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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Da amizade e do ódio. Ou: Trinta anos neste post




O comunismo resultou em terror porque seus militantes confundiram a civilidade com um traço de classe.

Não conseguiram acabar com a burguesia, mas conseguiram acabar com a civilidade.

Tenho certos códigos de conduta que são bastante rígidos. Eu não me obrigo, e jamais me obriguei, a detestar alguém porque repudie sua ideologia ou, sei lá, seu gosto para as artes.

Como num poema de Drummond, acho que “amizade é isto mesmo: salta o vale, o muro, o abismo do infinito”.

E também não me imponho o contrário: suportar uma pessoa que deteste só porque comungamos das mesmas idéias. Jamais rompi uma amizade por causa de uma divergência, mas já fui, sim, e ainda sou, alvo de algumas vilezas porque o sujeito mudou de lado ou, o que é pior, de patrão!


Tenho aqui, por exemplo, uma penca de e-mails elogiosos assinados por um ex-jornalista que passou a me detestar por obrigação profissional - isto é, porque seu novo senhor assim o exige. Não deixa de ser engaçado: como os seus elogios eram, obviamente, gratuitos, já que eu nada poderia lhe oferecer em troca, eu os considero mais honestos do que seus ataques, que são remunerados. É o tipo de gente que substitui a admiração sincera e gratuita pelo ódio fingido e a soldo. Estranho mundo!

Nelson Breve, por exemplo, que hoje é o presidente da EBC, substituindo Tereza Cruvinel, começou sua carreira jornalística onde também comecei: no Diário do Grande ABC. Foi repórter quando eu era redator-chefe. Vinha da área bancária e não tinha experiência em jornalismo. Se a memória não lhe falha, sabe muito bem como eu trabalhava. Tivemos uma conversa um pouco mais longa, certa feita, na minha sala. Ele já era petista! As divergências eram claras. Eu lhe disse o óbvio: “Interessa-me a notícia, não o que grupos de pressão dizem ser notícia”. Tivemos um relacionamento profissional e cordial. Convivo bem com a diferença. Tanto Breve como eu sabíamos para onde conduziam as velas. Ele cresceu a favor do vento; eu, contra.

Memórias, memórias, memórias… O PCO, Partido da Causa Operária, um dos grupos de extrema esquerda que respondem pelas ações mais detestáveis na USP, resolveu me transformar em seu inimigo público nº 1. Como tenho muitos leitores, consideram que a coisa rende. Sou um bom “inimigo”. Seus militantes acusam-me das maiores barbaridades. Como foram longe demais, terão de responder legalmente por isso. Um deles escreve num jornaleco chamado “USP Livre”, ligado ao tal partido, que defendo o espancamento de negros (!) e me chama de racista. O racismo é crime imprescritível e inafiançável. Vai ter de provar. Se não o fizer, e não tem como fazê-lo, estará cometendo crime de calúnia. Vamos nos encontrar no lugar certo para tratar do assunto. Como ele é um “revolucionário”, deve nos imaginar em trincheiras opostas, com armas na mão. Mais modesto, contento-me com o estado democrático e de direito. Se cometi o crime que ele diz que cometi, tenho de ir em cana. Se não cometi, quem vai arcar com as conseqüências é ele. É bom ir consultando um advogado do “estado burguês”, meu rapaz.

O que o rapazola talvez ignore é que estudei na USP com o seu chefe, Rui Costa Pimenta, o presidente do PCO. Quando o conheci, no começo de 1980 acho, eu tinha 18; ele, 22. Tivemos uma convivência amiga, cordial. Rui já pertencia a uma corrente trotskista dentro do PT chamada Causa Operária, que ainda não era, como é hoje, um partido. Lá se vão mais de 30 anos! Eu fazia política estudantil com outro grupo, igualmente trotskista, a Liberdade e Luta (a famosa “Libelu”), depois de ter passado pela Convergência Socialista (onde comecei, aos 15…), que viria a resultar, mais tarde, no PSTU.

Rui tentou, sem qualquer ação ostensiva ou desagradável, ressalte-se, me atrair para a sua corrente. Chegamos a almoçar em sua casa, servidos por sua simpática avó, quando a possibilidade foi tratada de maneira mais clara. Eu gostava de nossa amizade, mas não me convenci. Ele não era muito apreciado pelas demais correntes estudantis, mesmo as mais radicais, porque não entendiam direito seus movimentos. Rui jamais participou das invasões da Reitoria, do restaurante universitário ou dos prédios de moradia do Crusp, por exemplo. Com um brinco bastante avançado para a época, cultivava, digamos assim, um certo distanciamento aristocrático daquela turba de invasores - na qual eu me incluía…

Lembro-me de ter pensado certa feita: “Será que ele tem medo de apanhar? Seria covardia?” Mas logo deixei de lado a suspeita porque me pareceu duplamente indigno pensar aquilo: a) porque era meu amigo; b) porque todo mundo tem o direito de ter medo de apanhar, e isso não é uma falha de caráter. Afinal, era mais difícil opor-se à ditadura do que à democracia. Preferi pensar que ele achava irresponsável a nossa forma de ação direta. Eu sempre penso as melhores coisas sobre os meus amigos.

Eu conhecia alguns poemas de Mário Faustino, mas Rui tinha uma raridade: “O Homem e Sua Hora”, publicado pela Civilização Brasileira, em 1955, com orelha de Paulo Francis. Ele me emprestou o livro, e foi esse o melhor saldo da nossa amizade. Se Rui deu pela falta do volume em sua estante, na hipótese de que isso ainda seja do seu interesse, vai o aviso: o livro está comigo. Preciso achar um modo de devolvê-lo.

Mais de trinta anos depois, a cordialidade, que parecia existir independentemente das divergências - eu sempre preferi as nossas conversas sobre gramática e literatura -, é substituída por uma violência retórica que parece tanto mais exacerbada quanto mais minoritárias se mostram as teses do PCO. Hoje, as “crias ideológicas” de Rui não se contentam apenas em dizer que estou errado (ok, é um direito) ou que sou reacionário (ok, é um juízo de valor). Não! Isso lhes parece pouco. Precisam também recorrer às mentiras, às acusações infundadas, ao xingamento, à baixaria, às calúnias. Não basta a seus soldados aquilo que realmente escrevo para me satanizar no tal “USP Livre”. Precisam também recorrer ao que nunca escrevi.

Numa tarde distante, depois das aulas da USP, Rui tentou, numa conversa serena, convencer-me a aderir à sua “Causa Operária”. Não conseguiu. Mais de 30 anos depois, sou obrigado a considerar que a sua causa avançou pouco, mas a violência retórica de sua turma e a ação empreendida na USP ganham contornos de insanidade minoritária. Mas vejam como sou: esse Rui de hoje, que comanda pessoas que golpeiam eleições no DCE e que se dedicam à calúnia e à violência, não poderia, evidentemente, ser meu amigo. O meu espaço para a divergência não comporta esse tipo de ação delinqüente. Mas aquele outro, que ficou perdido há 30 anos, com o qual não rompi, era capaz de dizer coisas interessantes.

Dia desses, chegaram-me alguns impropérios desferidos contra mim por Natália Pimenta, que, fiquei sabendo, é filha de Rui e até já se candidatou a algum cargo eletivo. Fazer o quê? As minhas filhas só saberão agora quem é o pai de Natália. Não as treinei para o ódio. Eu as eduquei para a liberdade.

O comunismo resultou em terror porque seus militantes confundiram a civilidade com um traço de classe.

Não conseguiram acabar com a burguesia, mas conseguiram acabar com a civilidade.

18/01/2012

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