Procurador-geral da República opina pela rejeição de todos os embargos de declaração apresentados pelos réus; decisão será do plenário do STF
Gabriel Castro, de Brasília Veja.com
STF discute cassação de deputados condenados pelo mensalão, em 10/12/2012
Fellipe Sampaio/SCO/STF
O procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, apresentou nesta sexta-feira parecer contrário aos embargos de declaração apresentado pelos 25 réus condenados no julgamento do mensalão. O pronunciamento do chefe do Ministério Público Federal é pela aplicação integral das penas estabelecidas durante o julgamento, encerrado em dezembro. O sistema de acompanhamento processual do Supremo Tribunal Federal (STF) não divulga detalhes da manifestação de Gurgel - informa apenas que o procurador "opina pela rejeição dos embargos". O procurador se antecipou ao fim do prazo regimental para emitir seu parecer: ele podia fazê-lo até o dia 16.
Se a corte não estabelecer que o revisor do processo, Ricardo Lewandowski, também precisa se pronunciar sobre os recursos, os embargos seguirão agora diretamente para o plenário, onde serão analisados por todos os ministros da corte. Ainda não há previsão de data para a análise dos recursos.
Os embargos declaratórios são utilizados pelos réus para apontar eventuais falhas ou omissões no acórdão do processo. Eles geralmente servem mais para protelar a decisão final do que para alterar a pena imposta. Após essa etapa, o Supremo ainda necessita analisar se acatará os chamados embargos infringentes - apresentados pelos réus que, apesar de condenados, tiveram a seu favor o voto de quatro ministros, dos onze que normalmente compõem a corte.
Glossário
EMBARGO DECLARATÓRIO Recurso utilizado para esclarecer omissões ou contradições da sentença. Pode corrigir trechos do veredicto do tribunal, mas não serve para reformular totalmente a decisão dos ministros
EMBARGO INFRINGENTE Recurso exclusivo da defesa quando existem quatro votos contrários à condenação e que permite a possibilidade de um novo julgamento do réu. Apenas os trechos que constam dos embargos podem ter seus efeitos reapreciados; o restante da sentença condenatória segue intacta
Embargos de declaração - Nos recursos, um dos argumentos mais ousados apresentados foi justamente proposto por José Dirceu e Roberto Jefferson. Embora em lados opostos, tanto o chefe da quadrilha do mensalão quanto o delator do escândalo pediram que o ministro Joaquim Barbosa fosse afastado da relatoria do caso na fase dos recursos. Apesar de ter poucas chances de sucesso, as defesas tentam se livrar da rigidez do magistrado na condução do processo. Juridicamente, alegam que Barbosa não poderia acumular as funções de relator e de presidente do STF.
A defesa dos mensaleiros também insistiu, nos embargos de declaração, na tese de que apenas os réus com direito a foro privilegiado na época do julgamento - os deputados João Paulo Cunha, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto - deveriam ter sido julgados originariamente no STF. A estratégia é que, julgados na 1ª instância, os réus poderiam recorrer a instâncias superiores, arrastar o processo e, consequentemente, não começar a cumprir de imediato as penas de condenação. A necessidade de desmembramento é defendida, por exemplo, pelas defesas de José Genoino, Marcos Valério, Bispo Rodrigues e do banqueiro José Roberto Salgado. O STF decidiu, entretanto, não desmembrar o processo em 2006.
Dirceu, João Paulo Cunha e os banqueiros Kátia Rabello e José Roberto Salgado questionaram a metodologia do STF de ampliar as penas em cada crime porque os réus ocupavam posições de chefia no esquema. Os advogados alegam que os mensaleiros foram penalizados mais de uma vez por ocuparem postos hierarquicamente superiores.
"A presidente Dilma Rousseff militou em organizações terroristas" Carlos Alberto Brilhante Ustra
FOLHA DE BRASÍLIA
Em um depoimento tumultuado, com bate-boca e gritaria, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra afirmou nesta sexta-feira (10) à Comissão Nacional da Verdade que nunca matou nem torturou durante a ditadura.
Segundo ele, toda a ação do regime militar teve como objetivo proteger o país de uma ditadura de esquerda.
O ex-chefe do DOI-Codi de São Paulo entre os anos de 1970 e 1974, auge da repressão violenta aos resistentes ao regime, ainda afirmou que a presidente Dilma Rousseff militou em organizações terroristas.
"Nunca houve [assassinatos]. Quem deveria estar aqui é o Exército brasileiro. Todas as organizações tinham como objetivo implantar a ditadura do proletariado, o comunismo. [Mesmo] a presidente Dilma integrou organizações terroristas", afirmou ele, no primeiro depoimento público da comissão. O órgão que ele comandava era o principal centro de repressão do regime.
Ustra na Comissão Nacional da Verdade
Sérgio Lima/Folhapress
Coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra durante depoimento público na Comissão Nacional da Verdade
Mesmo com uma decisão judicial que lhe dava o direito de não falar, Ustra fez uma defesa inicial e depois decidiu responder, muitas vezes aos gritos e batendo na mesa, diversas perguntas feitas pelos membros da comissão José Carlos Dias e Claudio Fonteles. A outras se manteve calado.
"Nunca cometi assassinatos, nunca ocultei cadáveres, sempre agi segundo a lei e a ordem. Não vou me entregar. Lutei, Lutei e lutei", disse batendo na mesa.
Ele chegou por uma porta lateral do auditório onde ocorreu o depoimento, de óculos escuros e usando uma bengala, acompanhado de seu advogado --que ficou ao seu lado durante todo o tempo.
O coronel reformado foi inquirido sobre casos específicos e de maneira geral sobre os casos de violações aos direitos humanos dos quais é acusado --ele responde diversas ações que tentam responsabilizá-los civilmente pelos fatos, uma vez que ele é beneficiário da Lei da Anistia e não pode ser imputado criminalmente.
Negou todas, como sempre fez nos últimos anos. Mas quando questionado sobre a existência do pau de arara e da "cadeira do dragão", nome dado a um aparelho para a aplicação de choques elétricos, preferiu não responder.
Questionado sobre estupros e corrupção no DOI, ele disse que era sim responsável por tudo o que ocorria dentro do órgão, mas jurou por Deus que esses crimes não ocorreram. "Isso nunca aconteceu. Digo em nome de Deus." Ustra também reiterou que os mortos foram mortos em combate.
O depoimento esquentou de vez quando Fonteles começou a perguntar. Ele citou um documento secreto produzido pelo próprio Exército, já conhecido, mostrando que durante a gestão de Ustra ao menos 50 pessoas morreram dentro do DOI, depois de presos.
Ustra se irritou ainda mais e disse que esse documento não prova que eles morreram dentro das instalações governamentais. Fonteles replicou com mais gritos, dizendo que o documento era claro.
"Você acha que eles eram anjinhos que foram mortos na prisão. Eles eram terroristas armados", gritou Ustra.
Fonteles propôs então uma acareação entre Ustra e o vereador de São Paulo Gilberto Natalini (PV), que momentos antes dera um depoimento, na mesma sessão, dizendo que foi torturado com requintes de crueldade por Ustra.
Ustra se negou: "Eu não faço acareação com terrorista". Natalini, que estava na plateia, prontamente se levantou, apontou o dedo para Ustra e gritou: "Eu não sou terrorista. Terrorista é você!".
Neste momento, dois outros homens da plateia, que até então não tinham falado, se levantaram também e gritaram: "Terrorista pode falar? Se terrorista pode falar eu também quero falar!".
A gritaria, em tom de ameaça, se estendeu por alguns minutos. Fonteles teve de, aos gritos, mandar as pessoas se calarem e, poucos minnutos depois, encerrou o depoimento.
Os dois homens que defenderem Ustra acenaram para ele na saída. Um deles não quis se identificar, apesar da insistência de jornalistas. O outro era o general Rocha Paiva, que já deu diversas declarações contra a Comissão da Verdade.
Para Fonteles, o resultado do depoimento foi positivo. "É assim que funciona a democracia."
MARIVAL CHAVES
Mais cedo, antes do depoimento de Ustra e de Natalini, falou o ex-militar Marival Chaves, que trabalhou no DOI-Codi entre 1973 e 1976 --quatro meses sob o comando de Ustra.
Ele repetiu o que vem dizendo há 21 anos (sua primeira entrevista foi à revista "Veja" em 1992) e relatou que ocorriam rotineiramente torturas no DOI e Ustra sabia, além de participar delas.
Apesar de nunca ter presenciado sessões de sevícias, ele diz que elas eram assunto corriqueiro entre os funcionários. "Depois de cada episódio o público interno fervia."
Segundo ele, diversas pessoas morreram nas instalações do órgão, e esses crimes eram escamoteados "pelos chamados 'teatrinhos'": suicídios ou conflitos com a polícia forjados.
"Um capitão era o senhor da vida e da morte", afirmou sobre como as violações poderiam ocorrer.
Foi uma noite para ser esquecida, segundo a definição de alguns. Ou para nunca mais ser esquecida. O nível dos debates ficou tão baixo que o presidente da Câmara, Henrique Alves, disse que, em 40 anos de vida parlamentar, jamais vira espetáculo tão degradante.
Não se poderia esperar outra coisa dos principais combatentes da noite, os deputados Eduardo Cunha, do PMDB, e Anthony Garotinho, do PR, ambos do Rio, antigos aliados, hoje grandes desafetos.
Garotinho acusou a emenda aglutinativa patrocinada por Cunha de cheirar mal, de ter motivações escusas e, nos bastidores, falava abertamente em milhões de reais por baixo da mesa para favorecer interesses de empresários. Cunha referiu-se a Garotinho como o batedor de carteira que sai gritando “pega ladrão” para distrair a atenção.
A baixaria foi tão grande que a piada no plenário era que, em vez de citar Tio Patinhas, referindo-se ao autor da emenda, Garotinho deveria falar nos Irmãos Metralha. E a consequência lógica era que os dois tinham razão.
Com a acusação genérica de Garotinho, aconteceu o imprevisível: todos os líderes que se preparavam para aprovar a votação retiraram o apoio, com receio de serem apontados como corruptos.
Não se sabe se a atitude de Garotinho foi apenas contra o adversário Eduardo Cunha ou se tinha um alcance mais amplo que o de impedir que a emenda aglutinativa fosse votada. Nesse caso, estaria fazendo um trabalho para a presidente Dilma, que quer aprovar a medida provisória que enviou ao Congresso com as mudanças negociadas com a base.
Ainda há grande perplexidade no Congresso, e ninguém sabe se haverá condições de aprovar a medida provisória antes que caduque, no dia 16. Como a nova Lei dos Portos foi encaminhada sem uma negociação prévia no Congresso, agora os empresários de várias correntes procuram seus deputados e senadores defendendo seus interesses.
Mesmo que o objetivo seja modernizar os portos, imprescindível para destravar a economia, muitos detalhes encontram objeções entre os setores envolvidos.
O fato de o texto da MP ter recebido nada menos que 645 emendas, sendo que 150 foram aceitas pelo relator, mostra o grau de desentendimento que existe sobre a matéria.
Além do mais, a presidente deixou vazar que não honraria as emendas acatadas pelo relator, o que deixou os interlocutores do Planalto sem voz ativa no Congresso, provocando críticas especialmente às ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann.
As principais críticas à MP são sobre a ação dos sindicatos na contratação de pessoa. E também à ingerência governamental, que mais ou menos recria a Portobras, pois eleva o poder dos burocratas federais, impedindo que um porto estadual, como Suape, continue na boa trilha e acaba com a participação direta de trabalhadores e empresários no Conselho de Autoridade Portuária (CAP).
Pela MP, o CAP passaria de deliberativo a consultivo, sem poder decisório algum. No plenário, os deputados lembravam que a Lei dos Portos de Itamar Franco tramitou como projeto de lei, de forma democrática, ao contrário da de Dilma, que tentou fazer o mesmo por MP, por si só impositiva, cheia de erros e geradora de conflitos.
Mesmo os partidos de oposição, que pretendiam votar com o governo porque consideram que é importante modernizar os portos, encontraram dificuldades para defender suas posições diante dos desentendimentos da própria base governista.
Mais importante que o resultado desse embate é a constatação de que a maioria parlamentar do governo na verdade não existe. Cada partido, ou grupo de parlamentares, defende seus interesses e não está alinhado a um projeto de governo.
Mesmo porque não existe uma atuação parlamentar do governo em sintonia dentro do Congresso, pois as discussões ocorridas na noite de quarta-feira aconteceram basicamente entre lideranças de partidos da base aliada, que se encontram cada dia mais estressadas diante da incerteza de um poder futuro.
Com a economia em situação preocupante, a descoordenação da atividade parlamentar e a inaptidão da presidente Dilma para a negociação política, cada um tenta entender onde está a expectativa de poder futuro para se posicionar corretamente na disputa presidencial.
O favoritismo de Dilma vai dando lugar a uma incerteza que coloca sua base partidária em polvorosa.
Escolhido por Dilma Rousseff para o cargo de ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos aceitou prontamente o convite que lhe permitirá, simultaneamente, engordar o mastodôntico primeiro escalão, entrar na farra dos gastos públicos e adubar a horta de inutilidades resultantes de cruzamentos oportunistas. Eleito há dois anos e meio na garupa de Geraldo Alckmin, Afif é um vice-governador sem nada de relevante a fazer.
Tem tempo de sobra para também não fazer nada na pior equipe ministerial de todos os tempos.
Com o número 39 nas costas, vai sentir-se em casa jogando no time retratado em 3 x 4 no post republicado na seção Vale Reprise. É o homem errado no lugar errado, o que confirma o acerto da indicação.
Na campanha presidencial de 1989, durante um debate na Band, o candidato Guilherme Afif Domingos teve a má ideia de cutucar Mário Covas com a pergunta provocadora: “Com qual das duas caras você vai se apresentar nessa eleição?” Resposta de Covas: “Eu acho que tenho só uma cara, mas, se eu tivesse várias, certamente todas elas teriam vergonha”.
O desfecho do negócio que o tornou ministro reafirma aos berros que é Guilherme Afif Domingos quem tem duas caras ─ ou mais.
No livroO X da questão, uma autobiografia escrita com o jornalista Roberto D’Avila e lançada em 2011, o empresário Eike Batista
narra a própria trajetória no mundo dos negócios e dá sua receita para o
sucesso.
Eike era, então, o homem mais rico do Brasil e o oitavo do
mundo, com uma fortuna pessoal estimada em US$ 30 bilhões (cerca de R$
60 bilhões ao câmbio atual).
No livro, Eike exalta a própria capacidade
de transformar projetos em ouro e sua facilidade para captar bilhões no
mercado financeiro.
Fracassos anteriores, como uma fábrica de jipes e
uma empresa de encomendas expressas que ele tentara montar, entram na
história apenas para reforçar o êxito que viria depois.
“Uma convicção
se forjou em mim desde muito cedo: você cresce com as dificuldades. Ou
‘estresses’, como prefiro chamar”, diz Eike.
“O estresse separa os
homens dos meninos, os verdadeiros empreendedores dos que jamais
montariam um negócio por sua própria conta e risco.”
Eike não dá sinal, em nenhum momento do texto, de que estava prestes a
viver o maior estresse de sua vida empresarial.
Nas autobiografias
precoces, o capítulo seguinte acaba escrito pela vida real – e, no caso
de Eike, não seria o mais brilhante da história.
Pouco depois de lançar o
livro, as coisas começaram a desandar, no maior teste para sua
capacidade de crescer na adversidade. Seu império bilionário, erguido
velozmente em sete anos, começou a desmoronar em ritmo ainda mais
rápido.
O estouro da “bolha Eike” transformou-se em tema de conversas
entusiasmadas em Brasília, Londres e Nova York, nos bancos e na Bolsa de
Valores, nos jornais e nas mesas de bar.
Ele formou um dos maiores
grupos empresariais do Brasil, com projetos bilionários em áreas-chaves
da economia, como petróleo, energia, logística, construção naval e
portos.
No total, estima-se que eles já tenham consumido mais de R$ 50
bilhões, entre recursos captados na Bolsa e empréstimos feitos pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por bancos
comerciais, estatais e privados.
“Apesar das dificuldades vividas pelo
grupo, é prematuro dizer que ele quebrará”, afirma o presidente de um
grande banco do país. Desde já, porém, pode-se dizer que o Eike que
sobreviverá deverá ser uma fração daquele que parecia ter conquistado o
Everest dos negócios.
“Eike nunca mais voltará ao patamar em que
estava”, diz Luiz Cezar Fernandes, sócio da Gradual Investimentos, de
São Paulo, e fundador do antigo banco Pactual, que deu origem ao BTG
Pactual.
Os principais veículos de economia e
negócios, que antes exaltavam Eike, noticiaram em reportagens recentes
os problemas que ele enfrenta.
No final de março, o Wall Street Journal publicou um artigo com o título “Para Eike Batista, a realidade chegou”.
No início de abril, uma reportagem da revista Forbes dizia
que “Eike Batista está se tornando rapidamente o pobre menino rico do
Brasil”.
“Outro dia, durante uma viagem de negócios ao exterior,
encontrei um grande investidor estrangeiro com muito caixa para aplicar,
sempre em busca de oportunidades no Brasil”, diz um gestor brasileiro
de fundos de risco.
“Ele investiu um bom dinheiro nos negócios do Eike e
estava louco da vida. Quando perguntei se ele continuaria a investir no
Brasil, ele disse: ‘Me arruma um brasileiro sério, em quem eu possa
confiar, que eu invisto agora’.”
Em 2012, Eike foi, disparado, o maior perdedor no ranking dos maiores
bilionários globais. Passou de 7º para 100º lugar na lista da revista
americana Forbes. Em um ano, sua fortuna pessoal diminuiu em dois
terços. Passou de US$ 30 bilhões para US$ 10,6 bilhões – uma perda
equivalente a US$ 53 milhões por dia ou US$ 2,2 milhões por hora.
Trata-se de um golpe duro para quem costumava alardear, em tom de
chacota, que não sabia se ultrapassaria o mexicano Carlos Slim, primeiro
colocado na lista, “pela esquerda ou pela direita”.
As principais
empresas do grupo EBX, que Eike controla, fecharam 2012 no vermelho.
(Todas as empresas de Eike têm, na sigla do nome, a letra X, o símbolo
da multiplicação.)
O prejuízo total ficou em R$ 2,5 bilhões. Só a OGX,
do setor de petróleo, perdeu R$ 1,1 bilhão. Na BM&F Bovespa, o valor
de mercado dos maiores empreendimentos de Eike caiu, de R$ 54,7
bilhões, na data de lançamento das ações, para R$ 16 bilhões, na última
sexta-feira, 26 de abril.
As razões da queda
O que, afinal, aconteceu?
Como um dos mais promissores e ousados
empreendedores brasileiros, alguém capaz de encantar Wall Street,
passou, de uma hora para outra, a depender da ajuda do governo para não
quebrar?
Para entender as razões da queda de Eike, é preciso penetrar
nos detalhes da complexa estrutura empresarial que ele construiu em
torno da letra X.
Como na Xanadu do imperador mongol Kublai Khan,
descrita pelo poeta romântico Samuel Coleridge, o castelo de Eike foi
projetado em torno de jardins de fertilidade, de onde o mel verteria
como gotas de orvalho e seria possível tomar o leite do Paraíso.
Suas
árvores eram identificadas pelas siglas OGX, OSX, LLX, MMX, MPX e CCX.
No centro, a petrolífera OGX, anunciada como uma nova Petrobras.
Como na
Xanadu descrita por Coleridge, porém, o castelo de Eike foi erguido no
ar.
A maior falha de Eike foi não entregar o que prometera em seus
projetos, em especial no caso da OGX. Ela chegou a representar três
quartos do grupo em valor de mercado, em 2011. Hoje, representa um
terço. Dos 30 blocos exploratórios de petróleo que a OGX detém, só três
estão em funcionamento e, mesmo assim, com produção limitada.
A promessa
era, já em 2011, extrair por dia 20 mil barris de petróleo, com apenas
um poço em operação. Em março passado, a OGX produziu 15.100 barris por
dia nos três poços que opera – 25% abaixo da meta. Não há, de acordo com
os analistas, perspectiva de aumento até 2014. A própria empresa
informa que seriam necessários 70 mil barris por dia para o balanço sair
do vermelho.
“Companhia de petróleo não é para qualquer executivo
chegar lá e fazer”, afirmou na semana passada a presidente da Petrobras,
Maria das Graças Foster, durante palestra na Fundação Getulio Vargas
(FGV), em São Paulo, em um recado velado a Eike.
De acordo com um ex-executivo do grupo X, Eike deveria ter se
concentrado no aumento da produção dos primeiros poços. Em vez disso,
gastou a maior parte do dinheiro captado de bancos e investidores para
furar novos poços. O objetivo era passar ao mercado a percepção de que
encontrara mais petróleo e, assim, captar mais recursos para financiar
sua expansão.
A produção em marcha lenta afetou as demais árvores plantadas, em torno
da OGX, no Xanadu de Eike. A missão da OSX, um estaleiro, seria
fornecer navios para transportar o petróleo da OGX – ou, nas palavras de
Eike, seria uma “Embraer dos mares”.
Em menor escala, o desempenho da
OGX afetou também a LLX, uma empresa de logística responsável pela
construção do Porto de Açu, no Rio de Janeiro, criado para atender
principalmente os petroleiros da OSX.
Contaminou até as outras três
companhias de Eike com ações negociadas na Bolsa – a MMX, do setor de
mineração, criada para ser uma “mini-Vale”, a MPX, de energia, e a CCX,
cujo principal ativo é uma mina de carvão na Colômbia.
Como um bom vendedor, Eike embalou bem os projetos que apresentou aos
investidores, com a promessa de gerar resultados em prazos relativamente
curtos.
A certa altura, começou a ficar claro que ele não cumpriria
suas metas. Com isso, a credibilidade de Eike, conquistada em negócios
anteriores na área de mineração ficou seriamente arranhada. Como costuma
dizer o próprio Eike, “o capital é covarde”.
Subitamente, as portas se
fecharam para ele. A bicicleta, impulsionada pelo dinheiro farto dos
bancos e do mercado de capitais, parou de girar.
O caixa para tocar os
projetos e honrar as dívidas de suas empresas, sem o ingresso das
receitas planejadas, ficou curto.
“Eike foi tão bom vendedor de seus
projetos e sonhos que ele mesmo acreditou na fantasia”, diz o economista
Rodrigo Constantino.
“A sensação é que ele juntou o egocentrismo e a
megalomania evidentes e surtou. Ficou tão grande que se achou
invencível.”
Eike Batista: "É preciso ter algum tipo de estresse"
De repente, o que antes era “vendido” por Eike como virtude quando as
coisas iam bem – a interdependência dos projetos da OGX, OSX e LLX –,
passou a trabalhar contra quando as coisas começaram a ir mal.
Eike
sabia tudo de mineração – um fato reconhecido pelo mercado –, mas quase
nada de petróleo e gás quando decidiu investir no setor.
Projetos que
encantaram os investidores tinham problemas.
O grupo nega, mas
empresários que atuam no setor de infraestrutura afirmam que a
construção do Porto de Açu foi iniciada sem os estudos geológicos
necessários.
Segundo eles, isso obrigou a LLX, responsável pelo
empreendimento, a instalar estacas mais profundas do que se previa
inicialmente, em razão do terreno arenoso, quase um mangue. Isso
aumentou os custos.
Empresários de mineração afirmam também que o
minério de ferro da MMX tem baixa qualidade e exige muita água para ser
limpo – informação também contestada pelo grupo de Eike. Resultado: mais
custos de produção.
Como se não bastassem as árvores de seus projetos bilionários na área
de infraestrutura, Eike plantou também diversas outras plantas e
arbustos em seu Xanadu.
Está envolvido na exploração de ouro, por meio
da AUX, e na produção de chips, por meio da SIX Semicondutores, cuja
fábrica fica em Ribeirão das Neves, Minas Gerais.
É dono de um
restaurante de comida chinesa e do Hotel Glória, no Rio, em reforma.
Tornou-se sócio do empresário Rubem Medina no Rock in Rio, por meio de
sua empresa de entretenimento, a IMX.
Criou até o próprio time de vôlei,
o RJX, com jogadores de seleção brasileira, como Bruninho e Dante.
Agora, quer assumir a gestão do Maracanã, que deverá reabrir
oficialmente para o público em junho, com um amistoso entre Brasil e
Inglaterra, pouco antes da Copa das Confederações.
Pretende, ainda,
implementar um projeto urbanístico que inclui um prédio na Marina da
Glória, um dos principais cartões-postais cariocas.
“Eike abriu demais o
leque”, afirma um banqueiro com experiência na reestruturação de
empresas. “Se ele tivesse escutado o pai (o ex-presidente da Vale,
Eliezer Batista), teria feito metade dos investimentos que fez. Agora,
está pagando o preço da ousadia.”
Uma intensa rotatividade de executivos, pouco usual em empresas de
grande porte, ampliou as dúvidas sobre a habilidade de Eike para tocar
os negócios e manter os talentos necessários a seu desenvolvimento.
Desde 2010, Eike trocou em suas empresas nada menos que 31 altos
executivos, entre eles nove presidentes. Seduzidos pelas promessas de
bônus generosos, boa parte em ações, muitos saíram quando Eike os
convidou a aplicar parte do que haviam recebido nas próprias empresas,
cujos papéis estavam em queda, após a quebra do banco americano Lehman
Brothers, em 2008.
A maior e mais conflituosa perda de Eike naquele período foi o
engenheiro Rodolfo Landim. Ele fora trabalhar com Eike em maio de 2006
como seu braço direito. Saiu em abril de 2010, por não ter concordado em
diminuir seus bônus e ceder parte das ações que recebera para
capitalizar os negócios de Eike.
Ex-funcionário de carreira da Petrobras
com respeitável conhecimento técnico do setor, Landim galgara os
degraus mais altos na estatal, como presidente da BR Distribuidora e da
Gaspetro.
Com Eike, liderou as operações bem-sucedidas de lançamento das
ações de cinco empresas do grupo X na Bolsa – MMX, MPX, LLX, OGX e OSX.
Pelas contas de Landim, a MMX, a primeira a abrir o capital, valia R$
600 milhões quando ele chegou. Quatro anos depois, quando saiu, o grupo
se multiplicara e se diversificara. Valia R$ 82,4 bilhões.
No período em
que esteve com Eike, Landim acumulou um patrimônio pessoal estimado em
R$ 200 milhões, entre salários, bonificações e ações, algo como R$ 50
milhões ao ano.
Hoje, dono de sua própria petrolífera, a Ouro Preto Petróleo e Gás, e
sócio da Mare Investimentos, uma empresa de gestão de recursos, Landim
disputa com Eike uma ação na Justiça que poderá torná-lo quase R$ 500
milhões mais rico.
Ele cobra uma participação de 1% na holding pessoal
de Eike, a Centennial Asset Mining Fund, com sede no Estado americano de
Nevada, que controla grande parte de suas ações nas empresas do grupo
X.
Segundo Landim, essa participação lhe fora prometida num bilhete
escrito por Eike numa viagem de avião de Londres para o Rio de Janeiro,
em dezembro de 2006.
A Justiça entendeu, porém, que o manuscrito não
tinha valor jurídico e rejeitou o pedido de Landim em segunda instância.
Seu advogado, Sergio Tostes, entrou com um embargo declaratório no
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para questionar se Eike não
violou o “princípio da boa-fé”, ao alegar que o bilhete não tem valor
jurídico, apesar de reconhecer que ele o escreveu e o assinou. A decisão
final da corte ainda está pendente.
No começo de 2013, depois de 50 dias trabalhando como vice-presidente
da EBX, a holding do grupo, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), pediu
demissão.
De acordo com quem convive ou conviveu com ele, Eike escuta
bem menos as opiniões de seu pessoal do que diz em seu livro. “O Eike é
um cara complicado”, diz Landim. “Ele gosta que as pessoas o elogiem o
tempo todo.”
As relações com o governo
Eike tem boas relações em várias esferas do governo e com políticos –
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao governador do Rio, Sérgio
Cabral.
Foi um dos principais doadores de recursos para as campanhas
eleitorais de ambos e também da presidente Dilma Rousseff.
Eike também
doou R$ 1 milhão para o filme Lula, o filho do Brasil, lançado em 2009.
Em janeiro, a bordo do jatinho de Eike, Lula o acompanhou numa visita ao Porto de Açu.
Conseguiu uma audiência com Dilma para conversar sobre a crise de seus
negócios. “Eike Batista não é diferente de nenhum outro empresário”,
afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
ÉPOCA revelou dias atrás a operação hospital que era articulada em
Brasília para ajudar Eike a sanar os problemas do Porto de Açu.
O
empreendimento ainda não atraiu investimento suficiente para torná-lo
sustentável sem os embarques de petróleo da OGX previstos no projeto.
A
pedido de Lula, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel,
acionou o embaixador brasileiro em Cingapura, Luís Fernando Serra.
Ele
atuou como intermediário para tentar convencer a empresa SembCorp Marine
a transferir o estaleiro Jurong Aracruz do Espírito Santo para o Porto
de Açu.
Com a divulgação do lobby de Eike, a operação foi abortada.
Também poderá
encomendar navios e plataformas à OSX, que tem capacidade ociosa.
Talvez
até adiante algum dinheiro para a empresa de Eike, antes mesmo de
receber as encomendas. “É um negócio, não se trata de ajuda”, afirmou
Graça Foster, da Petrobras, ao comentar as negociações com o grupo X.
“Como o Eike se dimensionou para uma OGX muito maior, ele agora tem
braços especializados e equipamentos, mas não tem óleo, enquanto a
Petrobras tem óleo, mas não tem equipamentos suficientes para fazer a
extração”, diz um banqueiro familiarizado com as negociações.
“Deve
haver um ponto de intersecção construtivo para as duas companhias.”
Também se discute no governo o leilão de um trecho que ligará o Porto
de Açu à malha ferroviária nacional. O BNDES, que irrigou generosamente
as empresas do grupo X, poderá conceder novos créditos ou até comprar
mais ações – hoje, o banco já detém participações relevantes em duas,
CCX e MPX, de 11,72% e 10,34%, respectivamente.
Na semana passada, o
BNDES anunciou um crédito suplementar de quase R$ 1 bilhão para a
mineradora MMX. Nascido para operar por conta própria, longe dos úberes
generosos do Estado, o grupo de Eike poderá se tornar cada vez mais
dependente das benesses oficiais.
A operação salvamento de Eike também tem outros atores. No início de
março, uma parceria foi fechada com o BTG Pactual, do banqueiro André
Esteves, para reestruturar o grupo X.
Apoiada pelos principais credores,
ela incluiu uma linha de crédito adicional de R$ 1,3 bilhão, além dos
cerca de R$ 300 milhões que o BTG já emprestara a Eike.
Como Eike,
Esteves cultiva boas relações em Brasília, e seu apoio poderá ajudar o
grupo X a receber dinheiro do governo.
O retrospecto de Esteves no
mercado financeiro sugere que dificilmente ele se envolveria com os
negócios de Eike se não acreditasse que é possível salvá-los e lucrar
com isso.
ÉPOCA apurou que, se tiver sucesso, sua remuneração deverá ser
calculada com base na valorização dos papéis de Eike na Bolsa, tendo
como base o dia do fechamento da parceria, em 6 de março.
Até agora, a
reação dos investidores não correspondeu às expectativas. Os preços das
ações da OGX caíram cerca de 40% desde então.
Em 2014, se a empresa
aumentar a produção de petróleo, é possível que haja um salto nas
cotações.
O impacto da crise
Numa reviravolta inimaginável até pouco tempo atrás, Eike é hoje
lembrado mais por suas dívidas que por sua fortuna, mais pelas
dificuldades de seus negócios que por suas conquistas.
Só o BNDES
emprestou R$ 10 bilhões ao grupo, incluindo o crédito à MMX em abril.
Desse total, estima-se que Eike ainda esteja devendo R$ 5,5 bilhões ao
BNDES.
Como boa parte dos empréstimos foi repassada às empresas do grupo
por bancos comerciais, são eles que assumem o risco das operações, e
não o BNDES, diz um dos credores.
A exposição direta do BNDES ao grupo X
é, segundo ele, inferior a R$ 500 milhões – R$ 109 milhões, de acordo
com Eike.
No total, incluindo os repasses do BNDES, os bancos comerciais têm
cerca de R$ 16 bilhões emprestados às empresas de Eike.
Perto de R$ 3
bilhões foram concedidos à EBX, holding do grupo, pelo Itaú Unibanco e
pelo Bradesco, os maiores credores, a maior parte com garantia em ações
das empresas.
Nos últimos meses, a desvalorização dos papéis gerou
desconforto nos dois bancos, especialmente no Itaú, que passou a cobrar
novas garantias e ameaçou não renovar os empréstimos.
No final, o
problema parece ter sido resolvido, ao menos temporariamente.
Ainda é preciso incluir na conta cerca de US$ 3,6 bilhões (R$ 7,2
bilhões) em papéis emitidos pela petrolífera OGX no exterior e vendidos a
investidores privados.
Somando todas as dívidas do grupo, o total gira
em torno de R$ 25 bilhões, além dos cerca de R$ 27 bilhões captados no
mercado acionário.
A Moody’s, uma das maiores empresas internacionais de
classificação de risco, anunciou em abril o rebaixamento da avaliação
da OGX e deixou aberta a possibilidade de fazer novo rebaixamento no
futuro.
Curiosamente, a desvalorização dos papéis até agora foi menor
que a das ações da empresa.
Para tentar contornar essa situação dramática, o BTG sabe que é
preciso, antes de tudo, resgatar a confiança dos investidores.
Na visão
do banco, MMX, MPX e CCX, além da AUX, a mineradora de ouro, de capital
fechado, são projetos que funcionam de forma relativamente independente.
A LLX também é um caso visto como menos problemático que OGX e OSX,
pois é um projeto que pode ser implementado em fases, de acordo com a
demanda e a disponibilidade de caixa.
“O grande problema são as empresas
que começam com O”, diz um executivo envolvido na parceria. São aquelas
que dependem de óleo.
Uma equipe de sócios e executivos do BTG está mergulhada no grupo X,
para fazer uma avaliação de cada negócio e adequar a gestão a novas
metas.
Como o grupo X precisa gerar caixa rápido, está em andamento uma
renegociação das dívidas.
Poderá haver redução do ritmo ou até a
paralisação de projetos.
A venda de participações e de ativos também
deverá reforçar o caixa.
No final de março, foi anunciada a venda de
metade da participação de Eike na MPX para a E-On, maior empresa de
energia da Alemanha, por R$ 1,4 bilhão.
Agora, há rumores de que o BTG
está negociando a venda de uma fatia da OGX, o epicentro da crise, para a
Lukoil, segunda maior petrolífera da Rússia, ou para a Petronas, a
estatal de petróleo da Malásia.
No final, a participação de 60% a 70% que Eike detém no capital das
empresas do grupo X deverá diminuir para 20% ou 30%, como no caso da
MPX.
As empresas precisam de sócios que entrem com dinheiro para ajudar a
levar os projetos adiante.
Eike, em vez de se envolver no dia a dia,
deverá continuar no Conselho de Administração das empresas. Só coletará
dividendos se – e quando – as empresas derem lucro.
Diante de seu perfil arrojado, muita gente vê Eike como arrogante e
parece torcer para vê-lo beijar a lona.
Num país carente de
empreendedores capazes de correr riscos e ter sucesso graças a seu
arrojo e tino empresarial, que possam servir de exemplo não apenas para
os mais jovens, mas para toda a sociedade, seria uma derrota ver alguém
como ele acabar dependendo de favores do governo para sobreviver.
Qualquer que seja seu futuro, porém, seu caso trará lições para as novas
gerações.
Se conseguir se recuperar, ele poderá se tornar um exemplo de
como é possível aprender na adversidade e reerguer um império abalado.
Ou – caso ele perca, seja obrigado a recorrer ao governo ou a se
desfazer de suas empresas – de como o pior inimigo de um homem de
negócios pode ser a confiança em si mesmo.
Em ambos os cenários, uma
coisa sua história já deixou clara: os castelos erguidos no ar e os
jardins de Xanadu só existem nos sonhos e nos versos românticos.
Comprovado por números divulgados há dias pelo Banco Central,o agravamento da situação fiscal é mais um indicador a revelar que a economia brasileira vai de mal a pior.
Como se não bastassem inflação em alta, dívida pública em expansão, investimentos em queda, Produto Interno Bruto (PIB) medíocre, mega déficit das contas externas e superávit primário abaixo da meta, agora o tombo na arrecadação de impostos em março e no primeiro trimestre é mais lenha na fogueira a alimentar um cenário futuro sombrio e preocupante para a economia - neste ano e no próximo.
Se a presidente Dilma Rousseff quer mesmo ser reeleita em 2014, como tem demonstrado em suas aparições públicas, ela precisa urgentemente mudar a política econômica de seu governo, tentar frear e reverter situações que estão por trás da piora dos indicadores econômicos. Depois de 13 anos de existência, os programas de transferência de renda não são mais novidade política,incorporaram-se à rotineira vida dos beneficiários e o seu cacife eleitoral vai enfraquecer em 2014. Até porque o candidato de oposição vai prometer mantê-los. E a nova classe média, com que Dilma conta para ser reeleita, deixou a pobreza e agora quer mais: quer emprego, salário, renda, bem-estar. Emprego e salário resistiram, porém dão sinais de arrefecimento, perdem força com os dois anos ruins para a economia. Mudar a política econômica implica abolir renúncias fiscais pontuais, que premiam poucas empresas em detrimento da maioria e subtraem do Orçamento mais de R$ 10 bilhões,que poderiam ter melhor uso.
Mudar a política econômica é restabelecer e fortalecer o tri pé macroeconômico em vigor desde 1999 (metas de inflação,câmbio flutuante e garantia de superávits primá- rios); é o governo recuar de intervenções na economia que afastam investidores, como fixar a taxa de lucro do negócio ou congelar o preço dos combustíveis, o que levou a Petrobrás a triplicar importações; é preparar licitações para serviços públicos com qualidade e competência, capazes de atrair investidores de primeira linha; e é, principalmente, o governo cumprir o seu papel: regular a economia privada, investir na área social e no que não há interesse privado e zelar, economizar, cuidar bem do dinheiro do contribuinte e aplicá-lo melhor. Nesse último item, tem havido crescente desleixo e exageros que abrem brechas à corrupção e ao desperdício de dinheiro,atrapalham a gestão pública e, por vezes, criam verdadeiro caos administrativo. Como tem repetido o presidente da Câmara de Gestão do Palácio do Planalto, Jorge Gerdau Johannpeter (ao defender o enxugamento da máquina do governo)," é burrice e loucura" administrar o País com 39 ministérios. Antirreforma. Na contramão de Gerdau, em 2003 o ex-presidente Lula deu seguimento a uma antirreforma administrativa: em vez de conceber uma estrutura de governo voltada para organizar,dar racionalidade e operara gestão pública com eficiência, Lula decidiu usar essa estrutura para a comodar aliados e buscar o apoio do maior número possível de partidos políticos.Um partido aliado quer cargo de primeiro escalão? Não há problema, cria-se mais um ministério.
Foi assim que Lula inaugurou um inédito conceito de gestão pública, segundo o qual o ministro está no governo para rechear os cofres de seu partido, e não para servir ao País (em 2011 Dilma Rousseff demitiu alguns).
Foi assim que ele multiplicou, inflou a máquina, criou superposição de funções, gerou o caos administrativo e criou brechas para a corrupção. De Fernando Henrique Cardoso Lula herdou 24 ministérios, e atualmente já são 39, quase o dobro da média de países da Europa. Há ministros que nunca tiveram uma única audiência com a presidente Dilma Rousseff e outros que são completamente desconhecidos dos brasileiros.
O leitor sabia que há um ministério para a Pesca, outro para as Mulheres e mais um para a Igualdade Racial? Que o titular da Pesca se chama Marcelo Crivella, um ex cantor gospel, sobrinho do bispo Edir Macedo e amigo de Lula?
E, pior, o ministro não chega sozinho, traz uma legião de assessores,amigos e correligionários políticos. Por isso a carga tributária no Brasil é alta, muito acima da média da América Latina. O brasileiro gasta 35% de sua renda pagando impostos para sustentar uma máquina administrativa dispendiosa e que, se reduzida à metade, poderia até funcionar melhor. Sacrifício. Quando a receita tributá- ria desaba, como aconteceu neste início de ano, o governo corre para apagar o incêndio. Essa queda de arrecadação era mais do que previsível diante do fraco desempenho da economia e das desonerações fiscais de mais de R$ 10 bilhões previstas para 2013.Porém,como o governo não tem o bom hábito de planejar e só age no afogadilho do imediato, não incluiu o previsível em sua previsão orçamentária e, agora, discute cortes nas despesas e um contingenciamento de até R$ 35 bilhões - aliás, inferior ao de 2012. Como nos últimos anos, o sacrifício do corte vai recair sobre os investimentos, e não sobre as chamadas despesas correntes, que sustentam o cotidiano da máquina, inclusive o pagamento de salários. Não importa quem saia vitorioso na próxima eleição, para governar com competência, ser seletivo e racional nos gastos, concentrando-os na área social, o próximo presidente da República precisa chegar com um projeto pronto de reforma administrativa, que reduza o número de ministérios e de funcionários.
Uma reforma que leve em conta que hospitais e escolas precisam mais de médicos e professores do que a entourage que cerca ministros, parlamentares e juízes.
Que priorize investimentos - em saneamento básico, por exemplo - e restrinja as despesas correntes. Enfim, é necessário que o uso do dinheiro público seja reconhecido e respeitado pela população, que paga impostos e sustenta o governo. Depois de dez anos de desperdícios e exageros do PT no poder, aquele apelo ideológico "lá vem o neoliberal defender o Estado mínimo" não encontra mais ressonância.
O que o brasileiro comum quer é um Estado forte, que funcione, atenda às carências sociais da população, regule e fiscalize com rigor a economia privada e aplique o dinheiro público em benefício da população, não de partidos políticos.