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quinta-feira, 31 de maio de 2018

Uma crise aparente

 
De gestor exemplar no apagão de FHC a pivô da greve dos caminhoneiros, Pedro Parente colhe os frutos de sua política de reajustes diários no preço do combustível num país de inflação baixa e economia cambaleante


LUCILA SOARES, COM RENAN SETTE E RAMONA ORDOÑEZ
ÉPOCA

 Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
Capa Revista Época
Ed 1040-Home560
(Foto: Época)

A paralisação dos caminhoneiros esvaziou prateleiras nos supermercados, fechou postos de combustível, cancelou voos, suspendeu aulas, afetou o funcionamento de hospitais, provocou perdas econômicas ainda não totalmente contabilizadas e jogou na berlinda o presidente da Petrobras, Pedro Parente, um gestor até agora incensado como grande especialista em debelar crises. Convidado a assumir a empresa em meio ao turbilhão da Operação Lava Jato, ainda com Michel Temer interino na Presidência, Parente vinha acumulando êxitos. O balanço do primeiro trimestre de 2018 foi divulgado como a mais bem-acabada tradução do sucesso: lucro de R$ 4,45 bilhões, revertendo prejuízo de R$ 1,25 bilhão registrado no mesmo período de 2017. Esse resultado, avaliou Parente na ocasião, contribuiria para tornar ainda mais atraentes os leilões de blocos de exploração programados para este ano. Acertou.

Os que haviam sido realizados até agora foram um sucesso, fato que promete se repetir no próximo dia 7, quando está prevista a Quarta Rodada de Partilha de Produção para venda de blocos na área do pré-sal, com participação de 16 empresas de 12 países, um recorde. Parecia que, mais uma vez, se cobriria de glória o engenheiro que enfrentou galhardamente tarefas espinhosas como a coordenação do racionamento de energia em 2001 e o comando da transição do governo FHC depois da eleição de Lula, em 2002. Mas não.


Depois de até ter sido sugerido como candidato a presidente da República no site de uma corretora, a situação de Parente ficou claudicante. Ele foi apontado por parte da direita e da esquerda como pivô da crise desencadeada pela paralisação dos caminhoneiros.

Aos adversários de sempre, como a Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) e a Frente Única dos Petroleiros (FUP), que desde o início questionam os rumos “neoliberais” da companhia, juntam-se vozes de todos os matizes ideológicos contra a política de preços praticada desde outubro de 2016, que atrelou os preços do diesel e da gasolina às flutuações do dólar e do valor do petróleo no mercado internacional. De início, com reajustes mensais. A partir de junho de 2017, com variações até diárias.


Desde essa mudança, o preço do diesel foi reajustado 121 vezes, resultando em alta de 56,5%, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Só neste ano, o diesel subiu 38 vezes. A Petrobras pondera que é responsável por pouco mais de 50% desse preço, e cerca de um terço do preço da gasolina. Sobre o valor cobrado na refinaria, incidem impostos federais (Cide e PIS/Cofins) e o ICMS (estadual), e ainda há a margem da revenda, uma vez que a lei brasileira garante liberdade de preços no mercado de combustíveis e derivados.

Isso reduz a responsabilidade da companhia sobre o preço ao consumidor e pode impedir que as variações nas refinarias cheguem até a ponta. Por outro lado, essa situação permite que os preços subam nas bombas sem que haja qualquer alteração nas refinarias.


Na hora de cobrar, no entanto, é a Petrobras que leva pedrada. De Guilherme Boulos, do PSOL, a Jair Bolsonaro, do PSL (este último indo contra o pensamento do autor de seu programa econômico, o economista Paulo Guedes), todos condenam a variação diária dos preços dos combustíveis. Ciro Gomes, do PDT, classificou de “criminosos” os preços e pediu publicamente a cabeça do “senhor Parente” durante entrevista ao programa Roda viva, da TV Cultura.

E Henrique Meirelles, do MDB, que acompanhou à frente do Ministério da Fazenda todos os movimentos da Petrobras, agora fala na necessidade de um fundo de estabilização que absorva eventuais oscilações das cotações internacionais.


Em um país do tamanho do Brasil, onde dois terços do transporte de carga são feitos por caminhões, o impacto de variações diárias no preço do diesel é previsível. Junte-se a essa escolha equivocada, feita nos anos JK, o fato de que o caminhoneiro autônomo está para o transporte rodoviário como o motorista de Uber está para o transporte urbano de passageiros, representando uma saída para um grande contingente de desempregados, e está pronta uma fórmula explosiva, como se constatou há pouco mais de dez dias.

Não deveria surpreender, mas surpreendeu. E o motivo está expresso em uma fala espantosamente singela de Parente em um café da manhã com jornalistas, no início de 2017. Ao divulgar os dados sobre produção de petróleo no Brasil no ano anterior, ele respondeu a uma pergunta sobre a política de preços adotada pela empresa explicando que os combustíveis são commodities, por isso não têm preço fixado, e precisam seguir o movimento do mercado internacional. “É como acontece com uma padaria quando o trigo aumenta, e ela tem de refletir isso no preço do pão.

Acontece na soja, no café e no minério de ferro. Então, aqui não é uma questão que a Petrobras esteja criando qualquer situação. Ela está reagindo a movimentos dos preços das commodities nos mercados internacionais”, disse.



31/05/2018


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