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terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A república dos cínicos



Só sairemos da crise econômica quando resolvermos as crises ética e política
É uma tarefa de sobrevivência nacional



Lembra o Conselheiro Aires, célebre personagem de Machado de Assis, que o inesperado tem sempre voto decisivo nos acontecimentos. O ano parecia caminhar para o encerramento. E em tons inglórios. O enfrentamento da crise política estava sendo empurrado para 2016. Tudo indicava que o impasse — produto em grande parte da inoperância das forças políticas de oposição ao projeto criminoso de poder — iria se prolongar, até porque o calendário político do Congresso não é o mesmo que vigora para os brasileiros comuns. Na Praça dos Três Poderes, 2015 termina por volta do dia 11 de dezembro, e o ano vindouro só começa depois do carnaval — e para alguns somente em março.

Mas os acontecimentos de 25 de novembro vieram para atrapalhar — ainda bem! No dia anterior foi preso José Carlos Bumlai, considerado um dos melhores amigos de Lula. Bumlai conseguiu empréstimos privilegiados do BNDES. Acabou falindo. Contudo, a família está em excelentes condições financeiras. Um dos seus filhos, segundo noticiou O GLOBO, é um rapaz de sorte. Tinha um patrimônio avaliado em R$ 3,8 milhões em 2004. Seis anos depois, saltou para R$ 95,3 milhões, um crescimento de 25 vezes, algo digno de um livro de como prosperar rapidamente na vida. Mas o mais fantástico é que em 2012 o filho prodígio mais que duplicou o patrimônio: R$ 273,8 milhões.

O amigão de Lula vendeu uma de suas fazendas — a Cristo Redentor — para o banqueiro André Esteves por R$ 195 milhões, valor considerado muito acima do preço de mercado. O mesmo banqueiro, também no dia 25, foi preso, envolvido em transações pouco republicanas. É um dos representantes de uma nova classe criada pelo petismo: a burguesia do capital público.

Nesta teia de relações foi incluído o senador Delcídio Amaral, líder do governo no Senado. O senador, além de vínculos com Estevão e Bumlai, nos últimos anos esteve muito próximo de Lula. E todos eles estão relacionados com o petrolão, alguns já presos; outros, ainda não. A camarilha tinha na Petrobras o instrumento principal de saque. De acordo com perícia da Polícia Federal, o desvio do petrolão foi de R$ 42 bilhões, algo desconhecido na história do mundo.

Mesmo assim, os cínicos que nos governam continuam agindo como se nada tivesse acontecido — isso para não falar das obras da Copa, da Ferrovia Norte-Sul, da Usina de Belo Monte e de Angra-3. E a conjunção da corrupção com a irresponsável gestão econômica acabou jogando o país na crise mais grave da história republicana. Teremos dois anos consecutivos de recessão — sem esquecer que em 2014 o crescimento foi zero. E caminhamos para a depressão.

O significado mais perverso do projeto criminoso de poder e da crise econômica é a destruição dos projetos de vida de milhões de brasileiros. São projetos acalentados anos e anos e que a discussão da macropolítica acaba deixando de lado: os sonhos da casa própria, de obter um diploma universitário, de se casar, entre tantos outros, que, subitamente são inviabilizados. E os maiores atingidos são os mais pobres, que não têm condições de sequer vocalizar suas queixas, seus protestos.

A velocidade da crise não pode mais ser controlada. Quando o governo aparenta viabilizar um acordão negociado com o que há de pior na política brasileira, vem a Operação Lava-Jato para atrapalhar o negócio — pois não passa de um negócio. A ação do juiz Sérgio Moro é histórica. Age dentro dos estritos termos da lei e já obteve grandes vitórias. Até o momento, foram 75 condenações, 35 acordos de delações premiadas, 116 mandados de prisão e R$ 1,8 bilhão recuperados. E a 21ª fase da Lava-Jato acabou impedindo o acordão. Não é que a Justiça age na política. Não. É a política — entenda-se, os partidos e parlamentares de oposição — que não consegue estar à altura do grave momento histórico que vivemos. A oposição não faz a sua parte. Evita o confronto como se a omissão na luta fosse uma qualidade. Se estivesse no Parlamento inglês, em maio de 1940, defenderia negociar a paz com Adolf Hitler. O governo Dilma caminha para o fim sem que a oposição seja o elemento determinante.

Há uma fratura entre o povo brasileiro e a Praça dos Três Poderes. O poder é surdo aos clamores populares. Não é hora de recesso parlamentar. Recesso para quê? Em meio a esta crise? É justamente nesta hora em que o país precisa dos seus representantes no Congresso Nacional. Também não cabe a quem é responsável no STF pela Operação Lava-Jato — ou ao conjunto da Segunda Turma — gozar as intermináveis férias forenses. Há momentos na história de um país que férias ou recesso não passam de subterfúgios para esconder o desinteresse pelos destinos nacionais.

Só sairemos da crise econômica quando resolvermos as crises ética e política. É uma tarefa de sobrevivência nacional. Não é apenas um caso de corrupção de enormes proporções. É mais, muito mais. O conjunto da estrutura de Estado está carcomido pelo projeto criminoso de poder. A punição exemplar dos envolvidos no petrolão abre caminho para enfrentar a corrupção em todos os setores do Estado — pensando Estado no sentido mais amplo, incluindo o conjunto dos Três Poderes.

É indispensável retomar a legitimidade. E só há legitimidade com o combate implacável à corrupção. A impunidade está solapando as bases do Estado Democrático de Direito. A democracia não é instrumento para roubar o Erário e os nossos sonhos. Pelo contrário, é através dela que podemos exercer o controle efetivo da coisa pública. É somente através da democracia que construiremos o Brasil que sonhamos.

Marco Antonio Villa é historiador

01 de dezembro de 2015

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