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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Rituais vazios

Esvaziamento dos discursos políticos é fenômeno universal que transforma líderes em profetas
Rituais vazios
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
COLUNISTA DA FOLHA


Sabe-se que a política possui seus rituais.

Os soberanos, os príncipes e os chefes de Estado demarcam seus respectivos territórios formalizando certas condutas que distinguem os que mandam e os que obedecem.

Nas democracias contemporâneas os chefes procuram mostrar que atuam no mesmo plano de seus subordinados, mas não é por isso que sub-repticiamente deixam de marcar as diferenças.

No que nos concerne, que se observem em particular as roupas do presidente Lula, que quase não repete um terno e se cobre de chapéus segundo as circunstâncias.

Se usa um chapéu do Exército na viagem inspetora-eleitoral às obras do rio São Francisco, é porque pretende sinalizar que todo o esforço da transposição das águas se faz mediante a colaboração militar, portanto, sob seu comando formal.

Tudo nele simboliza, ao mesmo tempo, proximidade com o eleitor e distância nos modos de seu ser.

No entanto, quanto mais o discurso político se esvazia de sentido, tanto mais essa sinalização do poder se converte num ritual vazio.
O fenômeno é universal, com a exceção notável dos EUA.

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Nicolas Sarkozy por Jiho

Note-se, por exemplo, o que Sarkozy [presidente francês] diz a cada momento.

Não lhe interessa se o que diz à tarde contradiz o que foi dito pela manhã, importa que seja ele quem enuncia a situação a ser trazida para o nível do disc
urso.


Não sabe de nada

Entre nós, como nos inclinamos a ser a caricatura do mundo, esse esvaziamento do discurso de nossos "grandes caciques" é flagrante.

Ninguém acredita, nem ele mesmo, que o presidente do Senado, José Sarney, não sabia das irregularidades cometidas durante suas gestões.

Mas assim mesmo ele declara não saber de nada, e todos nós terminamos sabendo de tudo como se não soubéssemos de nada.

Vale tão só o ritual do falar purgante.

O presidente Lula, desde a crise do mensalão, é mestre nesse purgar pelo discurso vazio. Nesta semana, a imprensa anuncia que a defesa do ex-deputado Roberto Jefferson voltou a pedir que o Supremo Tribunal Federal inclua o presidente Lula entre as testemunhas do processo do mensalão.

Obviamente, o presidente usará de suas prerrogativas de responder por escrito, reafirmará sua ignorância do caso e tudo continuará como está.

Mas os advogados cumprirão a tarefa de dar uma conotação política ao processo, oferecendo uma oportunidade ao presidente de repor o testemunho no plano da indefinição conveniente a seus propósitos.

A fala desse poder mente, pretende ser verdadeira, mas todos sabem que ela é mentirosa.


Isso porque as palavras não estão valendo pelo que denominam, mas, antes de tudo, porque simbolizam a chefia que, exibindo-se como fazedor, está além da verdade e da mentira. Desde os filósofos gregos sabe-se que o discurso político se desdobra no nível da retórica; pretende antes convencer do que falar a verdade.

Mas não é por isso que deixa de se revestir com o manto do verdadeiro, pois somente assim, imaginando que estão no verdadeiro, as pessoas podem agir de forma coletiva, assumindo um mesmo paradigma.

Mas, se o paradigma da verdade e do interesse verdadeiro deixam de operar, o que a fala inconsequente simboliza?

Como esse discurso retórico pode ainda ter efeito quando as pessoas deixam de acreditar no que estão dizendo e ouvind
o?

Marginais
Tudo parece indicar que a fala da chefia não pretende se responsabilizar pelo que está sendo feito. O que faz é o chefe, este e não outro, e, se suas frases são contraditórias, isso vem demonstrar que o feito resulta tão só dele, de seu ser, não de suas palavras, vale dizer, das determinadas opções que foi obrigado a dizer.
 

A ação política deixa então de ser coletiva para se tornar um dom a ser recebido por aqueles que acreditam. Estes sabem que o benefício não pode ser generalizado, mas, graças à mediação da chefia, podem se apropriar das margens do que os poderosos já possuem.

Não pedem igualdade, apenas participação, ainda que seja pela margem. Participam do jogo político reafirmando sua condição de marginais, contentando-se com os restos de um sistema produtivo que alimenta uma sociedade de consumo.


JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais!. Esvaziamento dos discursos políticos é fenômeno universal que transforma líderes em profetas.

Leia mais aqui.

Prezado Prof. José Arthur Giannotti
Escrevo para comentar seu artigo, até porque o senhor ao final, pergunta como evitar este estado de total vazio e de torpor que estamos vivendo.

É a imbecilização do coletivo e o diferente é aquele que possui opinião própria. Então gritam todos:

"Fora com a ovelha negra" !!!

Perdão, errei, o correto é "Fora com a ovelha afro-descendente".

Nestes tempos onde os contrários, aqueles que têm algo a dizer são imediatamente banidos sob acusações de serem elites raivosas, extrema direita, pequeno-burgueses e mais um monte de rótulos inomináveis, realmente fica difícil implantarmos quaisquer mudanças.

Talvez a grande mentira comece em uma das maiores verdades que a frase a seguir resume: "O PODER EMANA DO POVO".

E Lula, que representa como ninguém este "povo" (como se ele fosse mais povo quanto eu ou o senhor), usa e abusa de suas prerrogativas para passar brandamente todas as suas mentiras e contradições.

Por várias fontes, fico sabendo o quanto estudantes do ensino médio e universitários precisam calar suas opiniões em variados temas. Principalmente se for sobre política, problemas sociais, raciais etc...

Aos estudantes que tem o que falar hoje, não lhes é dado o direito de manifestação sem serem completamente rechaçados.

Se pelo menos a maioria dos professores não estivessem tão ideologizada, talvez não estivéssemos aqui conversando sobre
O VAZIO NOS DISCURSOS DE QUEM OS PROFERE E DE QUEM OS OUVE.

Portanto, creio que se deva iniciar um sério debate sobre a forma como os nossos filhos, estes que governarão o Brasil amanhã, estão sendo tratados em sua diversidade, enquanto não podem se manifestar pelo que aprendem em casa, a exemplo de seus pais.

E ninguém melhor do que o senhor, professor emérito da USP, é conhecedor desta conduta falha e tão destrutiva para futuros formadores de opinião.

E se as coisas chegarem onde estão, a culpa é nossa por ter-mos deixado O VAZIO tomar conta de cérebros que deveriam estar reagindo a estas manipulações, principalmente depois que os politicos descobriram que é este o caminho para DIZER NADA, FINGINDO QUE SE DIZ TUDO.

Ana Prudente
Mãe de dois universitários
São Paulo

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