Mundo pósamericano'
'Há um toque de arrogância nas ações de Lula', diz o cientista político Fareed Zakaria
Por Renata Malkes
RIO - O jornalista e cientista político Fareed Zakaria é a própria representação do "mundo pósamericano" que descreve no livro de mesmo nome: em tempos de ascensão dos chamados BRICs, ele é indiano, nascido em Bombaim. E numa era onde a guerra ao terror se mistura ao Islamismo, Zakaria é também muçulmano.
Diretor da revista "Newsweek" e apresentador do "GPS" na rede de TV CNN, Fareed Zakaria é hoje um dos mais atentos comentaristas internacionais do planeta.
Cético e pragmático, ele desafia a euforia internacional acerca do crescimento dos países em desenvolvimento. Elogia o presidente Lula, a quem chama de "um político maquiavélico", mas adverte que a ofensiva diplomática brasileira para mediar a questão iraniana é "quase arrogante".
Em entrevista ao GLOBO, Zakaria lembra ainda que, além do país dos aiatolás, o Paquistão, celeiro internacional do terrorismo, também deve ser motivo de atenção para o governo do presidente Barack Obama.
Diante da iminência de novas sanções ao Irã, ainda se especula quanto à eficácia dessas medidas e a uma eventual ação militar para frear seu programa nuclear. Existe essa possibilidade?
FAREED ZAKARIA: Acho improvável.
Mesmo os israelenses estão compreendendo o desastre que uma ação militar provocaria. Seria impossível destruir o programa nuclear do Irã, mas apenas atrasá-lo. E o custo de somente atrasar esse programa seria tão alto, tanto militarmente, quanto politicamente, considerando uma reação iraniana, o aumento do preço do petróelo, o aumento do radicalismo no Oriente Médio, com o envolvimento iraniano com o Hezbollah no Líbano e com grupos militantes no Iraque e Afeganistão.
Um ataque jogaria a favor de Ahmadinejad, ele está se preparando para isso. Haveria poucos benefícios e altos os custos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca hoje em Teerã para tentar um acordo com Ahmadinejad.
O Brasil pode assumir um papel sério na questão nuclear iraniana ou no Oriente Médio?
" O Brasil pode ter um papel muito construtivo na América Latina. Pode ser um porta-voz da democracia e dos direitos humanos na região, mas acho que a ideia de o Brasil ser um jogador sério no Oriente Médio ou uma força global nesse sentido é altamente improvável "
ZAKARIA: (risos) A resposta curta para sua pergunta é... não! (risos)
O Brasil tem um orgulho compreensível por todas as suas conquistas nas duas últimas décadas; tem sido interessante acompanhar. O Brasil pode ter um papel muito construtivo na América Latina. Pode ser um porta-voz da democracia e dos direitos humanos na região, mas acho que a ideia de o Brasil ser um jogador sério no Oriente Médio ou uma força global nesse sentido é altamente improvável.
Se mesmo a União Europeia não consegue exercer um poder decisivo naquela região, é difícil ver como o Brasil poderia conseguir....
O senhor recentemente entrevistou o presidente Lula em seu programa na CNN. Quais foram suas impressões?
ZAKARIA: Gostei de sua companhia. É um dos políticos mais carismáticos que já conheci; carinhoso, amigável, divertido, engraçado... Uma figura muito autêntica.
Mas fiquei surpreso. Ele é astuto. Tentei, por exemplo, conversar sobre Hugo Chávez. Queria fazê-lo criticar Chávez... Ali estava o maior líder democrático da América Latina, o homem que poderia ser o símbolo da democracia na região...
Queria que expressasse pelo menos alguma preocupação com o sequestro da democracia na Venezuela. E ele não cedeu! É muito esperto, sabe como manter suas boas relações.
Vi uma figura muito carismática, mas por outro lado, um político maquiavélico.
Mas, talvez ingênuo em suas pretensões diplomáticas, segundo alguns analistas?
ZAKARIA: Acho que talvez ingênuo... Há um grande risco quando políticos começam a ler demais sobre sua popularidade e seus altos índices de aprovação.
Há um toque de arrogância no que Lula vem fazendo no último ano no Oriente Médio. É sempre um perigo quando políticos se tornam populares demais (risos).
Quando alguém fica tão popular como Lula, o maior perigo é a arrogância.
Na contramão de uma certa euforia internacional pelos avanços de Brasil, Rússia, Índia e China, o senhor parece lembrá-los a todo instante que desenvolvimento econômico não é suficiente para que os BRICs se tornem potências mundiais. O que ainda falta?
ZAKARIA: É um longo caminho. Desenvolvimento econômico é uma condição necessária, mas esses países também precisam de estabilidade, de um sistema político moderno, estável e honesto, além de alguma capacidade militar. Mas o mais importante é que tenham consciência de que não podem somente tirar proveito do sistema global, precisam contribuir. Tentar criar estabilidade para resolver questões globais ou regionais.
Muitos desses países, sem mencionar nenhum nome, ainda estão numa fase terrivelmente egoísta e olham para mundo questionando apenas "o que eu ganho com isso?", o que é legítimo.
Mas eles não poderão se tornar grandes potências enquanto não começarem a perguntar "como podemos contribuir para o comércio global e para os problemas e desafios globais?".
Falta uma perspectiva mais ampla, apesar do desenvolvimento econômico. Ainda não vimos desenvolvimento na maneira de Brasil, Rússia, Índia e China pensarem.
No ano passado, no fim da Conferência do Clima em Copenhagen, houve um momento emblemático do mundo pós-americano descrito em seu livro. Quando foi encontrar-se com o premier chinês, Wen Jiabao, Barack Obama se deparou ainda com líderes de Brasil, Índia e África do Sul, juntos. Apesar do potencial individual desses países, é possível pensar nos BRICs como um bloco político?
ZAKARIA: Não acho que podem agir como um bloco, porque seus interesses são muito distintos. É complexo. A ideia de que podem se reunir politicamente pelo fato de serem países em desenvolvimento econômico constante ainda é bastante prematura.
Além do Irã, o Paquistão parece ser outro ponto fundamental para a política externa do presidente Obama, como mostrou a tentativa de um paquistanês explodir um carro-bomba em Nova York há duas semanas. Por um lado, o país permite a adoção da Sharia em áreas como o Vale do Swat, permitindo o avanço de radicais e, meses depois, dá sinais de implementar ações militares sérias na região. Por quê é tão difícil para o Paquistão sufocar as milícias islâmicas?
ZAKARIA: O Paquistão está jogando dois jogos, tentando duas táticas ao mesmo tempo. A primeira é a velha política de estado, de apoiar, financiar e encorajar a ação desses grupos islâmicos jihadistas, numa maneira barata e inteligente de desestabilizar a vizinha Índia. Na guerra de 1965 contra os indianos, os jihadistas foram usados. São essas milícias que vão à Caxemira e aumentam a tensão. São enviadas ao Afeganistão para manter a influência paquistanesa e desafiar o governo afegão.
É uma política mantida há quatro décadas. E há tempos de confronto com esses grupos. O Paquistão ainda vive obcecado com a ideia de que a Índia domina a região e de que usar o Talibã no Afeganistão é uma forma de conter eventuais influências indianas sobre o Afeganistão e toda a região.
Nos últimos cinco anos, pressões internacionais, americanas, geraram alguns esforços para lutar contra esses grupos. É uma política muito nova, recente e fraca. O Paquistão tenta distinguir o bom terrorista do mau terrorista, sendo o bom terrorista aquele que só luta contra afegãos, indianos e ocidentais.
O mau seria o que luta contra os próprios paquistaneses. A realidade é que não se pode fazer essa distinção
Diretor da revista "Newsweek" e apresentador do "GPS" na rede de TV CNN, Fareed Zakaria é hoje um dos mais atentos comentaristas internacionais do planeta.
Cético e pragmático, ele desafia a euforia internacional acerca do crescimento dos países em desenvolvimento. Elogia o presidente Lula, a quem chama de "um político maquiavélico", mas adverte que a ofensiva diplomática brasileira para mediar a questão iraniana é "quase arrogante".
Em entrevista ao GLOBO, Zakaria lembra ainda que, além do país dos aiatolás, o Paquistão, celeiro internacional do terrorismo, também deve ser motivo de atenção para o governo do presidente Barack Obama.
Diante da iminência de novas sanções ao Irã, ainda se especula quanto à eficácia dessas medidas e a uma eventual ação militar para frear seu programa nuclear. Existe essa possibilidade?
FAREED ZAKARIA: Acho improvável.
Mesmo os israelenses estão compreendendo o desastre que uma ação militar provocaria. Seria impossível destruir o programa nuclear do Irã, mas apenas atrasá-lo. E o custo de somente atrasar esse programa seria tão alto, tanto militarmente, quanto politicamente, considerando uma reação iraniana, o aumento do preço do petróelo, o aumento do radicalismo no Oriente Médio, com o envolvimento iraniano com o Hezbollah no Líbano e com grupos militantes no Iraque e Afeganistão.
Um ataque jogaria a favor de Ahmadinejad, ele está se preparando para isso. Haveria poucos benefícios e altos os custos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca hoje em Teerã para tentar um acordo com Ahmadinejad.
O Brasil pode assumir um papel sério na questão nuclear iraniana ou no Oriente Médio?
" O Brasil pode ter um papel muito construtivo na América Latina. Pode ser um porta-voz da democracia e dos direitos humanos na região, mas acho que a ideia de o Brasil ser um jogador sério no Oriente Médio ou uma força global nesse sentido é altamente improvável "
ZAKARIA: (risos) A resposta curta para sua pergunta é... não! (risos)
O Brasil tem um orgulho compreensível por todas as suas conquistas nas duas últimas décadas; tem sido interessante acompanhar. O Brasil pode ter um papel muito construtivo na América Latina. Pode ser um porta-voz da democracia e dos direitos humanos na região, mas acho que a ideia de o Brasil ser um jogador sério no Oriente Médio ou uma força global nesse sentido é altamente improvável.
Se mesmo a União Europeia não consegue exercer um poder decisivo naquela região, é difícil ver como o Brasil poderia conseguir....
O senhor recentemente entrevistou o presidente Lula em seu programa na CNN. Quais foram suas impressões?
ZAKARIA: Gostei de sua companhia. É um dos políticos mais carismáticos que já conheci; carinhoso, amigável, divertido, engraçado... Uma figura muito autêntica.
Mas fiquei surpreso. Ele é astuto. Tentei, por exemplo, conversar sobre Hugo Chávez. Queria fazê-lo criticar Chávez... Ali estava o maior líder democrático da América Latina, o homem que poderia ser o símbolo da democracia na região...
Queria que expressasse pelo menos alguma preocupação com o sequestro da democracia na Venezuela. E ele não cedeu! É muito esperto, sabe como manter suas boas relações.
Vi uma figura muito carismática, mas por outro lado, um político maquiavélico.
Mas, talvez ingênuo em suas pretensões diplomáticas, segundo alguns analistas?
ZAKARIA: Acho que talvez ingênuo... Há um grande risco quando políticos começam a ler demais sobre sua popularidade e seus altos índices de aprovação.
Há um toque de arrogância no que Lula vem fazendo no último ano no Oriente Médio. É sempre um perigo quando políticos se tornam populares demais (risos).
Quando alguém fica tão popular como Lula, o maior perigo é a arrogância.
Na contramão de uma certa euforia internacional pelos avanços de Brasil, Rússia, Índia e China, o senhor parece lembrá-los a todo instante que desenvolvimento econômico não é suficiente para que os BRICs se tornem potências mundiais. O que ainda falta?
ZAKARIA: É um longo caminho. Desenvolvimento econômico é uma condição necessária, mas esses países também precisam de estabilidade, de um sistema político moderno, estável e honesto, além de alguma capacidade militar. Mas o mais importante é que tenham consciência de que não podem somente tirar proveito do sistema global, precisam contribuir. Tentar criar estabilidade para resolver questões globais ou regionais.
Muitos desses países, sem mencionar nenhum nome, ainda estão numa fase terrivelmente egoísta e olham para mundo questionando apenas "o que eu ganho com isso?", o que é legítimo.
Mas eles não poderão se tornar grandes potências enquanto não começarem a perguntar "como podemos contribuir para o comércio global e para os problemas e desafios globais?".
Falta uma perspectiva mais ampla, apesar do desenvolvimento econômico. Ainda não vimos desenvolvimento na maneira de Brasil, Rússia, Índia e China pensarem.
No ano passado, no fim da Conferência do Clima em Copenhagen, houve um momento emblemático do mundo pós-americano descrito em seu livro. Quando foi encontrar-se com o premier chinês, Wen Jiabao, Barack Obama se deparou ainda com líderes de Brasil, Índia e África do Sul, juntos. Apesar do potencial individual desses países, é possível pensar nos BRICs como um bloco político?
ZAKARIA: Não acho que podem agir como um bloco, porque seus interesses são muito distintos. É complexo. A ideia de que podem se reunir politicamente pelo fato de serem países em desenvolvimento econômico constante ainda é bastante prematura.
Além do Irã, o Paquistão parece ser outro ponto fundamental para a política externa do presidente Obama, como mostrou a tentativa de um paquistanês explodir um carro-bomba em Nova York há duas semanas. Por um lado, o país permite a adoção da Sharia em áreas como o Vale do Swat, permitindo o avanço de radicais e, meses depois, dá sinais de implementar ações militares sérias na região. Por quê é tão difícil para o Paquistão sufocar as milícias islâmicas?
ZAKARIA: O Paquistão está jogando dois jogos, tentando duas táticas ao mesmo tempo. A primeira é a velha política de estado, de apoiar, financiar e encorajar a ação desses grupos islâmicos jihadistas, numa maneira barata e inteligente de desestabilizar a vizinha Índia. Na guerra de 1965 contra os indianos, os jihadistas foram usados. São essas milícias que vão à Caxemira e aumentam a tensão. São enviadas ao Afeganistão para manter a influência paquistanesa e desafiar o governo afegão.
É uma política mantida há quatro décadas. E há tempos de confronto com esses grupos. O Paquistão ainda vive obcecado com a ideia de que a Índia domina a região e de que usar o Talibã no Afeganistão é uma forma de conter eventuais influências indianas sobre o Afeganistão e toda a região.
Nos últimos cinco anos, pressões internacionais, americanas, geraram alguns esforços para lutar contra esses grupos. É uma política muito nova, recente e fraca. O Paquistão tenta distinguir o bom terrorista do mau terrorista, sendo o bom terrorista aquele que só luta contra afegãos, indianos e ocidentais.
O mau seria o que luta contra os próprios paquistaneses. A realidade é que não se pode fazer essa distinção
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