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sábado, 30 de janeiro de 2016

Prédio de tríplex reformado pela OAS para Lula teve uso irregular de FGTS, diz auditoria

Operação Lava Jato investiga apartamento – e ÉPOCA descobre que empreiteira obteve indevidamente R$ 300 milhões, dos quais R$ 14 milhões foram gastos para encerrar obras do condomínio Solaris


DANIEL HAIDAR COM FLÁVIA TAVARES

ÉPOCA

Gerente da empresa panamenha Mossack Fonseca no Brasil, Renata Pereira foi acordada pela Polícia Federal na última quarta-feira na Operação Triplo X, o nome da 22ª fase da Operação Lava Jato. Havia um mandado de prisão temporária contra ela. De casa, na Zona Sul de São Paulo, Renata foi levada para a sede da empresa, na Avenida Paulista, onde foi obrigada a destravar quatro computadores e liberar o acesso dos policiais a documentos de uma das mais famosas criadoras de offshores do mundo. Arrumar os papéis para a criação de empresas em paraísos fiscais, o trabalho da Mossack, facilita a vida de terroristas, políticos corruptos e empresários interessados em ocultar bens e lavar dinheiro. No escritório, os policiais coletaram milhares de dados sobre muitos desses filhotes, alguns usados para corrupção, paridos pela Mossack nos últimos anos.

O prédio e seus condôminos: o ex-presidente Lula, que desistiu do apartamento, o ex-tesoureiro João Vaccari Neto e o segurança petista Freud Godoy (Foto: Paulo Whitaker/Reuters, Fábio Motta/Estadão Conteúdo, Rodrigo Félix Leal/Futura Press, JF Diorio/Estadão Conteúdo)

Entretanto, a 90 quilômetros dali, estava o alvo mais poderoso da Triplo X. A força-tarefa da Lava Jato investiga se os apartamentos do Condomínio Solaris, na Praia das Astúrias, em Guarujá, foram utilizados pela OAS como moeda para pagamento de propina no esquema de corrupção da Petrobras. O conjunto de 112 unidades é o prédio da companheirada. Abriga um tríplex destinado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e apartamentos do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, hoje preso em São José dos Pinhais por coletar propina de contratos da Petrobras, e de Freud Godoy, um ex-segurança de Lula que, entre outras coisas, teve uma empresa que recebeu dinheiro de Marcos Valério, operador do mensalão. No despacho que autorizou a operação, o juiz Sergio Moro disse que a OAS “teria utilizado o empreendimento imobiliário em Guarujá para repasse disfarçado de propina a agentes envolvidos no esquema criminoso da Petrobras”. Até a semana passada, Vaccari era um desses agentes. Lula, ainda não.
A Lava Jato chega, assim, a um ponto fundamental. É o mais próximo que Lula já esteve de ser investigado como beneficiado por uma empresa que desviou recursos da Petrobras. Na campanha eleitoral de 2006, Lula declarou possuir uma “participação” na Bancoop em um “apartamento em construção em Guarujá”. Declarou que tinha pagado, até aquele momento, R$ 47.700. Lula se tornaria dono de um tríplex de 297 metros quadrados no Solaris. Uma investigação aponta que a OAS bancou uma reforma de cerca de R$ 700 mil no imóvel, com a instalação até de um elevador interno. Duas testemunhas ouvidas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que também investiga o caso, afirmam que a ex-primeira-dama Marisa Letícia esteve algumas vezes no imóvel para inspecionar as obras. Em uma dessas ocasiões, ela estava acompanhada de Léo Pinheiro, presidente da OAS – aquele que, no ano passado, passou uma temporada preso em Curitiba pelos malfeitos praticados no petrolão. Duas testemunhas relataram que Lula também esteve no prédio. No ano passado, com o petrolão na rua, ele desistiu do imóvel.

Infográfico explica indícios que ligam Lula a tríplex (Foto: Arte/Época)


Os promotores paulistas suspeitam que Lula tenha ganhado o apartamento da OAS, o que pode configurar crime de lavagem de dinheiro. Ele e dona Marisa foram intimados pelo MP de São Paulo a se explicar, no dia 17 de fevereiro, sobre o tríplex. O apartamento no Solaris é o segundo imóvel associado a Lula que foi bancado pela bondade das empreiteiras com o ex-presidente. Por vezes, Lula usufrui de um sítio em Atibaia, em São Paulo, que está em nome de Fernando Bittar, filho de seu velho amigo Jacó Bittar, e de Jonas Suassuna, sócio de Fábio Luís, um de seus filhos. Nesta semana, o jornal Folha de S.Paulo revelou que outra empreiteira, a Odebrecht, campeã de financiamentos do BNDES no exterior e maior contratadora de Lula como palestrante, bancou uma reforma na propriedade. De acordo com fornecedores, foram gastos R$ 500 mil apenas em material de construção e um engenheiro da Odebrecht supervisionou os trabalhos. Ao jornal, a Odebrecht disse não ter identificado relação da empresa com a obra. Em nota divulgada na semana passada, Lula disse que o sítio, que frequenta, pertence a amigos da família.
A Lava Jato chegou ao Solaris depois que a Força-Tarefa do Ministério Público Federal, em Curitiba, constatou que apartamentos foram repassados pela OAS à família de João Vaccari Neto, o tesoureiro do PT que acertava pagamentos de propina depois que essas mesmas empresas obtinham contratos na Petrobras. Há evidências de que as operações imobiliárias serviram para lavar dinheiro da propina da OAS no petrolão. Vaccari declarara à Receita Federal nos últimos anos que era dono de um apartamento no condomínio. Sua cunhada, Marice Lima, fez o mesmo. Marice declarou ter pagado R$ 150 mil pelo imóvel em 2011 e o vendeu de volta à OAS por R$ 432 mil. A empreiteira, no entanto, vendeu a mesma unidade depois por um preço menor, R$ 337 mil. Quem quiser pode acreditar que Marice protagonizou um lance raro, no qual uma pessoa física se saiu melhor que uma grande empreiteira na venda de um imóvel. Pouco depois, Marice transferiu o dinheiro para a filha de Vaccari, Nayara, que comprou uma casa de R$ 800 mil com o dinheiro. No mesmo período,Vaccari, segundo registros da OAS, buscava dinheiro vivo na sede da empreiteira.


 Documento utilizado por João Vaccari Neto para transferir condomínio Solaris para a OAS (Foto: Geraldo Bubniak/Agb/Estadão Conteúdo)


O Solaris é um empreendimento enrolado, que conta com a participação de Vaccari há anos. Em 2003, sob o efeito da eleição de Lula, a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo, conhecida como Bancoop, lançou o empreendimento Mar Cantábrico, em Guarujá. “São duas torres que totalizam 112 unidades de três dormitórios, sendo uma suíte, com opções dúplex e tríplex”, dizia o jornal da Bancoop. Por anos, o informativo Art&Stilo acompanhou a evolução das obras. Contudo, em dezembro de 2006, começaram a aparecer os primeiros sinais de problemas. A Bancoop quebrava. Uma extensa investigação do Ministério Público de São Paulo aponta que os dirigentes da cooperativa, entre eles João Vaccari, desviaram dinheiro dos cooperados para bancar campanhas do PT, o que levou à derrocada financeira e causou prejuízo a cerca de 3 mil trabalhadores. Vaccari é réu no caso, acusado de crimes como estelionato, associação criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Em 2009, Vaccari, então presidente da Bancoop, assinou a transferência do Mar Cantábrico para a OAS. A OAS mudou o nome do empreendimento para Condomínio Solaris e passou a pedir mais dinheiro – não aos companheiros, mas aos cooperados. Primeiro foram cerca de R$ 30 mil. A alguns, que já tinham pagado até R$ 500 mil, foram pedidos mais R$ 600 mil. A entrega atrasou mais de três anos.
Enquanto cobrava mais e mais dos trabalhadores que tentavam conseguir um apartamento no Solaris, a OAS descolava dinheiro do FGTS para financiar a construção do prédio. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) à qual ÉPOCA teve acesso atesta que a OAS Empreendimentos e outras incorporadoras foram beneficiadas de modo irregular com a liberação de dinheiro do FGTS. O Conselho Curador do FGTS, diretoria do governo que toca parte dos investimentos do trabalhador, comprou R$ 300 milhões em debêntures (um tipo de dívida) emitidos pela OAS. A empresa usou parte disso, R$ 14 milhões, para concluir as obras do Solaris. A OAS e outras incorporadoras conseguiram convencer o FGTS a comprar seus títulos graças aos serviços do sindicalista André Luiz de Souza, ex-representante da CUT no Conselho Curador do FGTS. Só a OAS pagou R$ 350 mil a duas empresas de Andrezinho. O investimento compensou: apesar de o Banco Central dizer que a manobra era ilegal, “Andrezinho da CUT” bancou a proposta que levou o FGTS a comprar títulos da incorporadora. Os auditores do CGU afirmam que a atuação de Andrezinho da CUT foi irregular, pois ele ainda participava do Grupo de Apoio Permanente do Conselho, responsável por sugerir diretrizes ao fundo. Andrezinho não quer falar sobre o assunto.
A Operação Triplo X foi precipitada porque a Polícia Federal detectou um movimento para a destruição de provas no caso dos apartamentos do Solaris. Em 22 de janeiro, Carolina Auada conversou ao telefone com seu pai, Ademir Auada, e deixou escapar o seguinte: “Só vou terminar de picar os papéis que a máquina parou”, disse. “Estava esperando ela voltar.” Auada era monitorado pela polícia por seu envolvimento com a empresária Nelci Warken. Na semana anterior, ele fora acionado por Nelci. De acordo com um relatório da Polícia Federal, ela estava “muito assustada” depois de receber uma ligação de ÉPOCA com questionamentos sobre uma briga judicial que teve com a offshore Murray Holdings, dona de um tríplex no Solaris, idêntico ao de Lula. A Murray é uma das offshores criadas pela Mossack, a empresa visitada pelos policiais federais. ÉPOCA queria saber detalhes da disputa judicial na qual Nelci perdera 14 imóveis para a Murray. Nelci desligou o telefone e deu ordens para a turma triturar documentos. Foi essa empreitada destrutiva que a Polícia Federal captou. O medo de Nelci não era fortuito. A Operação Triplo X descobriu que o processo judicial foi uma armação para blindar seu patrimônio da cobrança de dívidas. Nelci era dona da offshore Murray. Ainda é investigada a possibilidade de Nelci ser laranja.
O foco na Mossack é outro passo grande dado pela Lava Jato. Criada em 1977 no Panamá, a Mossack Fonseca tem representações em mais de 40 países. É famosa pela criação e administração de offshores, frequentemente usadas como empresas de fachada. O cumprimento do mandado de busca na sede brasileira da Mossack só se encerrou na quinta-feira – peritos viraram a madrugada para baixar e-mails e documentos armazenados em serviços de arquivos virtuais, pelo servidor central da empresa. A coleta de provas no local foi igualmente proveitosa. Além das centenas de offshores nas mensagens e documentos eletrônicos, os policiais arrecadaram papéis com o nome de clientes, cópias de passaportes, comprovantes de endereço e nomes da offshore criada. Um pacote completo. As apreensões devem motivar algumas centenas de inquéritos e levar a Operação Lava Jato para um gigantesco canal de lavagem de dinheiro. A apreensão poderá gerar filhotes por anos.
A OAS preferiu não se manifestar. A Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS, declarou que não houve irregularidade na compra das debêntures. A assessoria de imprensa do Instituto Lula não respondeu aos questionamentos
  29/01/2016

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