DIEGO ESCOSTEGUY, COM FLÁVIA TAVARES, MARCELO ROCHA, MURILO RAMOS E LEANDRO LOYOLA   
Revista Época
O SÍMBOLO
 Ex-líder do governo Lula, condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha, José Dirceu recebeu na semana passada a sentença de dez anos e dez meses de prisão. Tornou-se, assim, o símbolo de um Brasil que pune os crimes dos poderosos
 (Foto: Sergio Dutti/Ed. Globo) 
 E, assim que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, passou-lhe a palavra, às 15 horas do dia 12 de novembro de 2012, uma segunda-feira nublada em Brasília, ele falou. 
Perto dali, no bosque que ladeia a corte, assim como nos demais jardins e muitos recantos verdes de Brasília, as cigarras cantavam incessantemente, com a estridência usual, a melancólica ária que domina as primaveras da capital da República. 
O barulho das cigarras, porém, não penetrava o Tribunal. 
Lá dentro, nos primeiros minutos da 45ª sessão de julgamento do mensalão, havia apenas a voz de Joaquim Barbosa, o ministro relator do caso. 
Joaquim – costume gris, empertigado na cadeira ortopédica preta, rosto contrito – era inevitavelmente a imagem da abnegação.
 A dor revelava-se ao Brasil em cada espasmo muscular que lhe acometia, amiúde, como a sugerir que ele não fosse senhor do próprio corpo. Sobrava-lhe a voz, e com ela preencheu o plenário: 
 – Passo a examinar o chamado núcleo político. José Dirceu colocou em risco o próprio regime democrático, a independência dos Poderes e o sistema republicano, em flagrante contrariedade à Constituição Federal. 
Restaram diminuídos e enxovalhados pilares importantíssimos da nossa institucionalidade – disse, com os olhos miúdos cravados no voto. – 
Fixo a ele a pena-base em dois anos e seis meses de reclusão, tal como fizera com o réu Marcos Valério. 
Considerado o fato de José Dirceu ter desempenhado um papel proeminente nas atividades de todos os réus, especialmente os do núcleo político, aumento a pena em um sexto: pena que torno definitiva em dois anos e 11 meses de reclusão. 
 Aproximava-se o fim.
 Nos quase quatro meses do julgamento mais importante da história do Supremo, os 11 ministros – ou dez, a partir da aposentadoria compulsória do ministro Cezar Peluso, por idade, em setembro – já haviam reconhecido, por maioria e com base nas abundantes provas dos autos, que uma quadrilha liderada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu estabelecera um esquema de suborno para que parlamentares apoiassem o governo do Partido dos Trabalhadores, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva – um esquema que se convencionou chamar de mensalão. 
Os ministros entenderam que 25 dos 38 réus (13 foram absolvidos) deveriam ser condenados por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. 
Faltava apenas definir o tamanho das penas de cada um, no complicado processo da dosimetria, repleto de números e nuances jurídicas. 
Era o que começava a fazer Joaquim em relação a Dirceu. No fim da dosimetria, sua pena atingiria o total de dez anos e dez meses, acrescida de multa de R$ 676 mil. 
Pela primeira vez na história do Brasil, ao menos desde a redemocratização de 1988, um político poderoso era condenado por corrupção – e, salvo reviravolta cada vez mais improvável, cumprirá parte da pena na cadeia. 
Condenado, assim como os demais réus, num julgamento feito à luz do dia, transparente e com o mais amplo direito à defesa.
19/11/2012 
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