Quem quiser entender como e por quê o apagão da noite de segunda-feira aconteceu deve esquecer a história do "evento climático inédito na história deste país".
E também pode deixar de lado a história do transformador danificado por um raio.
As melhores pistas disponíveis até agora estão em documentos públicos do Operador Nacional do Sistema, o ONS, do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria Geral da União (CGU) e do Ministério do Planejamento. Embora o vocabulário técnico seja quase indecifrável por leigos munidos apenas de boa vontade, a história que esses documentos contam é simples.
Não é de hoje que falta manutenção adequada às torres das linhas de transmissão que ligam Foz do Iguaçu, no Paraná, à subestação de Tijuco Preto, em Mogi das Cruzes.
Na verdade, a impressão que se tem, ao ler os documentos oficiais, é que as torres do sistema de transmissão de Itaipu nunca pararam em pé direito.
Há anos, uma verdadeira novela se desenrola em torno do seu reforço.
Em 2004, o TCU analisou contratos emergenciais feitos por Furnas entre 1997 e 2000 para o reforço de 149 torres do sistema.
No documento, do TCU afirma, com base em informações fornecidas por Furnas, que: em 1982, ventos fortes destruíram 39 torres do sistema; entre novembro de 1997 e abril de 1998 caíram 17 torres desse mesmo sistema, o que levou ao desligamento de alguns circuitos por até seis dias e meio.
Segundo o relatório, outras dez torres já haviam caído em anos anteriores.
Havia uma suspeita de que Furnas contratara de forma irregular as tais obras de reparação das torres. O ministro do tribunal Ubiratan Aguiar, que assina o relatório, diz que as obras eram necessárias, e explica seu ponto de vista.
"Ademais, cabe consignar a urgência das obras de reforço das torres do Sistema de Transmissão de Itaipu (..), com vistas a se evitar novos acidentes, cuja extensão e conseqüências, embora imprevisíveis, certamente seriam desastrosas para o país".
No mesmo ano de 2004, o relatório de planejamento do sistema elétrico para aquele ano fala novamente na necessidade de reforço das torres que ligam Itaipu a São Paulo de onde a energia é distribuída aos outros estados.
"Estão previstas obras de reforço estrutural nas torres das linhas de transmissão em 765 kV Foz do Iguaçu-Ivaiporã e Ivaiporã-Itaberá, pertencentes a FURNAS, com duração de 5 meses corridos", diz, na página 33, o ONS.
As obras foram programadas para ocorrer entre maio e setembro de 2005. Mas, em junho de 2005, auditoria (ver página 9) da Controladoria Geral da União, a CGU, mostra que, neste ano, não houve nem orçamento e nem gasto nenhum com o reforço das torres.
Justificativa de Furnas: "Este empreendimento depende de autorização do ONS para o desligamento das LT, para que os reforços nas torres sejam efetuados, o que não ocorreu em 2005".
Três anos depois, em 2007, o ONS continuava prevendo (páginas 201 e 202) o reforço de torres no sistema de transmissão de Itaipu.
Ou seja, mesmo que algo tenha sido feito entre 2006 e 2007, ainda havia torres precisando de manutenção.
O relatório de 2007 faz ainda uma avaliação sobre um novo esquema de emergência para evitar problemas, caso duas das três torres fossem afetadas por ventos fortes e tornados, comuns naquela região.
Segundo o texto, o trecho que liga Foz do Iguaçu ao município de Ivaiporã poderia suportar uma queda dupla, mas o trecho seguinte, que liga Ivaiporã a Itaberá (SP) e Tijuco Preto (SP) não agüentariam.
"Os equipamentos terminais do circuito remanescente, disjuntores, bobinas de bloqueio, TCs e chaves seccionadoras ainda ficam submetidos a um carregamento superior ao máximo admissível."
A novela não termina aí.
Outro documento, a dotação orçamentária de Furnas para 2009, mostra que, neste ano, havia 1,3 milhão de reais disponíveis para as obras de reforço das famigeradas torres. Mas, até julho, nenhum real foi gasto.
Ou seja, minha gente: as autoridades envolvidas com a operação e o planejamento do setor elétrico sabiam (ou pelo menos deviam saber) há muitos anos, que essas torres, tão importantes para o abastecimento de energia do Brasil, estavam em situação frágil.
Chegou-se até a estudar esquemas de emergência para minimizar o efeito dos ventos, tufões ou mini-tornados.
O Ministério das Minas e Energia afirma que, ao contrário do que aconteceu de outras vezes, desta vez não houve queda de torres, mas sim um raio muito forte, tão forte que desligou as três linhas ao mesmo tempo.
Pode-se até argumentar que nada poderia ser capaz de deter esse raio tão poderoso. Mas a história que esses documentos contam mostra que havia, sim, providências possíveis para evitar que o impacto de uma forte tempestade prejudicasse o abastecimento de energia.
Dizer agora que foi culpa do clima ou do transformador estragado não adianta muita coisa. E também não exime de responsabilidade quem deveria ter tomado providências.
p.s. 1. passei a tarde tentando contato com algum assessor de imprensa do ONS, sem sucesso
p.s.2. todos os documentos descritos neste post foram enviados a Furnas, acompanhados de pedidos de explicação. Até agora, não obtive resposta
p.s.3. se você achou que os fatos acima ainda não são suficientes para explicar o que aconteceu na última terça-feira à noite, saiba que ainda tem mais.
No próximo post
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