Na viagem ao país de Petar Roussev, Dilma nem desconfiou que o grande caçador de cretinices acompanhava a comitiva presidencial e acabou capturada em Gabrovo.
Vejam o histórico relato do nosso enviado especial à Bulgária.
Celso Arnaldo Araújo
Vejam o histórico relato do nosso enviado especial à Bulgária.
Celso Arnaldo Araújo
Apesar da natural falta de jeito, os passos tentam ser solenes e sincopados – é a presidente, ao som do hino nacional búlgaro, seguindo os três soldadinhos de chumbo que carregam uma coroa de flores com as cores da bandeira brasileira, para ser depositada no túmulo do soldado desconhecido, na capital Sófia.
Ela se detém ao final do tapete vermelho, aguardando a colocação da corbeille. E então recomeça a marcha em direção à oferenda.
Ao chegar, ajeita alguma coisa no arranjo floral e curva a cabeça, em reverência.
Recompõe-se, espera sete segundos e abaixa a cabeça uma segunda vez, um tanto hesitante – o cerimonial não explicou direito se eram uma, duas ou três vezes e o intervalo entre elas.
E então faz meia volta, agora em silêncio respeitoso – a banda marcial recolheu os instrumentos.
Só se ouvem então os passos do meio salto agulha da “presidente búlgara do Brasil” — como ela mesma gostou de se intitular na visita histórica à terra de Petar Roussev — de retorno à passarela rubra.
Em 1min25s, o registro de um momento histórico.
“Никога в историята на тази страна” (Nunca na história deste país) um presidente brasileiro colocou flores no túmulo do soldado desconhecido da Bulgária (um jornalista jocoso, cobrindo a viagem de Dilma, chegou a perguntar a um colega: haveria, por acaso, algum soldado búlgaro conhecido?).
Aliás, em toda a história da nossa República, nenhum presidente brasileiro fez qualquer coisa na Bulgária. E é provável que não volte a fazer.
Por isso, a viagem sentimental de Dilma Rousseff à pátria de seu pai, Pedro, é muito mais inusitada que a abertura da última Assembleia Geral da ONU, dia 21 de setembro – a primeira feita por uma mulher, mas a 67ª vez a cargo de um brasileiro, tradição anual desde 1947.
No ano que vem, ela ou o chanceler Patriota retornarão àquele púlpito no coração de Manhattan – e o mesmo aconteceria com Weslian Roriz, se viesse a suceder Dilma.
Mas a Bulgária, provavelmente, nunca mais receberá um presidente brasileiro – com certeza, nunca mais um presidente brasileiro búlgaro. Por isso, tudo foi muito bem planejado, de parte a parte, para que nada falhasse nesta visita.
A bordo do Dilma One, desde a decolagem de Bruxelas, escala anterior da viagem presidencial, os assessores mais próximos ouviram Dilma murmurando repetidamente, para si mesma, estranhas palavras.
Nenhum deles conseguiu identificar o que parecia ser um mantra. Deixaram-na em paz, por alguns minutos, sem mais incomodá-la com números, nomes, textos de discurso.
Uma ajudante de ordem chegou a supor que a presidente pedia “azeite verde”, mas desistiu de tentar entender – mesmo porque, ela não parecia solicitar algo.
Só na chegada a Sófia, recebida com honras de chefe de estado pelo presidente Giorgi Parvanov e pelo primeiro-ministro Boyko Borisov, quando a presidente começou a passar em revista as tropas, eles enfim perceberam que ela na verdade vinha treinando na viagem a expressão búlgara “Zdraveite, gvardeyci”, que significa “Saudações, guardas” – a palavra de ordem com que os chefes de estado saúdam os militares formados em sua honra.
Não se sabe se os militares compreenderam Dilma – mas foi bem decoradinho.
O RAPAZ JAPONÊS
O comércio entre os dois países é equivalente a insignificantes 120 milhões de reais por ano – o PR movimentava por fora muito mais do que isso só no Ministério dos Transportes. Na órbita dos cargos pertencentes a Sarney, circula, e se perde, o triplo disso.
A Bulgária não tem muito a oferecer e não é exatamente um grande parceiro comercial. Se a Europa está em crise, notadamente a zona do euro, imagine-se a pobre Bulgária, mergulhada numa recessão que começou bem antes do surto atual, agravada pela corrupção endêmica e pelo crime organizado que grassam no país desde o fim do império soviético – tem razão a presidente Dilma ao destacar os laços afetivos que unem os dois países.
Ainda na Bélgica, a presidente Dilma tentava explicar o caráter “misto” de sua visita à Bulgária – em dilmês castiço, um idioma assemelhado ao búlgaro por sintaxe genética:
“Minha expectativa é uma viagem muito… de duas formas: uma viagem externa, da presidenta do Brasil, mas também é a viagem da pessoa cujo pai é búlgaro, e uma parte da minha raiz está na Bulgária.
Este país, que é o Brasil, ele tem essa capacidade imensa de absorver, de abraçar e de dar apoio e transformar em nacional todas, vamos dizer, as etnias. Nós somos europeus, nós somos africanos, nós somos índios, nós somos asiáticos.
Eu achei muito importante, inclusive, que tivesse um rapaz japonês – se eu não me engano, japonês – na apresentação, que nossa diversidade, do nosso país, a real diversidade.”
Diga-se de passagem, o citado misterioso japonês não era Paulo Okamotto, contador de Lula. De qualquer forma, as primeiras horas da estadia em Sófia foram, efetivamente, de contatos comerciais – alguma coisa deve sair daí, quando nada na área educacional e cultural.
Mas o ponto alto da visita da velha senhora à Bulgária seria mesmo a passagem por Gabrovo – a terra de Petar Roussev.
Em 1928, ele saiu de casa, deixando a mulher grávida, e nunca mais voltou. Primeiro passou pela Argentina, depois foi para o Brasil, onde virou Pedro Rousseff, fez nova família – três belos filhos, incluindo Dilma Vana.
Morreu em 1962, quando a futura presidente tinha apenas 15 anos.
A ele a presidente atribui seu amor aos livros – um amor que se perdeu no tempo, como se sabe.
A visita a Gabrovo era um acerto de contas com o passado interrompido.
SALÃO DE HUMOR
Gabrovo, com 60 mil habitantes, aos pés dos Balcãs, é uma espécie de Itu búlgara. Se a cidade paulista ganhou fama folclórica por sua mania de grandeza, Gabrovo se notabilizou pela sovinice de seus habitantes. Ali, um sujeito estava com uma piada engatilhada para contar à presidente – pena que não teve chance. Um gabroviano vai para o céu e começa um diálogo com Deus, que também é de Gabrovo, pelo menos antes do comunismo:
– Meu Deus, o que é para o senhor dois mil anos?
– Um minuto – Ele responde.
– E 500 mil euros?
– Dez cêntimos de euro.
– Senhor, dai-me 10 centavos.
– Espere um minuto.
Pode não ser um humor muito afiado, mas, por essas e outras, Gabrovo se consagrou – entre os que já ouviram falar em Gabrovo — como a cidade mais engraçada da Bulgária. Lá tem até um salão de humor, equivalente ao de Piracicaba. Donde, Ziraldo na delegação presidencial.
Brasil e Bulgária são sempre vizinhos nos stands de diversos salões de humor internacionais – quando nada, porque, pela ordem alfabética, Bulgária fica colada ao Brasil, já que em Brunei não existe humor. Daí talvez se explique o bom humor permanente da presidente Dilma.
Sob um sol radiante, centenas de habitantes de Gabrovo ocuparam o pátio do colégio Vassil Aprilov, onde Petar Roussev acabou seus estudos em 1918. Todos queriam ver e escutar a “presidente búlgara do Brasil”. Ela foi conhecer o colégio e, na saída, falou de sua emoção.
– A sra, engasgou?, pergunta um repórter que percebeu a dificuldade de Dilma em concluir seu pensamento durante o pequeno discurso que fez na escola do pai.
– Engasguei, parei de falar, não conseguia, não conseguia formular, porque é uma coisa impressionante você tá no lugar que seu pai estudou.
Pedro Rousseff não parou de estudar quando foi para o Brasil – só assim se explica por que a presidente Dilma também engasgue e não consiga formular um único pensamento no Brasil.
Um repórter quer saber como recebeu a manifestação espontânea do povo búlgaro nas ruas.
– Não entendo tudo o que falam, como ocês podem sabê, mas as expressões afetivas são universais.
Se não entende tudo, entende um pouco? Mais ou menos:
– Agora, na verdade, cê veja, eu falo duas palavras: falo “baglodariá” e falo agora uma que eu esqueci.
Provavelmente, esqueceu de duas, “Zdraveite, gvardeyci”, que poderia ser traduzido livremente em dilmês por:
– Oi, guardas.
Quanto a “baglodariá”, cartas para a redação.
(túmulo do soldado)
07/10/2011
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