O jogo bruto da corrupção
Como uma promotora de Brasília extorquiu o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda com a ajuda de um assessor de seu vice Paulo Octávio
Na manhã do dia 10 de julho de 2009, um automóvel Fiat Linea passou pela guarita da Granja Águas Claras, a residência oficial do governador do Distrito Federal.
Seus dois ocupantes não precisaram se identificar aos seguranças. O motorista era o empresário Marcelo Carvalho, na época o principal executivo do grupo Paulo Octávio, um gigante nos setores de construção civil, hotelaria e comunicações, controlado pelo ex-vice-governador do Distrito Federal Paulo Octávio Pereira.
A passageira, a promotora Deborah Guerner, chegava ali depois de uma cuidadosa preparação para um encontro com o então governador, José Roberto Arruda.
De acordo com denúncia do Ministério Público à Justiça Federal, Deborah Guerner foi à casa do governador fazer uma chantagem: exigir contratos de prestação de serviço para uma empresa de coleta de lixo e, também, a quantia de R$ 2 milhões para não divulgar vídeos que mostravam Arruda e assessores recebendo dinheiro de propina.
Derrubado em março de 2010 pelo escândalo revelado pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, Arruda relatou o encontro com Deborah em dois depoimentos prestados ao Ministério Público Federal.
Em um deles, dado em 29 de setembro e obtido em primeira mão por ÉPOCA, o ex-governador afirma que recebeu a promotora devido a insistentes pedidos do vice, Paulo Octávio.
Diz também que, em nenhum momento, Paulo Octávio lhe contou sobre o que seria tratado na conversa com a promotora.
“Fui apanhado de surpresa. Eu disse que não aceitava chantagem, e ela me ameaçou aos gritos”, diz Arruda.
O ex-governador afirma que foi Carvalho quem telefonou para sua assessoria para confirmar a hora do encontro na residência oficial.
Na versão de Arruda, Carvalho testemunhou boa parte da conversa com Deborah.
Os preparativos para a reunião em Águas Claras foram gravados em vídeo por Deborah.
Como ÉPOCA revelou em junho, a promotora tinha em sua casa um sistema interno de câmeras com sensores infravermelhos.
Ali foram filmados os ex-governadores Joaquim Roriz e Arruda e o então procurador-geral de justiça do Distrito Federal, Leonardo Bandarra.
As gravações dos preparativos mostram que a promotora não esperava uma aceitação imediata de Arruda para suas exigências. O roteiro preestabelecido previa que o então governador telefonaria para Bandarra e Paulo Octávio e seria aconselhado a se acertar com a promotora Deborah.
No dia 7 de julho de 2009 – três dias antes do encontro de Deborah com Arruda –, Marcelo Carvalho foi flagrado pelas câmeras da promotora numa reunião que teve a participação do empresário Jorge Guerner, marido de Deborah.
Eles falavam tão baixo que a perícia da Polícia Federal teve dificuldade para transcrever os diálogos.
Mesmo assim, os técnicos constataram que eles usaram codinomes para se referir a Arruda (“Ricardo”), a Leonardo Bandarra (“Fernando”) e ao delegado Durval Barbosa (“Gabriel”) – o delator do escândalo do panetone, como ficou conhecido o caso.
Em depoimento, Marcelo Carvalho disse que esteve quatro ou cinco vezes na casa de Deborah Guerner para tratar de assuntos profissionais com Jorge Guerner.
Carvalho afirmou que, a pedido de Jorge, providenciou o Fiat Linea na concessionária Bali, pertencente ao grupo Paulo Octávio.
O uso desse carro, segundo os investigadores, tinha o objetivo de camuflar a visita de Deborah ao governador.
Antes de seguirem para Águas Claras, Deborah e o marido chegaram ao estacionamento de um hotel da rede de Paulo Octávio em dois carros – um BMW e um Pajero. Lá, Deborah trocou de carro e entrou no Fiat Linea.
A promotora exigiu R$ 2 milhões e ajuda a uma empresa para não divulgar vídeos contra Arruda
ÉPOCA ouviu o advogado Almeida Castro, o Kakay, responsável pela defesa de Paulo Octávio e de Marcelo Carvalho.
Segundo Kakay, Carvalho teve várias reuniões com Jorge Guerner porque eles planejavam abrir em Brasília uma franquia de uma grife de luxo. Por causa dessa parceria, Carvalho teria concordado em levar Deborah à casa do governador, mas não teria participado da conversa.
Além de Arruda, duas outras testemunhas ouvidas no inquérito afirmam que Carvalho assistiu à conversa da promotora com o ex-governador.
De acordo com Kakay, Paulo Octávio não ajudou Deborah a se encontrar com Arruda.
O que pode ter acontecido, segundo o advogado, é que seu secretário particular, Frank May Neto, tenha pedido a reunião com o governador.
Em depoimento filmado pelos procuradores, Paulo Octávio deu uma versão diferente. Ele diz que atendeu Deborah e pediu a Arruda para recebê-la por causa de “ligações afetivas pretéritas”.
Nos anos 80, Octávio e Deborah foram namorados.
Entre os seis acusados pelo Ministério Público por crime de extorsão está o delegado Durval Barbosa, autor das gravações que derrubaram Arruda.
Em um dos depoimentos, Arruda afirmou que, além de Paulo Octávio, Barbosa também insistiu para que ele recebesse a promotora.
Até agora Barbosa aparecia como principal testemunha de acusação dos esquemas de corrupção no governo do Distrito Federal.
ÉPOCA tentou ouvir Barbosa. Seus interlocutores dizem que ele não pode dar declarações por ser colaborador da Justiça.
Mesmo depois de ser denunciado, Barbosa pode receber benefícios da delação premiada, como a redução ou extinção de penas.
Ao dar detalhes sobre a reunião de Águas Claras ao Ministério Público, Arruda procura se colocar na posição de vítima de uma tentativa de extorsão.
Na verdade, o grande prejudicado são os cofres públicos, de onde saía o dinheiro que abastecia o submundo do governo Arruda
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