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sábado, 25 de abril de 2009

"O Congresso conseguiu a proeza de democratizar e universalizar a bandalheira com o dinheiro público"

"O Congresso conseguiu a proeza de democratizar e universalizar a bandalheira com o dinheiro público", afirma o filósofo Roberto Romano, da Unicamp.

"A mediocridade de seus membros não pode contaminar a instituição", alerta Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

CHORE POR NÓS, SENADOR

Os desvios éticos e a falta de pudor de deputados
e senadores com o dinheiro público desmoralizam
o Parlamento, mas isso não pode abrir um flanco
para os inimigos da democracia

por Otávio Cabral

Givaldo Barbosa/Ag. O Globo
PECADO CAPITAL O senador Gerson Camata se emociona no plenário: ele e a esposa deputada recebem auxílio-moradia mesmo tendo apartamento em Brasília

Não, o senador Gerson Camata, do PMDB do Espírito Santo, não estava comovido com o comportamento repulsivo de seus colegas quando chorou na última segunda-feira no Congresso Nacional. Indignado, ele foi ao plenário reclamar de ter seu nome citado como mais um exemplo da impressionante falta de pudor, compostura e honestidade que assola uma parte substancial do Parlamento brasileiro.

Gerson Camata não é o único e está longe de ser o pior caso do festival de pilantragens que deputados e senadores vêm promovendo com o nosso dinheiro. Ele, porém, é um bom exemplo da ausência de parâmetros minimamente civilizados quando o tema é o uso de recursos públicos.

O senador está em seu terceiro mandato, mora em Brasília com a esposa, a deputada Rita Camata, é proprietário de um apartamento na cidade, mas o casal não abre mão do auxílio-moradia de 6 800 reais por mês. Confrontado, ele se disse vítima de aleivosias – e foi às lágrimas. "Como é fácil destruir 42 anos de vida pública, de trabalho, de dedicação, com seriedade, sem nenhuma comprovação", lamentou. Os sentimentos de Gerson Camata provavelmente são verdadeiros.

A maioria dos parlamentares não vê problema algum em usar dinheiro público para passear com a família no exterior, pagar a conta de telefone celular dos filhos ou abrigar parentes e empregados domésticos nos gabinetes.

Um grupo – felizmente menor – ainda se permite acrescentar ao rol de facilidades contratar fantasmas, embolsar parte do salário dos funcionários e até receber propina. Portanto, se há alguém que tem motivos de sobra para chorar são os eleitores.

Não é de agora que deputados e senadores confundem o público com o privado. Em fevereiro passado, o deputado Michel Temer e o senador José Sarney, dois veteranos e profundos conhecedores do que há de bom e de ruim no Congresso, tomaram posse nas presidências da Câmara e do Senado com promessas de moralização. Mas o que aconteceu na prática foi exatamente o contrário. Nos últimos três meses, o Congresso não votou nada de importante e submergiu na maior crise ética de sua história.

Na semana passada, a imagem do Legislativo bateu no fundo do poço.
A troça com dinheiro público em benefício pessoal atingiu igualmente deputados e senadores, oposicionistas e governistas, éticos e fisiológicos, veteranos e iniciantes, figuras do alto e do baixo clero.

Em entrevista publicada na edição passada de VEJA, ao explicar o caso do deputado Fábio Faria – que levou a então namorada Adriane Galisteu para um passeio nos Estados Unidos por conta do Erário –, Michel Temer disse que o ocorrido não passava de um "equívoco de A, B ou C" em meio a um "comportamento correto da maioria dos parlamentares".

Não era. A malandragem envolvia o abecedário completo, do A de Agaciel Maia, o ex-diretor-geral do Senado, passando pelo C de Ciro Gomes, pelo F de Fernando Gabeira, atingindo o M de Michel Temer e terminando com o Z de Zé Geraldo. Mais da metade dos deputados, assim como o galã Fábio Faria, usou passagens aéreas da Câmara para fazer turismo no exterior com namoradas, esposa, filhos e amigos.

Pelas regras, os parlamentares têm direito a uma cota de passagens aéreas que pode chegar a 18 000 reais por mês. O benefício foi criado para permitir que eles retornassem todas as semanas para seus estados de origem. A maioria não usa a totalidade da cota e, em vez de devolver o dinheiro, como seria o correto, transforma o crédito em bilhetes para o exterior. Foram 1 881 viagens de 2007 a outubro de 2008. Pelo menos 261 dos 513 deputados, o que corresponde a 51% da Casa, fizeram turismo para o exterior com dinheiro público.

Michel Temer, por exemplo, levou a mulher a Paris. Fernando Gabeira (PV-RJ), que sempre se destacou pelos discursos em defesa da ética e combate aos desvios, cedeu uma passagem para a filha visitar a irmã no Havaí. O corregedor da Câmara, ACM Neto (DEM-BA), foi passar uma temporada na França com a mulher.

Ele é o responsável por julgar os desvios éticos de seus colegas. Se for medi-los com a mesma régua que usa para si, os deputados-turistas, é óbvio, não terão com que se preocupar. O abecedário dos viajantes continuou no Senado. Heráclito Fortes, o primeiro-secretário, usou uma parte do dinheiro para fretar jatinhos, o mesmo expediente de que outro colega seu, o senador Tasso Jereissati, já havia lançado mão.

"O Congresso conseguiu a proeza de democratizar e universalizar a bandalheira com o dinheiro público", afirma o filósofo Roberto Romano, da Unicamp.

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