevista, não diria uma sílaba, não mexeria um músculo. Os outros dois são de materiais mais flexíveis, moldados à semelhança do soberano da ocasião – mas igualmente ordinários no feitio e na importância histórico-arqueológica.
Impassíveis, como obedientes guerreiros de barro tosco, sem vida e sem alma, obrigados pelo destino a permanecer na mesma posição por milhares de anos, percebe-se seu incômodo quase humano ao ouvir a imperatriz se esforçando para descobrir e desenterrar de sua tumba neuronal as palavras com que procura descrever os achados da expedição brasileira à China.
Na vã tentativa de verbalizar raciocínios próprios do crânio pequeno do primeiro hominídeo, o Australopithecus Afarensis, ela busca ajuda na maçaroca de pergaminhos que manipula nervosamente. Nada encontra, nas mãos e na mente. Diante do apuro da imperatriz, os três guerreiros parecem querer vir à vida – como no filme “Uma noite no Museu” – em socorro da soberana. Só um deles – o de óculos, com dentição pré-histórica – materializa o auxílio, na forma de sussurros auriculares, para corrigir, por exemplo, o cargo do presidente Hu Jintao, que a imperatriz chamou de primeiro-ministro. Cavaco Silva e José Sócrates, na viagem a Portugal, não conseguiram lhe explicar a diferença entre um pastel de nata e outro.
Quando a soberana fala da “importância que para nossa parceria têm mecanismos mais amplos dessa parceria”, o guerreiro de bigode de morcego – único de sua dinastia – lança um olhar ao longe, vazio, pura desesperança e desespero. Nada pode fazer. O mesmo ocorre quando vem à tona o “no que se refere a valor agregado”. O trauma do debate da Band, com um saldo de 32 “no que se refere”, ainda estava bem fresco para o Irrevogável de X´ian.
Em seguida, o guerreiro de óculos, situado estrategicamente atrás do ouvido bom da imperatriz, se torna humanoide pelo átimo de tempo necessário para cochichar a palavra “missão” e socorrer a imperatriz com o nome do grupo chinês que vai ao Brasil — e que ela tenta, sem sucesso, por uns bons segundos, cavoucar com as próprias mãos, no próprio cérebro. Missão impossível. Ponto para o guerreiro de óculos. A imperatriz se empolga com a missão, que então ganha significado mais lato, e de lavra própria: “É o que eles chamam de missão de compra e nós também, aquelas missões que você manda aos países para avaliar quais são as oportunidades de importação em setores manufatureiros”.
Seria “exportação”, mas não vem ao caso. Os guerreiros ficam mais aliviados com esse “setores manufatureiros”, que tem toda pinta de tema de palestra na Fiesp. Mas voltam a se angustiar, incontinenti, com o tropeço seguinte da imperatriz técnica: o “relacionalmento” quase faz os três saltarem sobre o corpo da Protegida para resgatá-la, encoberta e muda, de mais um constrangimento internacional. Contêm-se.
E a imperatriz continua compulsando os pergaminhos, obsessivamente. Mal ouve a pergunta de um dos súditos da mídia sobre o câmbio irreal e perigoso ora em vigência. Se ouviu, sua resposta não é deste mundo: “Sabemos perfeitamente o porquê que nós estamos, todos nós sabemos”. Nem todos, imperatriz: “Nós vamos buscar uma taxa de câmbio, ao longo de meu governo, compatível com as taxas de câmbio, aliás as taxas de juro internacionais. Vamos buscar uma taxa de juro compatível com as taxas de juro internacionais. Eu falei câmbio aí, mas é juros, porque depois cês vão lá e…”
O humor envergonhado da imperatriz faz os três bonecos, ainda perfilados, arriscar um sorriso maroto e devoto, um sorriso de terracota rachada, misturada com pau e lama. Não tinham alternativa – a não ser chorar em silêncio, recolhidos à sua insignificância. Como os guerreiros de X´ian, um dia eles serão recolhidos ao lado da triste imperatriz, no mausoléu da história do Brasil.
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