Legado inflacionário
Indexação de ajustes do salário mínimo alimenta a transmissão de aumentos do passado para o futuro, que dificulta o combate à inflação
A aprovação do salário mínimo de R$ 545 para este ano, com manutenção da regra de correção negociada pelo governo com as centrais sindicais até 2015, reforça um problema que ainda aflige a economia brasileira: a indexação.
A vigorar a norma, que prevê correção do mínimo pela inflação do ano anterior somada à variação do PIB de dois anos antes, a alta em 2012 será de 13%.
O Brasil passou por um longo processo de desinflação desde o advento do regime de metas em 1999. Entre 2005 e 2010 a média da inflação anual ficou em 4,9% -um bom resultado considerando-se a meta de 4,5%. Parece claro, porém, que reduções para patamar entre 2% e 3% esbarram em obstáculos -entre os quais a indexação salarial, que a nova regra do mínimo ressuscita.
Sobrevivem no Brasil muitos resquícios do passado inflacionário. O principal é o repasse automático da inflação passada a preços importantes da economia, como aluguéis, telefonia, energia elétrica, ônibus, pedágios, água, esgoto, escolas etc.
A maior parte desses ajustes segue, formal ou informalmente, o IPCA, índice oficial do consumidor, ou o IGP, muito influenciado pela taxa de câmbio e por preços no atacado, que guardam pouca ou nenhuma relação com os setores citados.
Com isso, um choque inflacionário como o que se vê hoje na agricultura é transmitido a praticamente todos os preços, independentemente do quadro competitivo de cada setor da economia. Em 2010, por exemplo, a alta do IGP foi de 11,3%, por conta da elevação das cotações de matérias-primas. Por que razão o aluguel residencial ou o valor do pedágio teriam de ser corrigidos na mesma proporção no ano seguinte?
As consequências desse mecanismo são perversas. Vão além da redução do poder de compra da população. Quando o pedágio sobe 11%, encarece a logística das empresas, que repassam os custos aos preços. E assim ocorre com todos os itens indexados. Cria-se um crônico problema de competitividade e uma tendência quase irresistível a passar tudo para o preço final. Não surpreende que o Brasil venha se tornando um país caro para produzir e consumir.
A indexação também contamina as expectativas de inflação, que são influenciadas fortemente pelos aumentos passados. Isso faz com que seja maior o sacrifício, em termos de desaceleração, para debelar os efeitos de um choque inflacionário -e essa é uma das explicações para juros tão altos.
Seria desejável que o governo começasse a desmontar esses mecanismos, mas infelizmente a investida para indexar o mínimo vai em sentido contrário.
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