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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Mensalão do PT: livre é a manifestação do pensamento, mas prisão de corruptos não é reality show




(*) Ucho Haddad


Determina a Constituição Federal de 1988 que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (Artigo 5º, Inciso IV). Essa garantia constitucional é um dos importantes pilares da democracia, que como tal não apenas garante o livre pensar, mas possibilita o direito ao contraditório. Ninguém é obrigado a concordar com a opinião alheia, mas o discordante não tem o direito de achincalhar com a dignidade e a honra daquele cujo pensamento é diverso. É preciso saber conviver com a divergência, sob pena de a sociedade existir à sombra de uma eterna ameaça.

O grande segredo da democracia é conseguir equilibrar os contrapontos, as forças contrárias, mas o que se desenha na esteira da prisão dos protagonistas do maior escândalo de corrupção da história nacional é exatamente o oposto. Em algumas matérias sugeri aos leitores que acolhessem com parcimônia a decisão do STF de prender de imediato uma dúzia de mensaleiros condenados na Ação Penal 470. Tal sugestão tinha como base dois pontos muito claros, pelo menos para mim: 1 – Nenhum ser humano deve comemorar o calvário alheio. 2 – O Brasil deu apenas um passo na dura caminhada que é e será o combate à corrupção.

Enquanto milhões de brasileiros se deram por satisfeitos com a decisão judicial que era esperada com desconfiança, outros tantos continuam afirmando que o julgamento da Ação Penal 470 foi de exceção e influenciado pela imprensa nacional. Cantilena conhecida e repetida à exaustão pelos inconformados. Cada um é livre para acreditar naquilo que lhe convém, até porque, como dizia Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Considerando que inexistem regras para a classificação do que é mentira e do que é verdade, cada qual faz de acordo com seu entendimento, quiçá faça em consonância com sua necessidade.

Não estou a defender os mensaleiros, condenados em processo legítimo e que tramitou dentro dos parâmetros da democracia e da legalidade, mas propondo que vencedores e vencidos mantenham a coerência diante dos fatos. Negar o inegável é utópico, mas há quem o faça por entender ser esse o melhor dos caminhos. Troca de farpas, como tem ocorrido nas últimas horas, em nada ajudará na dura batalha que a nação tem contra os corruptos. Réplica e tréplica são bem-vindas, desde que não caiam na esparrela da briga de rua.

A maioria dos que já estão atrás das grades sabe onde e por qual razão errou, mas por questões político-ideológicas é preciso negar os fatos até o último suspiro. Afinal, em jogo está não apenas a liberdade de cada um dos condenados, mas interesses partidários atrelados a cifras inimagináveis. Essa questão é muito simples. Se os petistas condenados no processo do Mensalão aceitassem passiva e silenciosamente a decisão judicial, o Partido dos Trabalhadores sofreria um golpe muito mais duro do que já sofre. De tal modo, é preciso bradar teses esdrúxulas como a da prisão política, do julgamento arbitrário, da manipulação da mídia, pois só assim é possível evitar uma perda considerável de eleitores. Há pouco mais de uma década no poder, o PT aparelhou o Estado “como nunca antes na história deste país”. Isso significa dinheiro e poder, algo que ninguém pensa em abrir mão.

O Mensalão do PT existiu e todos sabem disso. O Ministério Público Federal identificou a existência do criminoso esquema palaciano, confirmado pela mais alta instância do Judiciário nacional. Além disso, o ministro da Justiça, o petista José Eduardo Martins Cardozo, reconheceu a existência do Mensalão, que em seus primeiros capítulos levou o então presidente Lula a pedir desculpas ao povo brasileiro. Ora, ninguém se desculpa por algo que não cometeu. Ou será que Lula já não goza da plenitude de suas faculdades mentais?

Não aceito que integrantes da “esquerda caviar” ousem apontar o indicador na direção de um ou de outro, como se fossem os derradeiros donos da verdade. Que contentem-se com a própria indignação, ecoando-a aos bolhões, mas que não pensem em impor aos de opiniões contrárias resignação diante de um crime sem precedentes. Muitos esquerdistas de plantão, que por certo nada mais têm a fazer do que rebater as críticas dirigidas ao partido do Mensalão, insistem em comparar financeiramente o esquema de compra de parlamentares com outros escândalos de corrupção que marcaram a história brasileira. O Mensalão do PT precisa ser analisado não apenas pelo volume de dinheiro público desviado, mas pela ousadia do plano, que entre tantos objetivos tinha a arrecadação de R$ 1 bilhão, montante que permitiria ao partido avançar sobremaneira com seu projeto totalitarista de poder.

É inerente à acusação ou à condenação a alegação de inocência por parte do réu, mesmo que as provas apontem na direção contrária. Cabe à Justiça o dever constitucional de julgar com isenção e com base na legislação vigente, não se deixando influenciar pela opinião pública ou por grupelhos de pseudopoderosos, pois sua folclórica cegueira precisa, algum dia, se fazer real e verdadeira.

Depois de cinco séculos, o Brasil, pela primeira vez, começa a enxergar em horizonte distante que a lei não foi feita só para os desvalidos. Contudo, é absurdo tratar os mensaleiros presos como celebridades. Sentenças transitadas em julgado, os condenados no processo do Mensalão do PT devem receber o mesmo tratamento dispensado aos milhares de presos existentes no País. Qualquer regalia deverá ser considerada ilegalidade, devendo ser punido aquele que permitir privilégios, uma vez que reza a Carta Magna, de forma cristalina e inconteste, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Cumpra-se a lei, nada mais.

O que os advogados dos presos tentam, com rapapés jurídicos e declarações contundentes – tudo absolutamente legítimo e aceitável –, é tentar influenciar o Judiciário para que eventuais solicitações sejam atendidas de pronto. Isso faz parte do exercício da advocacia, apesar de quem fala demais normalmente perde a razão. Os presos em questão devem ter os direitos garantidos e respeitados, mas não se pode esquecer que, nesse caso específico, o cárcere é decorrência do crime de corrupção e outros badulaques penais. Ninguém foi preso porque estava a comungar na igreja da esquina.

A perda da liberdade não é coisa fácil, até mesmo para o mais profissional dos criminosos. Ser livre é condição nata do ser humano, que reage das mais distintas formas quando perde o seu direito de ir e vir. Querer que o caso desapareça subitamente do noticiário é o mesmo que acreditar em cegonha, mas os veículos de comunicação deveriam tratar esse capítulo da história brasileira com a devida responsabilidade. O que a maioria dos órgãos midiáticos vem fazendo é abusar do sensacionalismo, como forma de aumentar os índices de audiência e o número de leitores, mas essa atenção redobrada não se vê quando o preso é um cidadão comum.

Destaco, por considerar de suma importância, que a régua usada no cárcere para avaliar o preso deve ser igual para todos que estão no sistema penitenciário brasileiro. De tal modo, que a imprensa tupiniquim não queira transformar o cotidiano prisional dos mensaleiros em “reality show”, repercutindo as declarações dos corruptos encarcerados, pois de embustes o Brasil está repleto e cansado.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista
político, cronista esportivo, escritor e poeta.

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