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quarta-feira, 6 de abril de 2016

Dilma cometeu crime; negá-lo é simplesmente contar uma mentira



Vamos tentar separar o fato de suas implicações políticas e do justo embate ideológico desses dias


Por Reinaldo Azevedo 


Todo discurso político é uma leitura da realidade que carrega vieses: ideologia (uma leitura generalista que explica a realidade tal e qual ela é e um horizonte utópico; isto é, como ela deve ser); valores (uma ética das relações públicas e privadas) e uma visão de mundo, que são as escolhas morais que fazemos. E tudo isso é absolutamente legítimo.

Visões autoritárias à direita e à esquerda pretendem deslegitimar esses elementos, que constituem, na verdade, a construção da individualidade. Sem eles, somos uma gaveta vazia. Ou cheia de traquitanas inúteis.

Os esquerdistas querem matar ideologia, valores e visão de mundo em nome do que definem como “justiça social”, contra a qual, obviamente, ninguém pode lutar — ou se colocará como um defensor da injustiça. Setores à direta trocam a “justiça social” de seus antípodas pela “racionalidade” — e, obviamente, ninguém pode se colocar no debate abaixo da razão sem ser um estúpido.

São expressões autoritárias do pensamento. Eu reconheço a legitimidade daquelas instâncias e, na verdade, não posso compreender o debate sem elas.

E há um quarto elemento que, entendo, baliza o confronto de ideias. E vale tanto para as relações públicas como para as pessoais: o fato. Notem que evito a palavra “verdade” como categoria, vá lá, ontológica — vale dizer: todo evento seria dotados de uma natureza a qualquer um evidente, eliminadas contingências e determinações acidentais. Minha conversa não é metafísica. Não me interessa, não aqui, debater se existe ou não essa natureza última ou primeira das coisas.

Por que isso tudo? Abaixo, publico um vídeo com o discurso do jurista Miguel Reale Jr. no evento realizado na segunda-feira, dia 4, na Faculdade de Direito da USP, em favor no impeachment. Reuniu mais de três mil pessoas.

É claro que aquele que fala carrega todas as inflexões a que me referi. Miguel Reale Jr., definitivamente, não é uma gaveta vazia: tem ideologia, tem valores, tem visão de mundo. E isso transparece na sua fala, com toda a legitimidade.

Mas há que se notar: ele trata do caráter criminoso das pedaladas fiscais — crime de responsabilidade, que enseja o impedimento da presidente — como matéria de fato. E então há que se perguntar: as pedaladas existiram, como um dado da realidade, ou ainda pertencem àquele conjunto de escolhas que fazem delas um instrumento da luta política, que é sempre a luta pelo poder?

Ora, basta, então, examinar os dados do Banco Central, não é? A pedido do Tribunal de Contas da União, o BC demonstrou como se comportou o Tesouro no repasse de recursos a instituições públicas, às quais estavam vinculados programas sociais e operações de crédito: BNDES, FGTS, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

A trapaça fiscal chegou à marca escandalosa de 1% do Produto Interno Bruto. Ou R$ 60 bilhões. Tal volume de recursos, desvio burocrático nenhum explica. O governo fraudou a lei fiscal de maneira clara, determinada, consciente, dedicada e metódica.

Não estamos no universo das escolhas. Cumpre convocar aqui uma categoria lateral que concorre para o entendimento das coisas: a honestidade intelectual, talvez um dos elementos hoje em dia mais apequenados do debate. As pedaladas existiram. E elas constituem crime de responsabilidade, segundo o que estabelece o Inciso V do Artigo 86 da Constituição. Não pode haver dúvidas a esse respeito quando se trata da questão honestamente.

Mas sou, sim, tolerante: na esfera do debate político, os petistas podem tentar a saída de admitir a ação criminosa em nome do bem comum. E os demais atores vão então escolher, como base naqueles três pilares a que me refiro no início, se o cometimento de crime é aceitável em nome deste ou daquele objetivos.

Assim, saibam os senhores: sempre que alguém lhes disser que o crime de responsabilidade cometido por Dilma já foi cometido em governos anteriores, estamos diante de uma mentira, de algo que não se assenta no fato. Sempre que alguém lhes disser que não existem motivos para o impeachment, convém lembrar que o insuspeito Banco Central provou o contrário.

E não há embate político que possa mudar isso. Assentada numa mentira, também a escolha política se deslegitima e degenera em mero proselitismo defensivo, reativo, reacionário…

Assistam ao vídeo com o discurso de Miguel Reale Jr.

     


                                
                                          06/04/2016


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