Ou: Individualização da conduta é princípio do direito, não porta da impunidadePor Reinaldo Azevedo
Não sei, não… Tenho pra mim que os advogados de defesa estão exagerando na dose e convidando os ministros do Supremo para o patético.
Não sou advogado, não sou criminalista, não sou formado em direito.
Mas lido razoavelmente bem com a lógica.
Não descerei a minudências sobre as atuações de ontem porque escrevi nada menos de 15 (!!!) posts a respeito.
O que tenho visto até agora é o desfile de uma impressionante galeria de heróis.
Fica-se com a impressão de que o Brasil é um estado totalitário e que, por alguma razão, os advogados têm a liberdade de que gozavam os bobos da corte de antigamente (e não vai aqui associação jocosa para quem sabe do que falo).
Só eles tinham o direito de falar a verdade e de fazer ironias, inclusive com o rei.
Mas não!
Este é um estado democrático e de direito, que assegura o amplo direito de defesa.
E põe “amplo” nisso, não é mesmo?
Mais a impunidade, especialmente dos poderosos, nos define do que o contrário.
Quem, no entanto, ouvisse os advogados, ignorando tudo o que se deu no país — e, sobretudo, ignorando a ORDEM DOS FATOS —, ficaria com a impressão de que os 38 réus (36 com pedidos de condenação) foram lá parar em razão da ação de um estado discricionário, que não respeita os ritos processuais, que age movido pela vontade se déspotas, que ignora as proteções garantidas nos vários códigos.
Atenção!
Os senhores advogados têm o direito — e, em certa medida, o dever, ainda que contra muitas evidências — de declarar a inocência dos seus clientes, mas abusam da nossa boa vontade e da do país, da nossa paciência e da de milhões de brasileiros quando tentam nos convencer de que nada de anormal aconteceu naqueles dias, a não ser a movimentação de alguns milhões de caixa dois de campanha, ainda que em anos não eleitorais.
Estariam pagando dívidas de 2002 já na véspera da eleição de 2006…
Os advogados mais estrelados, mesmo declarando quase o heroísmo de seus clientes, foram, não obstante, respeitosos com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Ontem, no entanto, assistimos a um notável espetáculo de grosserias (ver posts a respeito).
Curiosamente, ainda que com palavras lhanas e sem agressão frontal a Gurgel, José Carlos Dias exagerou na retórica e fez do procurador-geral uma espécie de delegado Fleury da tortura psicológica.
Defendia a sua cliente, banqueira com alma de bailarina, uma “mulher mineira” — e por isso lamentou adicionalmente a ausência de Carmen Lúcia, mulher e conterrânea da ré, como destacou.
Incrível!
Não obstante…
Não obstante, o show de horrores se deu. Os empréstimos do BMG e do Rural a Marcos Valério, ainda que formalmente legais, deixou claro a CPI, eram operações de fachada para justificar a entrada do dinheiro que alimentaria o que chamaram de mensalão. Fica parecendo que nada neste imenso mundo é mais normal do que um publicitário que detém contas de empresas públicas ser o operador, então, do caixa dois do PT.
Insiste-se na patacoada de que o fundo Visanet era apenas uma operação privada — a gestão até podia ser —, quando é fato que o Banco do Brasil detinha 30% do capital.
Até agora não se respondeu ao fato de que os mais de R$ 70 milhões repassados não tiveram a contrapartida em serviços.
Reitera-se na história absurda de que a retenção da bonificação por volume — descontos concedidos por empresas de comunicação para a veiculação de anúncios — era coisa legal e corriqueira.
Tenta-se, em suma, negar a óbvia origem pública do dinheiro que alimentou o que foi chamado de “mensalão” — mas que poderia se chamar, sei lá, de “Bagunção”.
Considera-se que acionar um carro forte para carregar a grana, tal o seu volume, é só decorrência do fato de que, afinal, era muito dinheiro para levar em malas…
Impressiona o modo como os advogados de defesa vão ali desfilando irregularidades ao mesmo tempo em que vão asseverando a inocência e até a pureza d’alma dos seus clientes. E, obviamente, todos estão convidando os ministros a entrar na seu balão mágico. Reitero: alegar a inocência é do jogo; heroicizar os réus é um convite a que os ministros façam o papel de tolos.
Individualização das condutas
Sim, é verdade, num processo criminal é preciso individualizar as condutas. Mas é preciso tomar cuidado para que esse seja um princípio do direito, não porta da impunidade.
Ontem, o advogado de Rogério Tolentino tentou nos convencer de que foi seu cliente a fazer o empréstimo de R$ 10 milhões no BMG, mas sem intimidades maiores com Marcos Valério e com o mensalão.
Limitou-se, assegurou o defensor, a pegar a grana e a entregar a uma secretária três cheques em branco, que foram parar numa corretora e depois nas mãos dos mensaleiros. E nos perguntava: “Onde está o crime?”
Pois é. Onde?
Está no domínio dos fatos, doutor!
O de seu cliente e o de muitos outros.
Cito apenas um caso.
Porque é no domínio dos fatos, com o concurso de todas essas personagens, que se deu o escândalo.
Do modo como as coisas estão se encadeando, estão convidando os ministros do Supremo e o país a engolir mais uma jabuticaba, mais uma criação nativa: a do crime sem autores, a do crime sem criminosos.
Se tudo aquilo restar impune, fico a imaginar a cara dos ministros do Supremo no dia seguinte e o comportamento em julgamentos futuros.
Mais do que isso: fico a imaginar que novo padrão de moral com o dinheiro público e com a política se vai, então, estabelecer.
O tribunal mergulhará numa crise de credibilidade da qual levará anos para sair.
Hoje é dia de Márcio Thomaz Bastos, o grande artífice da defesa — ou “das defesas”.
Uma montanha já havia sido prometida ontem na vez de José Carlos Dias.
Seu melhor momento foi seu pior momento — aquela associação infeliz.
Vamos ver as virtudes quase metafísicas do doutor Bastos, chamado de “Deus” por alguns de seus pares
Nunca antes na história deste país tantos inocentes se uniram para praticar tanta lambança!
Para encerrar
Lembram-se da invasão da fazenda da Cutrale, da derrubada de parte do laranjal, da depredação das instalações, do roubo de equipamentos? Pois bem! A Justiça rejeitou a denúncia oferecida porque afirmou que as condutas dos acusados não estava devidamente individualizada. Sim, é claro que é preciso dizer quem fez o quê — algum quê pelo menos ou o quê possível. Mas notem: os fatos estavam lá, as evidências estavam lá, o movimento que invadiu estava lá, e a cadeia de comando do MST, todo mundo sabe, é de caráter quase militar, segundo a obediência devida. Queriam o quê? O nome de quem dirigiu o trator? O nome de quem depredou as instalações? O que se quer? Um direito para a Justiça ou para o crime?
Eis uma boa pergunta para os 11 do Supremo: o que se quer?
Um direito para a Justiça ou para o crime?
Aquele foi um caso em que o crime não teve criminosos.
E eles continuaram a delinquir.08.08.2012
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Julgamento do mensalão – Advogados estão exagerando na dose e convidando os ministros do Supremo a desempenhar um papel patético
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