Escreveu logo no primeiro parágrafo:
“Na
semana em que o assunto foram os simpáticos beagles, a Folha anunciou a
contratação de um rottweiler. O feroz Reinaldo Azevedo estreou
disparando contra os que protestam nas ruas, contra PT/PSDB/PSOL, o
Facebook, o ministro Luiz Fux e sobrou ainda para os defensores dos
animais.”
Ela se diz preocupada com o “nível da conversa” no jornal e dá um
exemplo de sua superioridade argumentativa e retórica. Quem quiser lhe
mandar uma mensagem, parabenizando-a pelo requinte, segue o endereço: ombudsman@uol.com.br.
Talvez eu
lhe dispense algumas linhas na coluna de sexta, não sei — num único
texto por semana, talvez tenha de deixa-la pra lá. No blog, não tenho
limite de espaço e posso ser generoso com ela. Responder na mesma moeda?
Pra quê? Suzana decidiu, como os nazistas, meter um triângulo amarelo
em mim. Se bem que, fiel ao código de cores dos campos de concentração, o
triângulo deveria ser, então, vermelho, que era aquele dispensado aos
inimigos ideológicos — eventualmente, o púrpura serviria.
Como sabem
todas as pessoas com as quais falei sobre a coluna de estreia, antevi o
texto da ombudsman, cantei a bola. Suzana é um caso de esfinge sem
segredos. Em tempos em que cachorros são tratados com mais cerimônia do
que pessoas, ser associado a um cão não deve ser tomado como ofensa. É
bem verdade que a ombudsman deixa claro: há uma diferença entre Reinaldo
Azevedo e os beagles — uma só. Estes são simpáticos; eu sou “feroz”. É…
Eu, na condição de cachorro, não sou fofo.
Duvido que
algum colunista, jornalista ou colaborador da Folha tenha sido antes
chamado de cachorro por um ombudsman ou por qualquer outro profissional
do jornal. Suzana será a heroína da Al Qaeda eletrônica. A tática é
antiga: desumanize aquela que considera adversário; trate-o como coisa
ou bicho feroz, e aí fica mais fácil atacá-lo ou defender a sua
eliminação.
Não sou
bobo. Esperava, sim, uma reação agressiva, mas não achei que Suzana
chegasse a tanto. O vocabulário espanta, mas a qualidade intelectual da
crítica não me surpreende. Voltem lá. Segundo a ombudsman, “o
feroz Reinaldo Azevedo estreou disparando contra os que protestam nas
ruas, contra PT/PSDB/PSOL, o Facebook, o ministro Luiz Fux e sobrou
ainda para os defensores dos animais.”
Meu texto, para quem não leu, está aqui. E quem leu sabe:
a: não disparei contra quem protesta, mas contra quem pratica atos violentos; isso é ser feroz?
Aliás, Suzana, tome mais cuidado com as metáforas: cão não dispara. Se
você tivesse escrito “latiu contra”, seu texto continuaria com o mesmo
grau de elegância, mas haveria coerência na cadeia alegórica. É uma dica
de estilo de um rottweiler.
b: minha restrição ao PT
foi precisa: critiquei o partido por atacar sistematicamente as
instituições, inclusive a imprensa livre; isso é ser feroz?;
c: minha restrição ao
PSDB foi precisa: critiquei o partido por não ter construído valores
alternativos aos do petismo; isso é ser feroz?;
d: minha restrição ao
PSOL foi precisa; critiquei o partido por usar os professores em favor
de sua agenda supostamente revolucionária; isso é ser feroz?;
e: minha restrição a Luiz
Fux foi precisa: critiquei o ministro por ter transformado o STF em
alçada da Justiça Trabalhista e concedido uma absurda liminar; isso é
ser feroz?;
f: nem cheguei a criticar o Facebook; apenas neguei que a revolta egípcia tenha sido determinada por ele; isso é ser feroz?;
g: não ataquei os defensores dos animais, mas aqueles que invadiram um laboratório, numa ação obscurantista;
h: também critiquei, ela
esqueceu de citar, o Congresso, que tende a acabar com todas as votações
secretas (não apenas a de cassação de mantados, o que apoio) e os
defensores do financiamento público de campanha.
Digam-me:
ainda que ela escrevesse a verdade, seria proibido, para recorrer à
metáfora belicosa de Suzana, “disparar” contra o PT, o PSDB, o PSOL, o
Fux, o Facebook, os defensores dos animais etc.? Critiquei, sim, Suzana,
humanos e atos humanos, mas não precisei desumanizar ninguém para
facilitar a minha tarefa.
Suzana
adere a correntes da Internet que são politicamente orientadas, que
obedecem a um comando, que têm a sua origem em sites e blogs financiados
com dinheiro público, para difamar desafetos. Na Folha, no meu blog ou
em qualquer lugar, escrevo o que penso. Não é o dinheiro dos pobres, que
teria um fim mais nobre se aplicado em saúde e educação, que financia a
minha opinião.
Nada de espuma, Suzana! Faço um convite
Suzana escreve:
“No impresso, espera-se mais
argumento e menos estridência. Mais substância, menos espuma. Do
contrário, a Folha estará apenas fazendo barulho e importando a
selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet.”
Eu aceito
um debate público com Suzana — fica aqui não um desafio, mas um convite —
sobre cada um dos temas acima. Até porque parece haver opiniões minhas
sobre outros assuntos que a angustiam. Eis o segundo parágrafo de sua
coluna (em vermelho):
“Eu sou mesmo um reacionário à moda antiga”,
escreveu o jornalista na quarta-feira, emendando que é “humanista e
cristão”, contra o aborto e contra a pena de morte. Dá para deduzir o
que ele pensa dos governos Lula e Dilma pelo título do seu livro “O País
dos Petralhas”, uma corruptela de petistas e irmãos Metralha.
Suzana, Suzana…
Tentarei ser didático. Quando alguém
escreve “sou um reacionário à moda antiga”, está fazendo uma ironia
porque, dada a origem da palavra e dado o conceito político, o
“reacionário” já está voltado, de algum modo, para o passado; sua
postura é, necessariamente, restauracionista. Assim, ele já é, por
definição, alguém “à moda antiga”. Se um autor se diz “reacionário à
moda antiga”, pode estar querendo fazer um espécie de gracejo; pode
estar querendo, Suzana, apontar que os valores estão de tal sorte de
ponta-cabeça que a defesa da vida humana vira coisa de “reacionários”.
Não dá para desenhar. De resto, pare de imaginar o conteúdo dos livros.
Havendo tempo, leia-os. Ou não comente. E “petralha” não é uma
corruptela — corruptela é outra coisa.
O texto a que Suzana alude está aqui. Reproduzo o trecho de onde ela extraiu umas poucas palavras. Constatem a minha “ferocidade”.
(…)
Pois é, meus caros… Eu sou mesmo
um reacionário à moda antiga. Eu ainda considero o ser humano uma
espécie superior a todas as outras. Se eu fosse apenas um humanista, e
acho que sou também, pensaria assim. Como me considero humanista e
cristão, ainda acredito que somos também a morada do espírito de Deus.
“Que nojo, Reinaldo! Eu prefiro os beagles.” Tudo bem.
Sou, assim, esse lixo que não
aceita a pena de morte, mas também não aceita o aborto. Sou, assim, esse
lixo que recusa que embriões humanos sejam tratados como coisa — porque
se abre a vereda para a coisificação do próprio homem. Repudio de
maneira absoluta certa estupidez que anda por aí, segundo a qual uma
hierarquia entre espécies seria mera questão de valor. No fim das
contas, dizem, somos todos formados de aglomerados muito semelhantes.
Teses assim ecoam os piores totalitarismos.
(…)
Para quem
sabe do que se trata, estou falando de outro Singer, o Peter. Suzana não
tem tempo para essas coisas. Espero que não tente meter em mim, também,
o triângulo púrpura, destinado aos cristãos. Escreve ela (em vermelho):
Sua volta à Folha, onde já havia
trabalhado como editor-adjunto de política, suscitou reações fortes. O
leitorado mais progressista viu a chegada do colunista como o coroamento
de uma “guinada conservadora” do jornal. “Trata-se de uma pessoa que
dissemina o ódio e não contribui com opiniões construtivas”, escreveu a
socióloga Mariana Souza, 35.
Poucos se manifestaram a favor de
Reinaldo, mas isso não significa que não exista uma parcela
considerável que esteja comemorando a sua vinda, já que ao ombudsman
costumam recorrer os insatisfeitos. Ana Lúcia Konarzewski, 61,
funcionária aposentada do IBGE, afirma que vai voltar a assinar o jornal
por causa do novo colunista. “Não aguentava mais tanta gente defendendo
o governo”, disse.
Honestidade intelectual e profissional, Suzana!
Aguardo no blog um comentário de Mariana
Souza para que ela aponte os textos meus que disseminam o ódio.
Reproduzir o que a Internet financiada por estatais e pelo governo diz
não vale. Segundo Suzana, poucos se manifestaram a meu favor, mas admite
que parcela considerável também comemora, “já que ao ombudsman recorrem
os insatisfeitos”.
Epa! Não
informar que sites e blogs petistas, financiados por estatais,
organizaram desde quarta-feira uma verdadeira corrente de linchamento é
não cumprir com o mandamento básico da honestidade intelectual e
profissional. O que queria Suzana? Que eu reagisse com uma
contracorrente? “Escrevam e telefonem para a ombudsman; digam que a
Folha acertou e que eu sou bacana.” Ora…
Mantenho o
meu convite a Suzana. Proponho o debate. Vamos falar sobre argumentos e
espuma. Ela adverte a Folha para que não “importe” o “barulho
e a selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet” e para
que a conversa fique “à altura do que escrevem Janio de Freitas e Elio
Gaspari, colunistas do mesmo espaço.”
No que me
diz respeito, e estou certo que também aos outros novos, ela pode ficar
tranquila. Não chamarei ninguém de cachorro, como não chamo aqui, e
vocês sabem disso. Mas continuarei, se ela me der licença, a criticar o
PT, o PSDB, o PSOL, o Fux, o Facebook, os arruaceiros… Continuarei, a
exemplo do que fiz na minha coluna, que não dirige uma só ofensa a
ninguém, a apelar a alguns interlocutores, às vezes encobertos: a
Constituição dos EUA, Maquiavel, Locke, Nietzsche, Singer (o Peter, não a
Suzana). “Nossa, como esse Reinaldo quer ser sabido!…” Não! Reinaldo
procura quem já foi mais longe para tentar ganhar tempo.
Suzana diz
que sou um “rottweiler”, que sou “feroz” e que meu texto de estreia
revela isso. Ela deve a seus leitores, ela deve aos leitores da Folha —
de quem é procuradora — e ela deve a meus leitores a evidência.
A gente
sempre duvida se começou ou não com o pé direito (só força de expressão,
viu, Suzana?!). Tinha escrito outro texto, sobre tema diverso, e mudei
na última hora (do prazo que me impus para enviar o texto, bem
entendido). Chamado de cachorro pela ombudsman, já não duvido: acertei
em cheio. “Acertou em quê?” No compromisso que mantenho com os leitores.
Suzana só não pode esperar de mim a fofura de um beagle.
Exigência, recomendação e alerta
Encerro com um pedido e uma declaração:
leitor deste blog que se preza, eventuais admiradores do colunista e
pessoas eventualmente chocadas com o destempero de Suzana não lhe
dirigirão uma só palavra desairosa — nem no espaço de comentários (serão
vetados) nem em eventuais mensagens à própria ombudsman. Também não
aceitarei comentários que tentem vincular as opiniões da jornalista a
esta pessoa ou àquela. Ela é capaz de pensar essas coisas sozinha.
Os
próceres da rede suja na Internet não hesitarão em dirigir à ombudsman
as piores ofensas, disfarçados de “leitores do Reinaldo”. O jogo é
pesado. Não caiam no truque de vigaristas.
Suzana não escreveu nem como beagle nem como rottweiler. Esse tipo de mordida é coisa de gente.
27/10/2013
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