Perdoem-me os tradicionais analistas políticos: vocês continuam errando. A essência não reside mais na ideologia. Jair Bolsonaro vencerá as eleições porque encarnou o reclamo popular pela decência na vida pública. Daí brota sua grande força.
Esse velho costume em dividir o mundo entre “esquerda” e “direita” perdeu certo sentido na sociedade contemporânea, plena era digital. Repito meu argumento: embora grupos organizados, politizados e elitistas, ainda orbitem naquela toada típica dos anos da Guerra Fria, novos dilemas movimentam hoje a opinião popular. No Brasil e no mundo.
O cientista político Fernando Limongi afirmou noutro dia, me puxando as orelhas, que “está em jogo a barbárie”. Juro, bom caipira que sou, que fico em dúvida sobre o conceito. Os gregos diziam que, fora eles próprios, civilizados, os demais povos eram “bárbaros”. Barbárie, para os romanos, vinha dos germânicos.
Quem acredita que Bolsonaro representa a barbárie se coloca no pedestal da sapiência. Lá no meu interior nós chamamos isso de pernóstico. Pessoas iluminadas, supostos intelectuais, se julgam superiores a nós, mortais comuns, e nos rebaixam pela nossa ignorância. Como pode alguém apoiar a “barbárie”?!
Desde as enormes, e espontâneas, manifestações de rua havidas em junho de 2013, sabíamos que fermentava no país uma insatisfação, difusa, contra o “sistema político”. Muitos quiseram compreender aqueles inusitados acontecimentos pelo crivo da “esquerda x direita”. Não conseguiram, até hoje, entender nada.
Foi nessa época que escutei Fernando Henrique Cardoso falar, pela primeira vez, em decência, referindo-se a um valor moral para capturar o momento político. As pessoas, jovens principalmente, estavam insatisfeitas, sem saber ao certo o porquê de suas angústias. Quebravam e queimavam à busca de respostas.
Vieram depois as eleições de 2014, protagonizadas por Aécio Neves e Dilma Roussef. Avança a Lava Jato, vem o impeachment. Com a queda da petista, troca-se o comando da quadrilha. Mudava a cabeça, mas o poder carcomido continuava ereto. E o câncer da corrupção destruía a credibilidade da democracia.
Aí surgiu Jair Bolsonaro. Moralista e militar, defensor da ordem, apareceu no cenário gritando: vamos acabar com essa putaria em Brasília! Pronunciado na hora certa, seu discurso ecoou longe, atingindo o âmago do “mecanismo” que alimenta a corrupção, e que a todos comandava e seduzia. O capitão caiu na graça do povo e ganhou notoriedade.
Dizer que Bolsonaro é “de direita” é uma obviedade que pouco explica sua força política. Parte do seu eleitorado, claro, vem dessa vertente. Outro tanto, certamente, se arregimenta pelo sentimento “anti-PT”. Boa maioria de seus apoiadores, porém, oriundos no fundão do interior e da periferia das cidades, se move por um desejo ético: querem eleger alguém para moralizar a vida pública do país.
A eleição de Bolsonaro poderá significar o início da reconstrução da democracia, e não sua derrocada. O fato de alguns militares participarem da campanha, preparando programas de governo e que tais, ao invés de temor, me causa satisfação: significa que os generais se expõem, aceitam as regras da democracia, dela participam. Fascismo zero.
Há riscos, sempre os há.
Quem poderia imaginar que Lula, o maior líder operário do país, organizasse tamanho assalto aos cofres públicos, locupletando-se ao destroçar o poder público nacional?
Qual risco seria maior, à nossa democracia, que a volta da quadrilha vermelha ao poder?
Socorro-me do filósofo José Arthur Giannotti. Ao finalizar uma recente entrevista onde comenta a provável vitória de Bolsonaro, o professor utiliza a pura dialética: “Agora desarrumou tudo. Que bom!”.
Sensacional.
Xico Graziano, 65, é engenheiro agrônomo e doutor em Administração.
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