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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Cabe à oposição resolver se faz o que lhe dita o governo ou se atua conforme os ditames do marco democrático.


Para que servem as mãos

Por Dora Kramer
ESTADO DE S. PAULO

Carece ainda de esclarecimento o real significado da política de "mãos estendidas" à oposição propugnada pela presidente Dilma Rousseff em seu discurso de posse e defendida pelo ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, encarregado de administrar o equilíbrio ecológico entre as forças políticas representadas no Congresso.

A expressão "mãos estendidas" adquiriu notoriedade política na fase final da ditadura como expressão da disposição dos militares em abrir diálogo com a oposição para negociar a distensão do regime.

Hoje soa um tanto démodé, ganha um sentido algo majestático, arrogante mesmo. Como se a atividade política dos oposicionistas dependesse das concessões que lhes estivessem dispostos a fazer os governistas estendendo o braço, na realidade, para o beija-mão.

Escapa à naturalidade do contraditório democrático um governante receber elogios por expressar inclinação ao diálogo com os opositores. Bem como é sinal de que alguma coisa não funciona bem quando há a necessidade de esse mesmo governante comunicar à nação que não tem compromisso com ilegalidades.

Como disse a própria Dilma às milhares de pessoas que a saudavam na Praça dos Três Poderes logo após a transmissão da faixa presidencial, é o embate civilizado que move as democracias.

E tal embate decorre exatamente do exercício normal do conflito de concepções político-administrativas e, em períodos eleitorais, da disputa pelo poder.

No contexto atual, em que não é preciso o governo fazer concessões à oposição, a política de "mãos estendidas" só pode ser entendida como uma tentativa do governo de neutralizar a oposição em seu ofício (conferido pelas urnas) de se contrapor conferindo por antecipação ao contraditório o sentido de intransigência e de recusa ao diálogo proposto.

É papel do governo, claro, tentar conviver com uma oposição o mais amena possível. Mas é a oposição quem decide sobre o próprio rumo, tendo em vista o conteúdo das ações do governo e o próximo embate eleitoral.

Nesse aspecto, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, deu sua versão das "mãos estendidas", numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo de ontem: "Estou dizendo à oposição para que não se agite demais. Temos uma carga pesada. Não brinca muito que a gente traz", disse ele avisando que o governo "tem o Pelé no banco de reservas".

Isso no primeiro dia de governo. A quatro anos da eleição presidencial, o aviso é claro: aquietem-se, pois se não se comportarem Lula vem aí.

Cabe à oposição resolver se faz o que lhe dita o governo ou se atua conforme os ditames do marco democrático.

Condições objetivas. A nova titular da pasta dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, tem razão quando diz que o reconhecimento das responsabilidades do Estado pelas violações dos direitos humanos durante o regime militar não significa atitude de revanche com as Forças Armadas.

Mas não aborda o tema do modo mais correto quando pede que o Congresso aprove a criação da Comissão da Verdade sem estabelecer quais seriam exatamente as funções de tal instância.

Se a ideia continuar sendo a de punir crimes cometidos durante a ditadura, Rosário precisará fazer mais que apelos ao Congresso. Precisará propor claramente a revisão da Lei de Anistia aprovada há três décadas por força de um pacto entre governo e oposição.

Se não for assim, a proposta não adquire condições objetivas para sua execução e fica parecendo um mero aceno à esquerda sem substância efetiva.

Em sua última decisão a respeito, o Supremo Tribunal Federal deixou bem claro que não tem autoridade institucional para rever a legislação em vigor.

Intenção e gesto. A promessa da presidente no discurso de posse no Congresso, de ser rígida com a corrupção, contrasta com a calorosa recepção dada à ex-assessora e sucessora na Casa Civil, Erenice Guerra, na solenidade no Palácio do Planalto.

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