por Fernando Henrique Cardoso*
Hora de avançar a partir do que conseguimos nestes 25 anos de democracia e de buscar um futuro melhor para todos. As bases para o Brasil preservar seus interesses sem temer o mercado internacional estão dadas.
Convém mantê-las.
Controle da inflação, pelo sistema de metas, câmbio flutuante, lei de responsabilidade fiscal, autonomia das agências regulatórias, são pilares que podem se ajustar às conjunturas, mas não devem ser renegados, e não podem estar sujeitos a intervenções político-partidárias e interesses de facção.
Há, contudo, desafios: o novo governo terá de cuidar de controlar os gastos correntes e de conter a deterioração da balança de pagamentos (sem fechar a economia ou inventar mágicas para aumentar artificialmente a competitividade de nossos produtos).
Perdemos tempo com uma discussão bizantina sobre o tamanho do Estado ou sobre a superioridade das empresas estatais em relação às empresas privadas ou vice-versa.
Ninguém propõe um “Estado mínimo”, nem muito menos o PSDB.
Outra coisa é inchar o Estado, com nomeações a granel, e utilizar as empresas públicas para servir a interesses privados ou partidários.
A verdadeira ameaça ao desenvolvimento sadio não é privatizar mais, tampouco o PSDB defende isto. Empresas estatais se justificam em áreas para as quais haja desinteresse do capital privado ou necessidade de contrapeso público.
Não devem acobertar ganhos políticos escusos nem aumentar o controle partidário sobre a economia.
Precisam dispor de sistemas de governança claros e transparentes. A ameaça é continuar a escolher, como o governo atual, quais empresas serão apoiadas com dinheiro do contribuinte (sem que este perceba), criando monopólios, ou quase monopólios, que concentrarão mais ainda a renda nacional.
Além disso, a política continuada de aumento real do salário mínimo a partir de 1994, a extensão de programas sociais a camadas excluídas e a difusão de mecanismos de transferência direta de renda (as bolsas), melhoraram as condições de vida e ampliaram o mercado interno.
Tudo isso precisa ser mantido. Caberá ao novo governo reduzir os desperdícios e oferecer serviços de melhor qualidade, melhor avaliados e com menor clientelismo.
Não se pode elidir uma questão difícil: a expansão dos impostos sustentou os programas sociais. Atingiu-se um limite que, se ultrapassado, prejudicará o crescimento econômico. É ilusão pensar que um país possa crescer indefinidamente puxado pelo gasto público financiado por uma carga tributária cada vez maior e pelo consumo privado.
Falta investimento, sobretudo em infraestrutura, e falta poupança doméstica, principalmente pública, para financiá-lo. Maior poupança pública não virá de maior tributação. Ao contrário, é preciso começar a reduzir a carga tributária, sobretudo os impostos que recaem sobre a folha de pagamentos, para gerar mais empregos.
Para investir mais, tributar menos e dispor de melhor oferta de serviços sociais, não há alternativa senão conter o mau crescimento do gasto. Isso permitirá a redução das taxas de juros e o aumento da poupança pública, como condição para aumentar a taxa de investimento na economia.
Nem só de economia e políticas sociais vive uma nação. Os escândalos de corrupção continuam desde o mensalão do PT. Há responsabilidades pessoais e políticas a serem cobradas e condenadas.
Mas há também desvios institucionais: o sistema eleitoral e partidário está visivelmente desmoralizado. Uma reforma nesta área se impõe. Ela se fará mais facilmente no início do próximo governo e se houver um mínimo de convergência entre as grandes correntes políticas. O PSDB deve liderar esse debate na busca de consenso.
O mesmo se diga da segurança pública. Há avanços no plano federal e em vários Estados. A expansão da criminalidade advém do crime organizado e do uso das drogas. O dia a dia das pessoas é de medo.
As famílias e as pessoas precisam de nossa coragem para propor modos mais eficientes de enfrentar o tema. A despeito da melhoria do sistema jurisdicional e prisional, estamos longe de oferecer segurança jurídica às empresas e, o que mais conta, às pessoas.
Olhando o futuro, falta estratégia e sobram dúvidas: o que faremos no campo da energia?
Onde foi parar o programa do biodiesel?
Que faremos com os êxitos que nossos agricultores e técnicos conseguiram com o etanol?
Que políticas adotar para torná-lo comercializável globalmente?
A discussão sobre as jazidas de petróleo se restringirá à partilha de lucros futuros ou cuidaremos do essencial: a base institucional para lidar com o pré-sal, a busca de tecnologias adequadas e de uma política equilibrada de exploração?
E a “revolução educacional”, que, com as honrosas exceções em um ou outro Estado, é apenas objeto de reverência, mas não de ação concreta?
Finalmente: que papel desempenharemos no mundo, o de uma subpotência bélica ou a de um país portador de uma cultura de convivência entre as diferentes raças e culturas, com tolerância e paz, embora cioso de sua segurança?
Tudo isso e muito mais está à espera de um debate político maduro, que à falta de ser conduzido por quem devia fazê-lo, por ter responsabilidades de mando nacional, deve ser feito pela sociedade e pelos partidos.
*Ex-presidente da República
Zero Hora07 de março de 2010
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