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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

José Carlos Bumlai, o amigão de Lula caiu na Lava Jato


Delatores entregam o lobista, último anteparo de Lula no petrolão.

Agora, os procuradores buscam subir na cadeia de comando do esquema


DANIEL HAIDAR
Época


No dia 16 de setembro, o lobista Fernando Soa­res, o Fernando Baiano, deixou por algumas horas sua modorrenta rotina de preso, em Curitiba, para entregar, formalmente, as negociatas do homem que representa o último anteparo do ex-­presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal alvo dos procuradores da Lava Jato. Trata-se de um anteparo poderoso, desconhecido do público, embora famoso – ou infame, a depender do interlocutor – em Brasília.

Ele se chama José Carlos Bumlai. Apresentava-se como pecuarista até o início do governo Lula, em 2003, quando passou a se apresentar às pessoas certas como amigo do presidente, o amigo que poderia resolver qualquer problema. No poder, soluções para problemas costumam custar caro. Homens de negócio como Bumlai sabem disso – vivem disso.

Naquele dia de setembro, Baiano se tornava o primeiro operador a confessar quanto custavam as soluções que envolviam Lula. Abriu oficialmente o caminho para que os procuradores subam na cadeia de comando do petrolão.


Baiano disse que, em 2011, pouco após a saída de Lula do Planalto, precisou de Bumlai. Queria incluir o estaleiro OSX, do empresário Eike Batista, na disputa por contratos com a Sete Brasil, uma associação entre fundos de pensão, bancos e a Petrobras, montada para arrendar sondas à estatal.

Baiano marcou um encontro no escritório de Bumlai em São Paulo, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 3.530, mesmo endereço da LLCS, empresa de dois filhos de Lula, Fábio Luiz e Luiz Cláudio. O lobista estava certo de que Bumlai poderia ajudar – o presidente da Sete Brasil na ocasião era João Carlos Ferraz, alçado ao cargo pelo PT. Dias depois da reunião, o pecuarista pediu a Baiano que o presidente da OSX, Luiz Carneiro, telefonasse para João Carlos Ferraz. Uma reunião entre os executivos e os lobistas ocorreu logo depois.

Nessa reunião, Baiano tentou emplacar o valor de sua comissão: queria 5% da OSX caso o negócio com a Sete Brasil fosse fechado. Baiano e Bumlai decidiram que dividiriam a bolada que Baiano recebesse. Mas faltava um empurrão.


"Estive com Bumlai duas vezes, pedindo ajuda para ser diretor", disse o lobista João Augusto Henriques

Mesmo depois do encontro de executivos, o negócio estava enrolado. Baiano pressionou Bumlai e pediu uma “providência mais incisiva”. Queria um “peso maior” interferindo para que a transação fosse concretizada. O “peso maior”, Bumlai sempre soube, era Lula. Segundo Baiano, depois de instruí-lo sobre o que falar, Bumlai levou Ferraz para conversar com Lula no Instituto Lula (leia os recortes abaixo).

Dias depois, Baiano procurou Ferraz. Em seu depoimento, ele afirma que Ferraz disse que Lula prometera “ajudar a dar mais velocidade nos assuntos da Sete Brasil para viabilizar uma consolidação mais rápida da indústria naval brasileira”. Uma nova reunião ficou acertada para ocorrer um mês depois, no Instituto.

PERSONAGENS
1 - O lobista Fernando Baiano pagou propina a Bumlai e diz que ele levou um empresário até Lula
(Foto: Geraldo Bubniak/AGB/Estadão Conteúdo)




2 - Trecho do depoimento de Baiano sobre Bumlai

(Foto: reprodução)



3 - Fábio Luiz (à esq.) e Luiz Cláudio, filhos de Lula. Ele e o irmão têm um escritório no mesmo prédio de Bumlai

(Fotos: Juca Varella/Estadão Conteúdo e Paulo Pinto/Estadão Conteúdo)

O que Lula poderia fazer pela Sete Brasil e pela indústria naval, já fora da Presidência, é um ponto a ser apurado. O que Bumlai poderia fazer, graças à proximidade com Lula, está muito claro. Bumlai frequenta a intimidade do casal Lula desde os tempos em que ele morava na Granja do Torto. Desde então, nunca fez segredo – ao contrário – do que essa amizade valia. Envolveu-se em rolos com os dois principais operadores do PT no primeiro governo Lula, ambos presos: Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do partido, e Marcos Valério Fernandes de Souza, o sujeito que viabilizou o mensalão.

Na delação, Baiano diz quais são os métodos do amigo de Lula – e como eles funcionam. Bumlai, narrou Baiano, se sentiu à vontade para pedir um adiantamento da comissão da OSX. Queria R$ 3 milhões. Disse que estava sendo cobrado por uma nora do ex-­presidente Lula “para pagar uma dívida ou uma parcela de um imóvel” (não disse qual nora seria). Baiano afirma ter entregado um pouco menos, R$ 2 milhões, a Bumlai.

Uma nota fiscal fria da Usina São Fernando, uma das empresas de Bumlai, foi emitida para acobertar a propina. Apesar do pedido do pecuarista, foram pagos pouco menos. O negócio da OSX com a Sete Brasil não saiu, mas Bumlai levou o seu.


 Há anos, o pecuarista sul-mato-­grossense José Carlos Costa Marques Bumlai vive o papel de amigo de Lula. Bumlai conheceu Lula durante a campanha presidencial de 2002, por intermédio do então governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT. Tornou-se integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, o “Conselhão” de Lula, e, ao longo do tempo, passou a filtrar nomeações políticas para os maiores cargos da República, como diretorias na Petrobras.

O lobista João Augusto Henriques, que quase se tornou diretor na área internacional da estatal e agora está preso na Lava Jato, disse a ÉPOCA em 2013: “Estive com Bumlai duas vezes, pedindo ajuda para ser diretor. Era um cara muito forte no PT”.

As pessoas que importam sabiam que Bumlai tinha o privilégio do acesso rápido no Palácio do Planalto, era ouvido por Lula nas pescarias e nos churrascos na Granja do Torto, onde o petista sempre esteve mais à vontade. Era muito próximo também de Dona Marisa.


O nome de Bumlai foi citado inicialmente nos depoimentos do acordo de delação premiada firmado pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Foi ele o primeiro a relatar a proximidade entre Fernando Baiano e Bumlai. Agora, um ano depois, os testemunhos de Baiano começam a esclarecer as tarefas de Bumlai no petrolão. Tanto que os procuradores já preparam uma ofensiva contra o amigo de Lula. Acumulam-se elementos que permitem isso.

Nestor Cerveró, ex-diretor de Internacional da Petrobras, contou o que sabia de Bum­lai para tentar obter seu acordo de delação premiada. Cerveró disse que o PT tomou um empréstimo de R$ 50 milhões no Banco Schahin para quitar uma dívida da campanha eleitoral de 2006. Na hora de pagar, o PT ofereceu contratos na Petrobras: Cerveró recebeu ordens de Bumlai para direcionar o contrato bilionário de uma sonda ao braço de construção da Schahin.

Outro delator, Eduardo Musa, também ex-­diretor da Sete Brasil, confirmou a história de Cerveró – e acrescentou que Bumlai participou também do empréstimo no Banco Schahin.


Bumlai é engenheiro de origem. Aprendeu a circular entre políticos e negócios após 30 anos de trabalho na Constran, quando a empresa pertencia a Olacyr de Moraes. Durante os governos Sarney e Collor, Bumlai foi o homem da Constran em Brasília.Seu trabalho era prestar – e cobrar – favores a políticos. Depois, Bumlai migrou para a pecuária e o setor de energia. Chegou a ter 150 mil cabeças de gado. Uma de suas fazendas, a São Gabriel, foi vendida por R$ 20,9 milhões ao Incra em 2005. Há uma investigação em curso para saber se esse valor foi superfaturado em R$ 7,5 milhões.

Dois anos mais tarde, Bumlai se associou ao Grupo Bertin na construção da Usina São Fernando, em Dourados, Mato Grosso do Sul, quando a ideia de um país produtor de etanol fazia brilhar os olhos de empresários e de Lula. Em 2011, o Bertin vendeu sua parte e Bumlai ficou sozinho na usina, que é administrada por seus filhos, Guilherme e Maurício.

Abatida pela crise no setor, a São Fernando começou a definhar e entrou em recuperação judicial em 2013. Somente com o BNDES, a usina tem R$ 300 milhões de dívida – o total é de R$ 1,2 bilhão. A falência da usina pode ser decretada em breve.

Mas Bumlai é um homem fiel. Manteve-se ativo na defesa dos interesses tanto de Lula, quanto do Bertin, quanto da Constran, que hoje pertence ao mesmo grupo da empreiteira UTC. Bumlai ajudou o Bertin a participar do consórcio responsável pela construção da usina de Belo Monte, obra de mais de R$ 30 bilhões, com seu braço de construção civil, a Contern. Pela Constran, o pecua­rista se encarregou de colar em Lula em suas viagens pelo mundo em busca de negócios para empreiteiras. Conforme ÉPOCA revelou em abril de 2014, Bum­lai viajou com Lula para Acra, capital de Gana, em 2008.

Na época, Bumlai era conselheiro da Constran, que chegou a comemorar publicamente uma parceria com uma empresa local para produzir etanol.

A Constran entrava com a usina, a parceira com a cana, e o BNDES com US$ 260 milhões para a empreitada. Pouco depois, a Constran foi passada para trás e substituída pela Odebrecht, empreiteira que pagou a Lula quase R$ 4 milhões nos últimos anos – em troca, oficialmente, de palestras.


Bumlai foi com Lula para Gana para instalar uma usina de álcool pela Constran. A obra foi para a Odebrecht

Além de atuar, segundo Baiano, para pagar dívidas dos filhos de Lula e fechar contratos na Petrobras, Bumlai mantinha frequentes contatos com Delúbio Soares, segundo extratos telefônicos da CPI que investigou o mensalão. Na Operação Vampiro, em que a Polícia Federal investigou fraudes em licitações no Ministério da Saúde, ainda no começo do governo Lula, o nome de Bumlai também apareceu, em depoimentos e grampos telefônicos, como arrecadador de fundos para o PT, ao lado de Delúbio. Bumlai era o arrecadador alternativo do PT. Fez de um quarto do hotel Naoum, no setor hoteleiro sul, em Brasília, sua banca de negócios.


Em depoimentos que prestou ao Ministério Público, o operador do mensalão, Marcos Valério, disse que, em 2003, o PT pediu a ele que resolvesse uma chantagem que o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, sofria. O chantagista era o empresário Ronan Maria Pinto, que, de acordo com Valério, amea­çava fazer revelações sobre o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel. Valério conta que o PT pediu R$ 6 milhões para pagar ao chantagista.

O publicitário diz que preferiu não bancar essa conta. Mas garante que o dinheiro foi pago por Bumlai, que conseguiu os recursos a partir de um empréstimo no – de novo – Banco Schahin. Um documento do Banco Central divulgado neste ano mostra que, em outubro de 2004, Bumlai pediu um empréstimo de R$ 12 milhões ao Banco Schahin.

ESCRITÓRIO
O hotel Naoum, em Brasília. Nele, Bumlai recebia parlamentares e acertava seus negócios com o governo nos tempos de Lula
(Foto: reprodução)

Bumlai também apareceu em um escândalo de pagamentos de propina em Campinas, em 2011. A investigação desse caso foi reaberta no começo deste ano, porque o esquema envolve empreiteiras agora enroscadas na Lava Jato. Bumlai não é um dos investigados. Mas era, de acordo com escutas telefônicas, o elo entre a Constran e a prefeitura de Campinas em um contrato milionário com a empresa de saneamento da cidade, a Sanasa, para as obras de construção de uma estação de tratamento de esgoto.

Segundo o Ministério Público, as empreiteiras envolvidas no negócio, entre elas a Constran e a Camargo Corrêa, pagavam propinas, que variavam de 5% a 7%, para patrocinar um esquema de mensalinho na Câmara de Campinas. O vice-prefeito era do PT.




Na semana passada, Lula procurou apagar os laços de amizade com Bumlai. Disse, em nota emitida pelo Instituto Lula, que “não se envolveu como intermediário de empresas e não autorizou José Carlos Bumlai a usar o nome dele para qualquer tipo de lobby”. Lula disse ainda que nenhuma de suas noras recebeu qualquer quantia de Fernando Baiano.

O advogado Arnaldo Malheiros, que defende Bumlai, afirma que o pecuarista tomou um empréstimo, como pessoa física, de Baiano, no valor de R$ 1,5 milhão. A operação, segundo Malheiros, foi contabilizada por um contrato de mútuo, declarado à Receita Federal. Malheiros diz que o lobista foi procurado para o empréstimo, porque Bumlai tinha acabado de delegar a Fernando Baiano a tarefa de vender uma termelétrica.

Malheiros disse ainda que Bumlai está em “estado de endividamento muito grande” e que “não estaria nesse estado” se tivesse tirado proveito da amizade com Lula.


Luiz Carneiro, ex-presidente da Sete Brasil, não quis comentar as afirmações de Baiano. O advogado Sérgio Bermudes, que defende Eike Batista, disse que o empresário nega ter feito qualquer pagamento ilícito a alguém.

01/11/2015


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