
Depois de vencer prévias, José Serra foca na briga pelo seu retorno à Prefeitura
SONIA RACY E PAULA BONELLI
Estadão
Salvo imprevisto, muitos acreditam que haverá um aprofundamento da
polarização entre PSDB e PT nesta disputa pela Prefeitura de São Paulo.
Tendo como protagonistas José Serra e Fernando Haddad, a briga não se
resume a mais uma eleição municipal. O Brasil inteiro estará de olho no
resultado deste pleito e tudo mais que ele possa significar.
José Serra resolveu ser candidato há menos de um mês. No início do
ano, avisou que não queria mais ser prefeito. “Não queria, mas a
necessidade de aumentar a chance de vitória foi posta pelo PSDB e por
nossos aliados”, justificou em conversa com a coluna, na sua casa no
bairro Alto de Pinheiros. Bastante à vontade, falou sobre tudo, até
sobre seu escorregão em relação ao “papelzinho”. Aqui vão os principais
trechos da entrevista:
Seus adversários vão explorar, na campanha, a sua saída da
Prefeitura no meio do mandato. Já estão ironizando o “papelzinho” que o
sr. assinou. Como vai enfrentar isso?
Quando usei essa palavra eu não quis dar um tom jocoso. Mas é
importante dizer que a população de São Paulo apoiou duas vezes a minha
decisão. Em 2006, tive mais votos no primeiro turno para governador do
que para prefeito em 2004. Em 2010, apesar de ter perdido a eleição
nacional, ganhei da Dilma em São Paulo. Quem não tem nada a mostrar só
pode acusar. Não funcionou duas vezes e não vai funcionar a terceira. O
que nós vamos debater nesta eleição é quem pode fazer mais pela cidade
de São Paulo.
O PT fará um grande esforço para entrar no Estado e na
capital. O sr. vê algum perigo de uma hegemonia partidária no País, como
advertiu o Sérgio Guerra?
É legítimo que o PT queira ganhar, não só a Prefeitura como o Estado.
Mas é uma ambição também alimentada pelo fato de querer ser hegemônico.
O PT não convive bem com a política, ele tenta controlar até os
próprios aliados. O PT não ama a política no sentido de lidar com
adversário e compartilhar com aliados. Não me refiro a todos, mas a
estratégia petista na internet é da destruição dos adversários, não do
debate.
Essa percepção da hegemonia petista foi o gatilho para sua candidatura?
Não é só isso, eu me tornei candidato também pelo gosto de poder
administrar novamente a cidade. Um decisão tomada por necessidade, mas
sem gosto, é uma decisão muito áspera, difícil. E tomar a decisão só por
gosto, sem necessidade, é um tipo de narcisismo, que não está entre os
meus defeitos.
O sr. faz análise?
Atualmente, não.
Alguém lhe deu alta?
Não, em análise nunca se tem alta. Se não, não é boa análise. Em
matéria de análise sempre fui multinacional. Fiz no Chile, nos EUA e no
Brasil.
Que balanço o sr. faz da última eleição? Esta vai ser mais fácil?
Pelo meu temperamento, toda eleição é difícil. Você lida com
incertezas e com o espírito das pessoas, que ninguém consegue monitorar.
O Lula está apoiando um candidato em São Paulo…
Sem dúvida. Ele apoiou o Genoino em 2002, perdeu a eleição. Apoiou a
Marta em 2004, perdeu. Apoiou a Marta em 2008, perdeu. Apoiou o
Mercadante em 2010, perdeu. Apoiou a Dilma em 2010 e eu ganhei em São
Paulo, na Capital e no interior. A tradição do Lula é não ganhar dos
nossos candidatos em São Paulo. O que não significa que ele não possa ganhar um dia. Estou dizendo, apenas, que não é a tradição até agora.
O que mudou em você da última eleição para cá?
Difícil. Essa é uma pergunta que você poderia responder melhor. Você vê que eu estou, fisicamente, mais descontraído.]
Quais os riscos desta vez?
Toda eleição tem um risco. Na vida pública vive-se correndo riscos,
estou acostumado. Bem jovem, enfrentei riscos imensos na política
estudantil. Eu era o principal dirigente estudantil do Brasil na época
do golpe de 1964, por exemplo. Paguei um preço altíssimo e depois, no
Chile, com o golpe militar, fui preso. Então, eu já corri riscos na vida
consideráveis. Já teve astrólogo que disse que eu vou viver assim toda a
minha vida. Não estou dizendo que acredito, mas não acho que se faça
tudo pela razão, muita coisa eu faço pela intuição.
Perguntado sobre o mensalão, o Haddad comentou que nunca
ninguém tinha perguntado ao senhor se o livro Privataria Tucana teria
impacto na campanha (ver ao lado).
Vou repetir o que já disse. O livro é um lixo. Na última campanha, o PT se especializou em atacar a minha família.
O que achou da experiência da prévia?
É um exercício democrático. Os EUA têm uma tradição longa, aqui não
há nenhuma. Lá tem eleição a cada dois anos para deputado, fora eleição
para prefeito, governador e presidente. Os partidos são mais enraizados
na sociedade. Aqui, tenho a impressão de que foi a primeira vez que se
fez uma prévia de maior alcance. Acho positiva, aquece a militância para
a campanha. Eu fui talvez o principal proponente de prévia no PSDB, ano
passado, muito antes de pensar em ser candidato.
Por que no Brasil nunca houve essa tradição?
Fazer prévia não é fácil. Há o risco de aprofundamento das
diferenças. Se não houver uma estrutura adequada, acaba sendo um tiro no
pé.
A gestão Serra-Kassab foi um período único?
Acho que houve dois períodos. Quando o Kassab era meu vice, seguiu
estritamente o nosso programa de governo. Até onde pôde, foi com a mesma
equipe – porque alguns vieram comigo para o Estado, como o Mauro
Ricardo, nas Finanças. Reeleito, Kassab montou sua administração,
harmoniosa com as parcerias com o Estado.
Faria algo diferente dele?
Não sou de descartar programa de antecessores. Se eu atuasse
descartando, não teria feito mais telecentros que a Marta ou dado
continuidade aos CEUs. E não teria ampliado o Bilhete Único. Veja que
nesses três casos não mudamos o nome, prática usual na política. Nós não
fazemos isso.
O senhor é um realizador, mas também tem fama de desagregador. Como explica isso?
Creio que capacidade de realizar e de agregar andam juntas. No
governo Montoro, na Prefeitura, no Ministério da Saúde, sempre formei
equipes que podem ser consideradas as melhores em cada época, sem
qualquer desarmonia interna. Sempre parti de uma base técnica bastante
ampla. Já era economista e especialista em algumas questões de gestão
pública mesmo antes de ocupar cargo.
Quando percebeu que a política era o seu caminho?
Desde criança. Lia jornais a partir dos sete anos e meus parentes
dizem que eu já discutia política, ainda criança. Eu não me lembro. Aos
10 anos já era bastante informado. Quando chegou a TV, não tínhamos
dinheiro para comprá-la, então eu lia jornal. Só fui ver TV quando tinha
14 anos.
A sua mãe o incentivou?
Não. Nunca ninguém incentivou. Minha família era muito modesta e despolitizada.
E a fama de hipocondríaco…
Não sou, mas tenho fama. Do ponto de vista político, não é ruim, não. Toda a população achava divertido ter um ministro da Saúde hipocondríaco. Não sei de onde vem essa fama. Sou cuidadoso, mas não gosto de ficar tomando remédio.
Não sou, mas tenho fama. Do ponto de vista político, não é ruim, não. Toda a população achava divertido ter um ministro da Saúde hipocondríaco. Não sei de onde vem essa fama. Sou cuidadoso, mas não gosto de ficar tomando remédio.
Não gosta de hospital?
Não. Eu visitei muito hospital, unidades novas de saúde, lidei com
questões importantes de saúde pública no Brasil, mas se ver alguém
aplicar uma injeção me dá tontura. Quando fui tirar sangue, jamais fui
capaz de olhar.
O que gosta de fazer quando não está trabalhando?
Ficar com meus netos e ir ao cinema. E quando posso, viajar. O que é
dificílimo. Ir pro exterior para trabalhar é fácil, mas lazer puro é
difícil.
No cinema tem um gênero preferido? Viu Tudo pelo Poder?
Achei regular. O filme é meio simplista, mas gostei. Gosto de filme
papo-cabeça, de faroeste, de comédia, enfim, de todo tipo de filme desde
que seja um bom espetáculo.
E música?
Gosto de música clássica, mas também de MPB. Lembra do (senador do
PSDB) Artur da Távola? Uma vez nós passamos uma tarde, em que o plenário
não conseguia se reunir, na minha sala vendo quem sabia mais letras de
músicas do Orlando Silva. Empatou. O Artur era um musicólogo. Mas eu
também conheço muito de música popular antiga.
O senhor é filho único. Isso teve alguma influência na sua personalidade?
Deve ter tido. É muito difícil sentir isso. Dizem que filho único é
autocentrado porque não tem concorrente. Eu vi porque tenho dois filhos.
Embora sejam dois filhos únicos, porque meu filho nasceu quatro anos
depois da minha filha.
De menino, que tipo de aluno o senhor era?
Embora fosse tímido, era muito falador e não era um modelo de
disciplina. Tinha boas notas em aplicação e más notas em comportamento.
Mas eram coisas muito ingênuas, se você comparar com certas coisas de
agora.
Se fosse dar notas a si mesmo, hoje, daria quanto de aplicação e de comportamento?
De aplicação daria nota 10. Quando tenho algo a cumprir, me dedico
totalmente. E de comportamento prefiro não me dar uma nota (risos). Uma
vez fui para a aula com uma dor tremenda no pé, pois tinha cortado a
unha na noite anterior e cortei um pedaço da carne. Passei a noite com o
dedo inflamado. Aí o professor me escolheu para declinar verbos em
latim e eu disse: “Professor, eu não estou em condições de declinar esse
verbo”. E ele: “Mas o que o você tem?”. Aí eu expliquei que estava com
dor no dedo do pé e a sala inteira caiu na gargalhada.
Há uma crise internacional preocupando todo mundo. Como você vê o panorama?
Acho que a economia brasileira vive, há muitos anos, um processo de
empurrar com a barriga a solução de seus problemas. Temos um modelo que
está consumindo os preços altos das commodities. A economia está se
desindustrializando, mas a população está consumindo bastante porque
temos preços de commodities em alta. Só que o modelo primário exportador
não é capaz de levar o Brasil, a médio e longo prazo, a um processo de
desenvolvimento sustentável. Nosso desafio seria ter em 2030 uma renda
por habitante semelhante, hoje, à renda dos países considerados
desenvolvidos. Não será pelo caminho da economia primária exportadora
que chegaremos lá.
Há pelo menos vinte anos que se bate nesta tecla.
Eu sou o que mais bateu na tecla.
Mas, e o cenário lá fora?
Não acho nada catastrófico, você pode ter surpresas. O Pedro Malan
disse outro dia que em economia é difícil até prever o passado. Imagine o
futuro! Estou preocupado porque a fase de bonança que vive o Brasil é
transitória. Mas, do ponto de vista da economia mundial, depende muito
da Europa. E qual é o nó da Europa? É que não é uma crise estritamente
econômica. Se a Europa fosse um país federativo, como os EUA ou o
Brasil, provavelmente não haveria esse problema. Só que eles criaram uma
moeda única numa confederação. Então, o orçamento da União no Brasil é
20% do PIB, nos EUA é outro tanto, na Europa é 1% do PIB. Você não tem
mecanismos de compensação. A Europa não é integrada nem no mercado de
trabalho, muito menos do ponto de vista fiscal.
02.abril.2012
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