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quarta-feira, 18 de maio de 2011

A pedagogia da ignorância



Ao anunciar que o Ministério da Educação (MEC) não recolherá o livro didático com erros gramaticais distribuído a 485 mil estudantes, o ministro Fernando Hadad voltou a ser protagonista de confusões administrativas.

Depois das trapalhadas que cometeu na aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio em 2009 e 2010, agora ele afirma que não pode interferir no conteúdo das publicações adquiridas pelo Programa Nacional do Livro Didático nem julgar o que é certo ou errado em matéria de português, cabendo-lhe apenas decidir o que é "adequado" em política pedagógica.

Com isso, embora tenha por diversas vezes prometido melhorar a qualidade do ensino fundamental, Haddad, paradoxalmente, endossou a pedagogia da ignorância.

Produzido por uma ONG e de autoria da professora Heloísa Ramos, o livro Por uma vida melhor defende a supremacia da linguagem oral sobre a linguagem escrita, admitindo que "é certo falar errado". Corrigir o erro é "preconceito".

A tese não é nova, já foi rechaçada pela Academia Brasileira de Letras e sempre foi duramente criticada nas faculdades de pedagogia. Além disso, o livro do MEC que admite erro de português não é uma obra de linguística, mas uma publicação pedagógica. Não foi escrito para linguistas, mas para quem precisa de um bom professor de português para ler, falar e escrever de modo correto - condição básica para que se possa emancipar culturalmente.

"Não tem de se fazer livros com erros. O professor pode falar na sala de aula que temos outra linguagem, a popular. Os livros servem para os alunos aprenderem o conhecimento erudito", diz a professora Míriam Paura, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ. "Uma coisa é compreender a evolução da língua, que é um organismo vivo. A outra é validar erros grosseiros. É uma atitude de concessão demagógica. É como ensinar tabuada errada. Quatro vezes três é sempre doze, seja na periferia ou no palácio", afirma o escritor Marcos Vilaça, presidente da ABL.

Sem argumentos para refutar essas críticas, o MEC alegou que a aquisição do livro Por uma vida melhor foi aprovada por "especialistas", com base em parecer favorável de docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e afirmou que o edital para a aquisição de livros didáticos enfatiza a importância de "novos tipos de reflexão sobre o funcionamento e as propriedades da linguagem em uso" e da "sistematização dos conhecimentos linguísticos correlatos mais relevantes". Isso dá a medida da falta de rigor do processo de escolha, que "desperdiça dinheiro público com material que emburrece, em vez de instruir", como diz a procuradora da República Janice Ascari.

A autora do livro politizou a discussão. "No tempo em que só a elite ia para a escola, talvez a norma culta bastasse. Hoje, com o acesso da classe popular, a formação tem de ser mais ampla. Nosso livro é direcionado para aquele que pode ter sido discriminado por falar errado", disse ela. Em outras palavras, exigir a correção de linguagem é ser preconceituoso. A reação foi imediata. "É um absurdo esse paternalismo condescendente de não corrigir erros gramaticais.

Com isso, consolida-se o conceito de coitadinho, pernicioso e prejudicial ao desenvolvimento dos cidadãos.

Qualquer um pode cometer os barbarismos linguísticos que quiser, mas deve saber que eles só se sustentam dentro de um contexto e têm preço social", diz a escritora Ana Maria Machado, doutora em Linguística e Semiologia, integrante da ABL e ganhadora do Prêmio Hans Christian Andersen - o Nobel da literatura infantil.

Como o País tem um padrão de ensino reconhecidamente baixo, o que se deveria esperar do MEC é um mínimo de responsabilidade na escolha dos livros didáticos distribuídos na rede pública. Ao impor a pedagogia da ignorância a pretexto de defender a linguagem popular, as autoridades educacionais prejudicam a formação das novas gerações.

É por isso que um grupo de membros do Ministério Público, liderado pela procuradora Janice Ascari, anunciou que processará o MEC por "crime contra a educação".
18 de Maio de 2011

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