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sábado, 20 de fevereiro de 2010

Liberdade e ordem - Olavo de Carvalho





Por Olavo de Carvalho

Quando, com a cara mais bisonha do mundo, o liberal proclama que "a liberdade de um termina onde começa a do outro", ele está reconhecendo implicitamente - embora quase nunca o perceba - que essa liberdade é apenas a margem de manobra deixada ao cidadão dentro da rede de relações determinada por uma ordem jurídica estabelecida.

O princípio aí fundante é, pois, o de "ordem", não o de "liberdade".

Sei que magôo profundamente os sentimentos de meus amigos liberais ao afirmar que nenhuma filosofia política séria pode tomar como princípios fundantes as idéias de "liberdade" e "propriedade" - precisamente as mais queridas dos corações liberais.

Mas, sinto muito, as coisas são mesmo assim.

Entendo por filosofia política séria aquela que não se constitui de meras justificativas idealísticas ou pragmáticas para ações que se inspiram, de fato, em razões de outra ordem, quer sejam estas ignoradas ou propositadamente escondidas pelo agente.

A missão da filosofia política não é dar uma aparência de racionalidade a opções e decisões pré-racionais.

É dar inteligibilidade ao campo inteiro dos fenômenos políticos,
possibilitando que ações e decisões tenham firme ancoragem na realidade dos fatos e na natureza das coisas.


Para isso é estritamente necessário que seus próprios conceitos tenham inteligibilidade máxima, para que não se caia no erro de explicar obscurum per obscurius.

A liberdade, embora clara e nítida enquanto vivência subjetiva, não se deixa traduzir facilmente num conceito classificatório que se possa aplicar à variedade das situações de fato.

A noção e a própria experiência da liberdade são de natureza essencialmente escalar e relativa. De um lado, é muito difícil dar um significado substantivo à noção de liberdade política sem ter esclarecido primeiro o da liberdade em sentido metafísico - uma questão das mais encrencadas.

De que adianta defender a liberdade política de uma criatura à qual se nega, ao mesmo tempo, toda autonomia real?

Se somos produtos do meio, de um condicionamento genético ou de um destino pré-estabelecido, é ridículo esperar que a mera promulgação de leis reverta a ordem dos fatores, assegurando-nos o direito de fazer aquilo que, de fato, não podemos fazer.

Lembro-me, sem conter o riso, de uma conferência em que o filósofo da hermenêutica, Hans-Georg Gadamer, negava toda autonomia à consciência individual, fazendo dela o efeito passivo de mil e um fatores externos, e logo adiante reclamava dos regulamentos da universidade alemã, que não concediam espaço suficiente à liberdade de expressão individual.

Com toda a evidência, ele exigia que a burocracia universitária revogasse mediante portaria a estrutura da realidade tal como ele próprio tinha acabado de descrevê-la.


Diário do Comércio
15 de fevereiro de 2010


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