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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O cheiro sempre foi de podridão




 Ninguém mais nega o cometimento de crimes.

Apenas confia na incapacidade de produção de provas, na lentidão da Justiça.

Por Ricardo Noblat

O olfato talvez seja o menos exigente dos sentidos. Se exposto por tempo suficiente, parece adaptar-se a qualquer cheiro. Bom ou ruim. Embora capaz de captar qualquer odor, ele se adapta e ignora aqueles que lhe trazem desprazer. Ignorar cheiros, muitas vezes resulta em benefícios e conforto.

Por outro lado, talvez tenha sido esta tolerância com os odores emanados do apodrecimento que tenha contribuído para alguns dos maiores problemas contemporâneos. Cheiro, ruim, afinal, é e sempre foi, indicador de que algo precisa ser feito.

Muito antes de o conhecimento do código penal ser pré-requisito indispensável à leitura dos jornais, a coisa já não cheirava bem. O nariz fez seu trabalho e captou a podridão no tempo e na intensidade certa.

Faltou o cérebro dar a devida atenção aos sinais, obscurecidos que foram pelo desinteresse, a desesperança ou a negligencia. O cheiro sempre foi de podridão. A escolha coletiva foi ignorá-lo. E, ao ignorá-lo, de alguma maneira, contribuir para a aceleração da putrefação.

Faz tempo que inocência e ausência de culpa se divorciaram. Faz tempo que a noção de certo e errado perdeu a relevância. Faz tempo que as conversas, noticias, comentários, artigos giram em torno de entediantes questões técnicas sobre a existência ou não de provas.

Ninguém mais nega o cometimento de crimes. Apenas confia na incapacidade de produção de provas, na lentidão da justiça, ou na simples ausência de interesse do distinto publico.

Já vai longe o tempo em que, pelo menos para consumo externo, o discurso (ao menos) defendia a retidão. A aparência não engana mais. E, para horror de todos, não é mais importante que engane. O olfato, afinal, aceita tudo.

A realidade, entretanto, é dura. Ignorar problemas não é sinônimo de condena-los a inexistência. Tolerar os odores que emanavam da podridão foi um equivoco. Grande equivoco. Que custa caro e cujo tamanho da conta ainda é incerto.

Resta agora um modelo podre. Resto putrefato de ilusões passadas. Carcomido pela tolerância com o erro. Gangrenado pela ausência de valores.

Felizmente, os outros sentidos são menos tolerantes. A visão ainda pode reconhecer os responsáveis. O erros, de tão grandes, de tão evidentes, são palpáveis, concretos, impossíveis de ignorar. Os ouvidos ainda podem captar as vozes, roucas mas gritando, em protesto ao que se vê, se vive, e se comete.

E tudo deixa, de maneira quase permanente, um gosto amargo na boca que todos temos que tragar na esperança de que, um dia, o sabor o futuro reserve uma realidade mais doce.
 
17/11/2014

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