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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Reynaldo-BH e a visita do Papa: é emocionante ver a história em movimento, sendo escrita sob nossos olhos


Por Ricardo Setti


Papa Francisco durante cerimônia na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro
(Foto: Evaristo Sá / AFP)

Post do leitor e amigo do blog Reynaldo-BH


A história da Igreja se confunde com a da civilização ocidental. Este fato é inquestionável. Até mesmo as diversas religiões cristãs hoje existentes são derivadas de cisões ou cismas na Igreja Católica.

É a instituição mais longeva na construção humana.

É sob este prisma que gostaria de tentar analisar a visita do Papa Francisco ao Brasil. Não pelo ângulo da presença política ou social da visita, mas – de novo, tentar – a partir de um entendimento das primeiras declarações e orientações de um papa frente a uma Igreja que sempre se renova. Mesmo com atraso.

Francisco pôde dizer a que veio. E se mostrou – teologicamente – muito mais próximo de Roncalli (nosso inesquecível João XXIII) do que de Ratzinger (o papa ainda vivo, Bento XVI). Não se aprofundou em temas teológicos de complexidade, em que Ratzinger é um dos maiores e admirados teólogos, mas com uma postura de pastor que não se via desde João XXIII.

O ponto alto foi – a meu ver – a reunião com os bispos e cardeais da CELAM horas antes de partir. E as posições claras adotadas. Completou-as com a entrevista no voo de volta a Roma.

Foram declarações fortes. E por isso, claras. Sem renúncia à Igreja e sem espaços aos que desejam uma igreja incoerente com a doutrina católica.

Após anos de intensa divisão, houve um aproveitamento do que de bom tinha a Teologia da Libertação, de Gustavo Gutiérrez, Leonardo e Clodovis Boff.

De pouca teologia, mas de muita inspiração sociológica. Ou política. Como Francisco deixou clara ser uma das tentações da Igreja. Mas negar um houve um avanço evidente a partir da inserção de temas sociais na visão católica, é fazer uma hermenêutica equivocada.

Isto Francisco aproveita. E despreza os aspectos políticos de atuação de uma Igreja que tem que ser além dos valores humanos do presente. Equipara o liberalismo econômico à doutrina marxista, deixando claro que qualquer tentativa de uso da fé pela “sociologia política” é maléfica.
  
A colossal multidão que se juntou na Praia de Copacabana, no Rio, para ver e ouvir o papa Francisco no sábado, 27 (Foto: EFE)

Afirma que a Igreja é HOJE. Não de promessas nem de passado, quando este não é somente indicativo de futuro.

O catolicismo iluminado (que como sabemos, tende a criar um “catolicismo” para cada um, obedecendo a conceitos que não são os da Igreja), o clericismo que afasta a Igreja dos fiéis e o “complexo de príncipe” que acomete o carreirismo de alguns padres que se materializa quando são bispos.

A interpretação dogmática não afasta uma outra, de inserção na vida de quem faz a Igreja: o povo de Deus.

O peligianismo ainda existente – egocêntrico e reducionista – em todas as correntes ditas “sociais” (políticas ou de atuação) foi combatido.

Desde Santo Agostinho (combatente feroz de Pelágio) esta comparação não tinha sido claramente explicitada. A fé cristã (para os que a tem, naturalmente) não isola o homem de um Criador. Antes, integra os mesmos. A dita salavação passa por esta interação. Negar a divindade de Cristo ataca os valores essências da fé cristã. E ser “pelágio” em nome de valores políticos e/ou sociais– até defensáveis – menores frente a quem crê.

A Conferência da CELAM (Aparecida, 2007) parece ser decisiva na trajetória de Bergoglio. Ele foi um dos condutores do documento que não mereceu atenção no passado e hoje é referência. Resgatado por Francisco, explica até o pedido de visita ao Santuário.

É um documento forte. De autocrítica e – nota-se claramente – de uma adequação hermenêutica da teologia da libertação, em seus aspectos pastorais.

No retorno a Roma, Francisco não se escondeu de posições incômodas. Desde a homossexualidade – que ele se recusa a julgar – ao pré-anúncio de mudanças na liturgia em relação a divorciados.

Foi além. Em entrevistas afirmou que o roubo merece cadeia. Mesmo para um monsenhor. Que – palavras do papa – desonra a Igreja. A reforma da Cúria foi reforçada, anunciada e garantida.

Não se muda o rumo de um transatlântico com guinadas. Mas quando este muda de rumo, é impossível pará-lo.

A Igreja está em mudanças. Talvez – espero! – a mais intensa desde o Concílio Vaticano II.

Todos nos surpreendemos com Francisco. Pela renúncia de Bento. Pela escolha de um papa “do fim do mundo”. Pela pouca visibilidade que tinha como bispo de uma cidade da América Latina.

A partir de agora, não se pode alegar surpresa. Francisco é revolucionário.

Vai desagradar a muitos. Conservadores e até progressistas. Ele parece saber exatamente o tamanho da encrenca.

E ficou claro que em um mundo conectado, de novos desafios, paradigmas e aspirações, Francisco é um papa que entende o recado que muitos quiseram ignorar ou reinterpretar de acordo com as próprias posições.

Que Francisco complete o que começou. E é sempre emocionante ver a história em movimento. Sendo escrita sob nossos olhos.

Benvindo, de novo, Papa Francisco!



29/07/2013

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