O menino que queria ser padre converteu-se ao PT e virou sacristão de missa negra
Por Augusto Nunes
Poucas ramificações da nação dos ressentidos são tão detestáveis quanto a tribo dos ex-radicais convertidos ao polo oposto. Há o ex-stalinista que exige a forca para todos os comunistas, o ex-padre que sonha com a incineração de todas as igrejas, o ex-fumante que não admite menos que a prisão perpétua para todos os tabagistas, o ex-alcoólatra que discursa em praça pública contra a presença de licor em bombom ─ e há o ex-seminarista que faz questão de cometer todos os pecados, do pecadilho da futrica aos sete pecados capitais.
É o caso de Gilberto Carvalho.
Nascido em Londrina em janeiro de 1951, casado pela segunda vez, pai de cinco filhos, o secretário de Lula e futuro secretário-geral da Presidência da República saiu ao encontro de Deus aos 12 anos, quando se internou no seminário da Ordem dos Palotinos.
Achou que estava no caminho certo aos 13, ao rezar pela derrubada do governo João Goulart na Marcha da Família com Deus pela Liberdade e ver suas preces prontamente atendidas pelos generais de 1964.
A procura incluiu dois anos de reclusão voluntária (trajando batina de noviço), uma temporada num seminário em Curitiba e estudos de teologia.
Terminou em 1978, quando conheceu Lula, deu por encontrado o seu senhor, abdicou dos valores cristãos, converteu-se à seita do PT e passou a colecionar motivos para ser reprovado no Dia do Juízo Final.
Os mais recentes estão na entrevista publicada pelo Estadão deste 4 de dezembro, que começa com o elogio da vassalagem.
“Ele é duro, muito duro”, disse com voz de coroinha culpado ao comentar o convívio com Lula.
“Às vezes fico com pena dos ministros que recebem certos telefonemas dele. Fico com pena de mim mesmo. Acho que fui o cara que mais apanhou nestes oito anos aqui”.
Pelo tom animado, Gilberto Carvalho acha que o suplício purifica, sobretudo quando infligido pessoalmente pelo salvador da pátria.
De Lula ele sempre aceita tudo, do pito de sinhozinho à bronca de botequim. Sempre cumpriu com dedicação de jesuíta e discrição de comparsa todas as missões que lhe foram confiadas. No fim da entrevista, por exemplo, atendeu a outra encomenda do chefe que não esquece as duas derrotas no primeiro turno: ressuscitar uma das várias infâmias forjadas para vingar-se do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A chance para a execução do serviço sujo apareceu quando a conversa estacionou no escândalo do mensalão. “Lula quer fazer, fora da Presidência, uma análise detalhada do que foi, de fato, aquele processo”, fantasiou.
“Quando fala em farsa do mensalão é porque está convencido de que nunca foi dado dinheiro para alguém votar com o governo”, preparou-se para o golpe baixo a mão miúda de avarento: “Lula sempre disse: ‘Quem comprou voto foi Fernando Henrique na reeleição’”.
A resposta de FHC, publicada nesta quarta-feira pelo Estadão e reproduzida pela seção Feira Livre, desmonta a farsa mais uma vez. Mas o texto é sublinhado pela elegância que um Gilberto Carvalho não merece. Fernando Henrique dispensou-se de escancarar ao menos um dos muitos itens sombrios do alentado prontuário. Poderia ter lembrado, por exemplo, que o entrevistado se tornou, em janeiro de 2001, secretário de Governo do prefeito de Santo André, e estava no cargo quando Celso Daniel foi assassinado um ano depois.
Há pouco mais de um mês, a denúncia do Ministério Público aceita pela juíza Ana Lúcia Xavier Goldman acusou o ex-seminarista de ter integrado a quadrilha que, acampada na prefeitura, tungou dos cofres públicos pelo menos R$ 5,3 milhões. “Gilberto Carvalho concorreu de qualquer maneira para a prática dos atos de improbidade administrativa na medida em que transportava o dinheiro (propina) arrecadado em Santo André para o Partido dos Trabalhadores”, diz a denúncia, que o acusa de repassar o dinheiro a José Dirceu, então presidente do PT.
O secretário do presidente divide o banco dos réus com Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, acusado de mandante do assassinato de Celso Daniel, o ex-secretário de Transportes Klinger Luiz de Oliveira Souza e o empresário Ronan Maria Pinto.
”O valor arrecadado era encaminhado por Ronan ao requerido Sérgio e chegava, em parte, nas mãos de Gilberto Carvalho, que se incumbia de transportar os valores para o Partido dos Trabalhadores”, sustenta a denúncia.
“A responsabilidade de Klinger e Gilberto Carvalho decorre da sua participação efetiva na quadrilha e na destinação final dos recursos.”
Somada às gravações das conversas em que os quadrilheiros procuram impedir o esclarecimento do assassinato de Celso Daniel, a denúncia confirma a real vocação de Gilberto Carvalho.
O menino que queria ser padre, quem diria, virou sacristão de missa negra.
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