O “estado
policial petista” não é uma invenção de paranoicos, de antipetistas
militantes, de reacionários que babam na gravata dos privilégios e que
atuam contra os interesses do povo. Não! O “estado policial petista”
reúne as características de todas as máquinas de perseguição e difamação
do gênero: o grupo que está no poder se apropria dos aparelhos
institucionais de investigação de crimes e de repressão ao malfeito —
que, nas democracias, estão submetidos aos limites da lei — e os coloca a
seu próprio serviço.
A estrutura estatal passa a servir, então, à
perseguição dos adversários. Querem um exemplo? Vejam o que se passa com
a apuração da eventual formação de cartel na compra de trens para a
CPTM e o metrô em São Paulo. A questão não só pode como deve ser
investigada, mas não do modo como estão agindo o Cade e a PF, sob o
comando de José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça.
As sentenças
condenatórias estão sendo expedidas por intermédio de vazamentos para a
imprensa. Pior: as mesmas empresas investigadas em São Paulo se ocuparam
das mesmas práticas na relação com o governo federal. Nesse caso, não
há investigação nenhuma. Escrevi a respeito nesta sexta.
Quando se
anuncia que o PT criou um estado policial, convenham, não se está a
dizer nenhuma novidade. Nunca, no entanto, alguém que conhece por dentro
a máquina do governo havia tido a coragem de vir a público para relatar
em detalhes como funciona o esquema. Romeu Tuma Junior, filho de Romeu
Tuma e secretário nacional de Justiça do governo Lula entre 2007 e 2010,
rompe o silêncio e conta tudo no livro “Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado”,
publicado pela Editora Topbooks (557 págs., R$ 69.90).
O trabalho
resulta de um depoimento prestado ao longo de dois anos ao jornalista
Cláudio Tognolli. O que vai ali é de assustar.
Segundo Tuma Junior, a
máquina petista:
1: produz e manda investigar dossiês apócrifos contra adversários políticos;
2: procura proteger os aliados.
O livro
tem um teor explosivo sobre o presente e o passado recente do Brasil,
mas também sobre uma história um pouco mais antiga. O delegado assegura
que o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva — que nunca negou ter uma
relação de amizade com Romeu Tuma — foi informante da ditadura.
A VEJA
desta semana traz uma reportagem sobre o livro e uma entrevista com o
ex-secretário nacional da Justiça. Ele estava lá. Ele viu. Ele tem
documentos e diz que está disposto a falar a respeito no Congresso. O
delegado é explícito: Tarso Genro, então ministro da Justiça, o
pressionou a divulgar dados de dossiês apócrifos contra tucanos. Mais:
diz que a pressão vinha de todo lado, também da Casa Civil. A titular da
pasta era a agora presidente da República, Dilma Rousseff.
Segue um trecho da reportagem de Robson Bonin na VEJA desta semana. Volto depois.
(…)
Durante três anos, o delegado de polícia
Romeu Tuma Junior conviveu diariamente com as pressões de comandar essa
estrutura, cuja mais delicada tarefa era coordenar as equipes para
rastrear e recuperar no exterior dinheiro desviado por políticos e
empresários corruptos. Pela natureza de suas atividades, Tuma ouviu
confidências e teve contato com alguns dos segredos mais bem guardados
do país, mas também experimentou um outro lado do poder — um lado sem
escrúpulos, sem lei, no qual o governo é usado para proteger os amigos e
triturar aqueles que sio considerados inimigos.
(…)
Segundo o ex-secretário, a máquina
de moer reputações seguia um padrão. O Ministério da Justiça recebia um
documento apócrifo, um dossiê ou um informe qualquer sobre a existência
de conta secreta no exterior em nome do inimigo a ser destruído. A
ordem era abrir imediatamente uma investigação oficial. Depois, alguém
dava urna dica sobre o caso a um jornalista. A divulgação se encarregava
de cumprir o resto da missão. Instado a se explicar, o ministério
confirmava que, de fato, a investigação existia, mas dizia que ela era
sigilosa e ele não poderia fornecer os detalhes. O investigado”, é
claro, negava tudo. Em situações assim, culpados e inocentes sempre agem
da mesma forma. 0 estrago, porém, já estará feito.
No livro, o
autor apresenta documentos inéditos de alguns casos emblemáticos desse
modus operandi que ele reuniu para comprovar a existência de uma
“fábrica de dossiês” no coração do Ministério da Justiça. Uma das
primeiras vítimas dessa engrenagem foi o governador de Goiás, Marconi
Perillo (PSDB). Senador época dos fatos, Perillo entrou na mira do
petismo quando revelou a imprensa que tinha avisado Lula da existência
do mensalão. 0 autor conta que em 2010 o então ministro da Justiça, Luiz
Paulo Barreto, entregou em suas mãos um dossiê apócrifo sobre contas no
exterior do tucano.
As ordens eram expressas: Tuma deveria abrir urna
investigação formal. 0 trabalho contra Perillo, revela o autor, havia
sido encomendado por Gilberto Carvalho, então chefe de gabinete do
presidente Lula. Contrariado, Tuma Junior refutou a “missão” e ainda
denunciou o caso ao Senado. Esse ato, diz o livro, foi o primeiro passo
do autor para o cadafalso no governo, mas não impediu novas investidas.
(…)
Celso Daniel, trens, mensalão…
Vejam o que vai acima em destaque.
Qualquer semelhança com os casos Alstom e Siemens, em São Paulo, não é
mera coincidência. O livro traz revelações perturbadoras sobre:
a: o caso do cartel de trens em São Paulo:
b: o dossiê para incriminar Perillo;
c: o dossiê para incriminar Tasso Jereissati (com pressão de Aloizio Mercadante);
d: a armação para manchar a reputação de Ruth Cardozo;
e: o assassinato do petista Celso Daniel, prefeito de Santo André;
f: o grampo no STF (todos os ministros foram grampeados, diz Tuma Junior);
g: a conta do mensalão nas Ilhas Cayman…
E muito
mais. Tuma Júnior está com documentos. Tuma Junior quer falar no
Congresso. Tuma Junior tem de ser ouvido. Abaixo, seguem trechos de sua
entrevista à VEJA.
(…)
Por que Assassinato de Reputações?
Durante todo o tempo em que estive na
Secretaria Nacional de Justiça, recebi ordens para produzir e esquentar
dossiês contra uma lista inteira de adversários do governo. 0 PT do Lula
age assim. Persegue seus inimigos da maneira mais sórdida. Mas sempre
me recusei. (…) Havia uma fábrica de dossiês no governo. Sempre refutei
essa prática e mandei apurar a origem de todos os dossiês fajutos que
chegaram até mim. Por causa disso, virei vítima dessa mesma máquina de
difamação. Assassinaram minha reputação. Mas eu sempre digo: não se vira
uma página em branco na vida. Meu bem mais valioso é a minha honra.
De onde vinham as ordens para atacar os adversários do PT?
Do Palácio do Planalto, da Casa Civil, do
próprio Ministério da Justiça… No livro, conto tudo isso em detalhes,
com nomes, datas e documentos. Recebi dossiês de parlamentares, de
ministros e assessores petistas que hoje são figuras importantes no
atual governo. Conto isso para revelar o motivo de terem me tirado da
função, por meio de ataque cerrado a minha reputação, o que foi feito de
forma sórdida. Tudo apenas porque não concordei com o modus operandi
petista e mandei apurar o que de irregular e ilegal encontrei.
(…)
O Cade era um dos instrumentos da fábrica de dossiês?
Conto isso no livro em detalhes. Desde
2008, o PT queria que eu vazasse os documentos enviados pela Suíça para
atingir os tucanos na eleição municipal. O ministro da Justiça, Tarso
Genro, me pressionava pessoalmente para deixar isso vazar para a
imprensa. Deputados petistas também queriam ver os dados na mídia. Não
dei os nomes no livro porque quero ver se eles vão ter coragem de negar.
O senhor é afirmativo quando fala do caso Celso Daniel. Diz que militantes do partido estão envolvidos no crime.
Aquilo foi um crime de encomenda. Não
tenho nenhuma dúvida. Os empresários que pagavam propina ao PT em Santo
André e não queriam matar, mas assumiram claramente esse risco. Era para
ser um sequestro, mas virou homicídio.
(…)
O senhor também diz no livro que descobriu a conta do mensalão no exterior.
Eu descobri a conta do mensalão nas Ilhas
Cayman, mas o governo e a Polícia Federal não quiseram investigar.
Quando entrei no DRCI, encontrei engavetado um pedido de cooperação
internacional do governo brasileiro às Ilhas Cayman para apurar a
existência de uma conta do José Dirceu no Caribe. Nesse pedido, o
governo solicitava informações sobre a conta não para investigar o
mensalão, mas para provar que o Dirceu tinha sido vítima de calúnia,
porque a VEJA tinha publicado uma lista do Daniel Dantas com contas dos
petistas no exterior. O que o governo não esperava é que Cayman
respondesse confirmando a possibilidade de existência da conta. Quer
dizer: a autoridade de Cayman fala que está disposta a cooperar e aí o
governo brasileiro recua? É um absurdo.
(…)
O senhor afirma no livro que o ex-presidente Lula foi informante da ditadura. É uma acusação muito grave.
Não considero uma acusação. Quero deixar
isso bem claro. O que conto no livro é o que vivi no Dops. Eu era
investigador subordinado ao meu pai e vivi tudo isso. Eu e o Lula
vivemos juntos esse momento. Ninguém me contou. Eu vi o Lula dormir no
sofá da sala do meu pai. Presenciei tudo. Conto esses fatos agora até
para demonstrar que a confiança que o presidente tinha em mim no
governo, quando me nomeou secretário nacional de Justiça, não vinha do
nada. Era de muito tempo. 0 Lula era informante do meu pai no Dops (veja
o quadro ao lado).
O senhor tem provas disso?
Não excluo a possibilidade de algum
relatório do Dops da época registrar informações atribuídas a um certo
informante de codinome Barba.
(…)
Encerro
Encerro por ora. É claro que ainda
voltarei ao tema. Tuma Junior estava lá dentro. Tuma Junior viu e ouviu.
O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) quer que o delegado preste
depoimento à Câmara sobre o que sabe.
O estado policial petista tem de parar. E parte da imprensa precisa deixar de ser o seu braço operativo.
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