A economia
brasileira é um paradoxo. O governo abre a mão e despeja recursos e
incentivos em massa na economia, os juros nunca foram tão baixos, e o
desemprego permanece em patamares mínimos. Tem-se aqui a combinação
perfeita para injetar ânimo e insuflar o consumo e os investimentos.
Mas
o PIB não dá sinais de reação.
Por quê?
Uma primeira explicação estaria
nos efeitos da crise do euro e do pálido crescimento dos países ricos.
Mas só isso não explica a desaceleração. Sofrendo as mesmas pressões
externas negativas, as economias de Chile, Peru e Colômbia têm projeção
de crescimento de 5% para este ano.
O Brasil perdeu o gás por motivos
mais profundos. Há dez anos o governo não faz nenhuma reforma
significativa com impacto positivo no principal indutor da riqueza: a
produtividade.
A melhora na infraestrutura foi medíocre durante todo
esse período, fazer negócios continua a ser um pesadelo burocrático e
tributário, e a qualidade da mão de obra evoluiu, mas pouco.
O
crescimento econômico, enquanto durou, foi resultado de políticas de
crédito barato que não podem ser mantidas indefinidamente e do empuxo
das reformas feitas na década anterior.
Tudo isso, claro, impulsionado
pela valorização dos principais itens da exportação — a produção
agrícola e os minérios.
A balança comercial favorável trouxe bilhões de
dólares e alimentou a expansão do crédito. Agora, sem o vento externo a
favor, os antigos gargalos voltaram a estrangular o PIB”.
Questão política
Dada essa realidade, o normal seria que houvesse um intenso debate no país, a mobilizar as lideranças da oposição (quais, santo Deus!?), os sindicatos, os ditos movimentos sociais, os líderes empresariais…
Mas quê!!!
O que se ouve é um silêncio constrangedor — quando não se tem uma espécie de chacrinha adesista. Há comerciais de bancos, por exemplo, que não se distinguem da voz do oficialismo.
Se as oposições — mais raquíticas do que nunca, é verdade — estão mudas, aquelas outras vozes da sociedade foram cooptadas pelo capilé oficial: numa ponta, compra-se a adesão com o Bolsa Família; na outra, com o Bolsa BNDES; durante um bom período, houve também o Bolsa Juros.
O Butão de dimensões continentais ficou feliz enquanto durou a farra e enquanto o país era a Blanche Dubois da economia — vivendo da boa vontade de estranhos. Na hora de viver segundo os próprios méritos, a receita desandou. E notem: o silêncio não se resume à economia.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu uma entrevista a André Petry, nas Páginas Amarelas da VEJA desta semana. Destaco alguns trechos (em azul):
(…)
O BNDES pega dinheiro do Tesouro e empresta a empresas com juros
subsidiados. Quem paga o subsídio? Nós, os contribuintes.
(…) O Brasil
hoje é o país da Bolsa Família e da Bolsa Empresa, o que resultou na
felicidade geral. Daí o apoio ao governo.
(…) A classe média ficou de fora. Mas, com a prosperidade das bolsas,
as pessoas perderam a motivação para debater. Não há mais debate. O
debate político-partidário perdeu sua centralidade. (…) O debate se
deslocou para a mídia. É por isso que o governo acusa a mídia de ser
oposição. Porque é a única instituição que fala, e o povo ouve.
(…)
[Os partidos] precisam tomar posição diante dos fatos correntes. Como
têm medo de assumir posições, os partidos não falam nada. Legalização
das drogas? Silêncio. Aborto? Silêncio. Relação do Estado com a
religião? Silêncio. Qual é a melhor maneira de resolver a questão do
transporte? Silêncio.
São questões do cotidiano. Questões que levariam a
população a se identificar com os partidos. A própria sociedade civil,
antes vibrante e ativa, se encolheu. Sempre digo: se você não politiza,
não acontece nada.
(…)
Voltei
Concordo com FHC, é evidente. Até porque expressei esse mesmo ponto de vista — EMBORA, MUITO PROVAVELMENTE, ESTIVESSE COM A CABEÇA VOLTADA PARA O OUTRO LADO (já explico o que quero dizer) — num longo artigo publicado na VEJA, na última edição de 2010. Transcrevo trechos para que comparem (também em azul):
(…)
Temos já um Brasil de adultos contribuintes, com uma classe média que
trabalha e estuda, que dá duro, que pretende subir na vida, que paga
impostos escorchantes, diretos e indiretos, a um estado insaciável e
ineficiente.
Milhões de brasileiros serão mais autônomos, mais senhores
de si e menos suscetíveis a respostas simples e erradas para problemas
difíceis quando souberem que são eles a pagar a conta da vanglória dos
governos.
É inútil às oposições disputar a paternidade do maná estatal
que ceva megacurrais eleitorais. Os órfãos da política, hoje em dia, não
são os que recebem os benefícios — e nem entro no mérito, não agora, se
acertados ou não -—, mas os que financiam a operação.
Entre esses,
encontram-se milhões de trabalhadores, todos pagadores de impostos,
muitos deles também pobres!
Esse Brasil
profundo também tem valores — e valores se transformam em política. O
que pensa esse outro país? O debate sobre a descriminação do aborto, que
marcou a reta final da disputa de 2010, alarmou a direção do PT e certa
imprensa “progressista”.
Descobriu-se, o que não deixou menos
espantados setores da oposição, que amplas parcelas da sociedade
brasileira, a provável maioria, cultivam valores que, mundo afora, são
chamados “conservadores”, embora essas convicções, por aqui, não
encontrem eco na política institucional — quando muito, oportunistas
caricatos os vocalizam, prestando um desserviço ao conservadorismo.
Terão
as oposições a coragem de defender seu próprio legado, de apelar ao
cidadão que financia a farra do estado e de falar ao Brasil que desafia
os manuais da “sociologia progressista”?
Terão as oposições a clareza de
deixar para seus adversários o discurso do “redistributivismo”,
enquanto elas se ocupam das virtudes do “produtivismo”?
Terão as
oposições a ousadia de não disputar com os seus adversários as glórias
do mudancismo, preferindo falar aos que querem conservar conquistas da
civilização?
Lembro, a título de provocação, que o apoio maciço à
ocupação do Complexo do Alemão pelas Forças Armadas demonstrou que quem
tem medo de ordem é certo tipo de intelectual; povo gosta de soldado
fazendo valer a lei.
Ora, não pode haver equilíbrio democrático onde não
há polaridade de idéias. Apontem-me uma só democracia moderna que não
conte com um partido conservador forte, e eu me desminto.
(…)
Quais setores da sociedade as oposições pretendem ter como
interlocutores? Continuarão órfãos de representação milhões de eleitores
que não se reconhecem na ladainha pastosa do “progressismo”?
As
oposições têm de perder o receio de falar abertamente ao povo que
trabalha e estuda. Que estuda e trabalha. Em vez de tentar dividir os
louros da caridade, tem de ser porta-voz do progresso.
(…)
Esse comportamento vexado, assustadiço, gerou outro fenômeno. Os setores
da imprensa que não abrem mão de fazer o seu trabalho — e um deles é a
crítica ao poder, a qualquer um — são, então, identificados pelos
petistas como “o verdadeiro partido” a ser combatido e como o “real
inimigo”.
Por isso, os poderosos da hora se esforçam para criar
mecanismos de censura e se declaram em guerra contra o que chamam
“mídia”.
(…)
Retomando
É bem possível, meus caros, que eu e Fernando Henrique Cardoso tenhamos opiniões distintas sobre aquele elenco de temas. Ele integra o que muitos gostam de chamar “campo progressista”, e eu não.
Mas, neste momento, interessa menos o conteúdo do que a postura. A verdade lastimável é que não se ouve a voz da oposição nem na economia nem nas questões que dizem respeito a valores, que são fundamentais para determinar as escolhas políticas.
Ao contrário: vive-se sob a égide da patrulha e do medo.
Querem um exemplo?
Em janeiro deste ano, Alberto Goldman, vice-presidente do PSDB, foi encarregado de escrever um balanço sobre o primeiro ano de governo Dilma (leia post a respeito).
Mandou ver: classificou-o de “medíocre, amorfo e insípido”.
Os adjetivos foram vetados por Sérgio Guerra, presidente do partido, e pela ala mineira. Goldman fez a lista de insucessos do governo, chamando-os de “constrangedora sucessão de fracassos”.
De jeito nenhum!
Depois de submetido à linguagem tucanamente correta, o texto identificou apenas “sérios problemas em diversas áreas”.
Entenderam?
Ainda como membro do Conselho Político do PSDB — instância que nunca chegou a existir de fato —, José Serra, agora candidato à Prefeitura de São Paulo, antecipou com impressionante precisão alguns dos problemas que o país está enfrentando.
Os artigos, publicados na imprensa, estão reunidos em seu site. Os tucanos leram? Parece que estavam pisando os astros distraídos — ou desastrados, como diria um cantor…
Começando a aterrissar
Não existe uma política que seja a negação da… política. Ela só se faz de modo ativo, com os agentes apresentando-se para o debate.
A única voz de “oposição” que se ouve é aquela que os petistas fazem nos estados e cidades a governos rivais — especialmente quando tucanos. Tome-se o caso da greve que paralisou 56 das 58 universidades federais.
Se não espero que tucanos se comportem como os urubus petistas ao menor sinal de problema da USP, a sua inação, nesse caso, chega a ser escandalosa.
Não que eu, pessoalmente, endosse greves de servidores; todos sabem o que penso a respeito, pouco importa quem seja o governo de turno.
O busílis é outro:
— como se deu a expansão dessas instituições de ensino?
— qual é a real situação da infraestrutura dessas entidades?
— em que condições acadêmicas operam essas universidades?
Houve uma ou outra manifestação, mas coisa pequena, sem relevância, muito abaixo da gravidade do problema.
E olhem que o principal arquiteto desse modelo, Fernando Haddad, é o candidato ungido por Lula à Prefeitura de São Paulo, que os petistas passaram a considerar “estratégica”.
O ponto é o seguinte, meus caros: seria ruim ter um governo falando sozinho ainda que ele soubesse para onde vai; não sabendo, aí a coisa já é mesmo temerária.
A pior coisa que pode acontecer ao país é o que eu chamo de “naturalização das escolhas políticas”, como se elas fossem soluções ditadas pela lógica do processo, que não comportassem alternativas.
Ora, se não comportam, com que cara a oposição se apresenta em 2014 para tentar tomar o cetro das mãos de Dilma?
Ainda que faça um governo medíocre, as únicas forças que Dilma tem a temer, dada a toada, são mesmo Lula e o PT…
16.07.2012