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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O JIHAD TRANSNACIONAL E SUA AÇÃO NA SÍRIA



Sábado, 11.02., o chefe da al-Qaeda, Ayman al Zawahiri, postou na Internet um videoclip de oito minutos intitulado
“Avante Leões da Síria!” no qual expressava o apoio moral e logístico da organização terrorista jihadista ao levante popular na Síria e instava os islâmicos (não necessariamente todos os muçulmanos) da Turquia, do Iraque, do Líbano, e da Jordânia, para que ajudassem os rebeldes sírios na sua luta contra a ditadura de Bashar al-Assad em Damasco.
POR FRANCISCO VIANNA

(da mídia externa sobre a inteligência no Oriente Médio)

Tal manifestação praticamente coincide com a citação, feita dias antes num relatório da McClatchy, por funcionários da inteligência americana, cujos nomes não foram citados, que disseram ter o núcleo jihadista iraquiano, da rede global jihadista, perpetrado dois ataques contra instalações da inteligência síria em Damasco, ao passo que o Vice-Ministro do Interior iraquiano, Adnan al-Assadi, disse numa recente entrevista concedida à Agência France Press (AFP), que jihadistas iraquianos estavam a movimentar combatentes e armas para dentro da vizinha Síria.

Parece que se confirma o objetivo da Al Qaeda, no longo prazo, de expulsar governos árabes para facilitar o retorno de um califado transnacional, uma tática que tem envolvido principalmente ações terroristas que visam causar intervenção americana na região.

Ou seja, o afastamento dos americanos do Oriente Médio, parece contrariar os desejos da al Qaeda que esperam que tais intervenções incitem levantes populares que, em última análise, derrubariam regimes árabes, abrindo caminho para os jihadistas eventualmente assumirem o poder.
Todavia, os esforços da rede jihadista global têm sido infrutíferos e ela permanece como uma força marginal no mundo árabe.

Ao se dirigir ao povo sírio, a al Qaeda espera se por ao lado dos levantes árabes ocorridos no ano passado, nos quais não tem tomado parte quase nenhuma e, pelo jeito, ambiciona pegar o bonde andando.

Os regimes regionais têm se posto na defensiva, em função do aumento do islamismo político radical, da crescente desilusão do povo e da radicalização da dicotomia sectária sunita-xiita, embora a intervenção militar estrangeira tenha sido solicitada para realmente impedi-los, como foi visto na Líbia.

A crescente incerteza na região e o enfraquecimento gradual desses regimes dão aos jihadistas uma oportunidade de reafirmar sua relevância.

As declarações de Al-Zawahiri no vídeo e em entrevistas, entretanto, representam uma continuação da incapacidade da liderança central em fazer não mais do que publicar afirmações gravadas em fita a partir de seus esconderijos no Paquistão, muito menos engajado na planejada estratégia do que os jihadistas gostariam.
OS JIHADISTAS E AS AGITAÇÕES POPULARES NO ORIENTE MÉDIO

A agenda transnacional extremista da al Qaeda tem sempre se limitado a apelar às massas árabes.

Os levantes populares nos países árabes e a subida ao poder, via eleições, de políticos islâmicos no Egito e na Tunísia têm evidenciado a irrelevância dos jihadistas para as sociedades dentro do mundo muçulmano.

Os jihadistas têm fracassado em depor um governo estabelecido em qualquer lugar do mundo muçulmano, mesmo no Afeganistão, onde o aumento de poder do Talibã em meados da década de 1990 provocou um vácuo de poder.

Reconhecendo suas limitações, os jihadistas têm focado em perpetrar ataques tencionados a criar crises nos países alvos e nos que mantêm com eles relações externas – como no caso do Paquistão com o Iêmen.

A esperança jihadista repousa na criação de suficiente desordem que eventualmente possa habilitá-los a tomada do poder.
Tal abordagem tem se demonstrado difícil de ocorrer porque os governos árabes (apesar de sua fraqueza) têm se mostrado elasticamente adaptativos e a fragmentação social não tem funcionado em prol dos jihadistas.

Ou seja, a Lei Sharia, que os islâmicos fundamentalistas querem impor a todo o custo ao mundo muçulmano, na verdade, não é aceita pela grande maioria de seus membros, políticos e devotos.

Uma segunda opção tem sido a tentativa de tirar vantagem dos vácuos de poder criados por outras forças, ou seja, a de pegar o bonde andando de revoltas populares.

O Iraque representa uma destas oportunidades, tal como ocorreu quando as forças americanas tentaram derrubar a ditadura do Partido Baath de 2003, permitindo, então, a emergência do núcleo mais ativo da al Qaeda na época.
A maioria de xiitas no Iraque representava um obstáculo intransponível para os jihadistas mesmo antes dos jihadistas terem alienado seus aliados sunitas iraquianos ao ponto de fazê-los passar para o lado dos americanos, o que levou a uma degradação da rede jihadista no Iraque.

Contrastadamente, a Líbia pós-Gadhafi, com a proliferação de milícias – algumas da quais têm jihadistas de ambas as seitas – poderá se tornar um lugar mais amigável para a al Qaeda e seus jihadistas.

Mas, mesmo na Líbia, se tiver que seguir a militância islâmica radical, a geografia muito provavelmente evitaria que o grupo se espalhasse muito além das áreas de fronteira.

Entretanto, dada a localização estratégica da Síria nas encruzilhadas de tantas rotas de importância geopolítica capital, a destruição do estado sírio poderá facilmente resultar num conflito regional, provavelmente bélico.

A maioria da parte interessada, que se opõe à intervenção militar estrangeira na Síria, o é por essa mesma razão.

Muitos estados estão de olho no objetivo estratégico de enfraquecer geopoliticamente o Irã pela deposição do regime alawita na Síria, mas mesmo tal perspectiva pode não ser suficiente para contrabalançar os custos potenciais. 

 
   AS EXPECTATIVAS JIHADISTAS NA SÍRIA

Com ou sem intervenção estrangeira, os jihadistas na região têm amplo espaço de manobra na Síria. A presença jihadista regional mais significativa reside através da fronteira da Síria com o Iraque.

Tais forças beneficiadas pela decisão de Damasco de apoiar os insurgentes sunitas de 2003 a 2007. A consolidação do poder xiita no Iraque enfraqueceu acentuadamente tais forças. Agora, que a Síria está se desembaraçando e a resistência armada ao regime esta se formando, o fluxo jihadista está mudando de direção e agora entra na Síria a partir do Iraque.

A al Qaeda no Iraque procura canalizar a opressão sunita nas mãos dos xiitas, mas por ora o grupo está procurando ajudar os sunitas sírios a conseguir chegar ao poder por si mesmos à custa dos alawitas apoiados pelo Irã.

As forças jihadistas situadas a notável distância da Síria estão provavelmente tentando explorar a impopularidade do regime alawita entre os sunitas como um meio de conseguir uma posição consolidada na Síria.

O nível de sectarismo entre os rebeldes sírios trabalha a favor dos jihadistas. Assim como as forças tribais sunitas do Iraque, islâmicos radicais e membros do Partido Baath cooperam com os jihadistas contra as tropas americanas e as novas forças de segurança, dominadas pelos xiitas do país, têm muitos elementos dentro da população sunita da Síria que poderão querer se alinha com os jihadistas em função das restrições que enfrentam no combate aos bem aramados militares sírios dominados pelos alawitas.

Para complicar ainda mais as coisas, o aparato da inteligência síria de há muito cultiva seus laços com os jihadistas para isolar Damasco de ataques jihadistas e usar jihadistas em ‘guerras por procuração’ com os vizinhos da Síria.

Na medida em que o estado sírio mergulha mais e mais nessa sopa de conflitos internos políticos e sectários e o aparato de inteligência de Bashar al-Assad se atola num pântano de distrações domésticas, os elementos jihadistas que têm estado na folha de pagamento da inteligência síria podem se voltar contra seus antigos contratantes seguindo a linha dos acontecimentos que ocorreram no Paquistão e no Iêmen.

Além do mais, os jihadistas que estão baseados no Iraque e os que de há muito trabalham com o regime sírio, com os vizinhos Jordânia e Líbano abrigando forças jihadistas, também enxergam essas oportunidade no levante sírio.

A Arábia Saudita também tem militantes sunitas enraivecidos com a morte de sunitas pelas mãos do que eles chamam de "infiel" regime alawita.

Exatamente como os sauditas redirecionaram seus próprios jihadistas para combater no Iraque ao invés da Arábia Saudita, Riad poderá encorajar militantes jihadistas não vinculados ao estado para combater na Síria.

Uma recente ‘fatah’ lançada por um número de proeminentes religiosos escolásticos sunitas (incluindo alguns proeminentes sauditas) proibiu seus membros nas forças de segurança da Síria a ajudar os alawitas em seu nome.

As partes interessadas da região relutam em considerar a intervenção militar estrangeira, deixando a opção de apóio secreto sob a forma de suprimentos e de armas aos rebeldes sírios.

Os jihadistas esperam poder fazer uso de tal apoio secreto enquanto eles se metem Síria adentro. Mesmo se as armas não estiverem nos planos dos jihadistas, o crescente aumento no fluxo de armas e o treinamento dentro da Síria cria uma oportunidade adicional para os jihadistas construírem este apoio ao oferecer mais experiência de combate de resistência para uma resistência armada ainda desorganizada.

Mas, apesar de nem os oponentes domésticos do regime sírio nem as partes interessadas internacionais terem interesse em ver o colapso da Síria transformado num conflito sectário, os jihadistas querem exatamente que isto aconteça.

Como no Iraque, foi visível o uso de bombas contra os alawitas e outros grupos não-sunitas, incluindo alvos iranianos e do Hezbollah. Isto poderá ser estendido com ataques ao Líbano numa tentativa de estabelecer um conflito sectário regional.
Os jihadistas poderão bem ter sucesso em provocar um conflito regional sectário que envolveria diversos atores vinculados a estados ou não, os quais assistiriam o Irã e a Arábia Saudita metidos numa intensa ‘guerra por procuração’.

O envolvimento do Ocidente ou de Israel em tal conflito agradaria ainda mais os jihadistas.


Portanto, é do interesse dos jihadistas sabotar uma situação negociada na Síria. Embora ainda não esteja claro de quem foi o responsável pelos seis ataques suicidas contra a inteligência síria (23/12/2011 e 6/1/2012), tais ataque serviram aos propósitos dos jihadistas para forçar o regime de Damasco a uma derrocada mesmo mais dura frente aos seus oponentes (tanto armados como desarmados).

Como os rebeldes e seus apoiadores respondem na mesma moeda, os jihadistas podem assim instigar um ciclo de violência que leve a um ambiente intensamente polarizado.

Os resultados líquidos de tal processo poderão ser o da destruição do estado sírio e a da emergência de facções armadas múltiplas, incluindo os jihadistas.
O colapso do estado Sírio por sua vez permitiria que os jihadistas dispusessem de uma ampla arena para operar, que se estenderia do Líbano ao Iraque e os colocaria muito próximo da Jordânia, de Israel e dos territórios palestinos – o melhor teatro de operações que um jihadista poderia desejar. Entretanto, a natureza de suas capacidades, as quais determinarão a extensão do dano que poderão causar no Levante e áreas adjacentes, permanece obscura.

É de todo o modo inevitável que os jihadistas floresçam na Síria e usem-na como uma plataforma de lançamento para solapar a segurança regional.

O estado sírio está ainda seguro demais, e as forças insurgentes permanecem divididas e não parecem capazes de avanços sérios contra o regime de Bashar al-Assad.

O RISCO DE UMA GUERRA ECTÁRIA REGIONAL

O levante sírio acontece numa hora de tensões geopolíticas e sectárias aumentadas na região, onde o Irã e seus aliados árabes amplamente de xiitas buscam criar caminhos internos para os países de maioria sunita.

Para Teerã e seu principal grupo não-estado procurador, o Hezbollah xiita do sul do Líbano, a sobrevivência do regime alawita na Síria, que sempre deveu sua sobrevivência ao Irã, é crítica.

Teerã e Hezbollah têm ambos uma presença militar na Síria, a qual dá assistência à Damasco em seus esforços para conter a insurgência. Isto é uma das principais causas de preocupação das partes interessadas internacionais, especialmente a Arábia Saudita. Riad é a parte regional mais entusiasta em ver uma mudança de regime na Síria para conter a ameaça do imperialismo islamofascista do Irã.

Por sua vez, o governo atual do Iraque, alinhado com Teerã, recebe um forte incentive para certificar que os jihadistas no Iraque são sejam capazes de se recolocarem a favor da Síria.
Bagdá sabe muito bem que um colapso do regime sírio levaria à ressurreição da resistência sunita contra os xiitas, a última coisa que os xiitas iraquianos querem que aconteça. Estados Unidos e Turquia querem assegurar que a al Qaeda não seja capaz de seqüestrar a insurgência síria.

Mas, nem Washington nem Ancara têm as ferramentas que garantam que os jihadistas não consigam fazê-lo através das fronteiras da Síria com o Iraque, com a Jordânia e com o Líbano.

Os sauditas concordam com este ponto de vista, mas, graças ao fato de estarem de algum modo isolados, não se importam que haja suficiente caos capaz de derrubar o regime sírio, o mais íntimo aliado do Irã.

A casa real da Jordânia já está profundamente temerosa de uma queda da Síria ao mesmo tempo em que enfrenta crescente agitação social doméstica, e tem um forte interesse em assegurar que militantes islâmicos em seu solo não o usem para entrar no conflito sírio.
Enquanto isso, o Líbano poderá mergulhar numa refrega sectária, especialmente no caso da capacidade do estado sírio de manter o controle lá se eroda, os sauditas vêem nisso uma oportunidade e os iranianos sentem suas posições se tornando vulneráveis.
Neste exato momento, as muitas movimentações das partes nesta dinâmica interação geopolítica determinarão a extensão de até aonde a Síria e suas cercanias se tornarão um centro de atividades dos jihadistas.

Um potencial colapso do estado sírio aumenta enormemente o risco de uma guerra sectária regional da qual a Qaeda poderia se beneficiar enormemente.

O desafio daqueles que buscam uma mudança de regime na Síria é, pois, livrar o país da influência iraniana, de um lado, sem, por outro lado, abrir as portas ao jihadismo transnacional.

            14 de fevereiro de 2012

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