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terça-feira, 4 de agosto de 2015

Piração interna bruta




Petistas se sentem perseguidos, mas são incapazes de refletir profundamente sobre as causas

Por Fernando Gabeira
oglobo


O início de agosto vai me colher numa viagem pelo interior do Tocantins. Precária conexão por telefone e internet. Em outros momentos, mergulhar no interior é mais fácil. Mas agora, surpresas acontecem com muita rapidez. Como será o Brasil quando voltar? Minha ligação emocional com o país não me abre alternativas. Plutão? Pequeno, redondinho, uma lua chamada Charon, mas um coração de planícies geladas. Kepler 452-B? Muito longe, e os endereços seriam complicados: Kepler 452-B, SQS, QI 4 casa 2.

Ouço entre os mais jovens e competentes que a alternativa é o aeroporto. Permitam-me lembrar que daqui a pouco os aeroportos podem estar tomados pela Polícia Federal. As concessões para sua exploração foram entregues às empresas do Lava-Jato. Imaginem o que aconteceu?

Agosto talvez coloque algumas coisas no eixo, com a volta das manifestações. Lula e Dilma estão pisando em brasas, e isso ferve seus neurônios. Lula afirmou que os petistas são perseguidos no Brasil como os judeus na Alemanha, os cristãos em Roma, os italianos sob o fascismo. E Dilma garantiu que a operação Lava-Jato é responsável pela queda de 1% no PIB. O restante foi derrubado pelo suspeito de sempre: a situação lá fora.

Não basta contestar Lula mostrando que Curitiba não é Dachau. Nem tentar ajudá-lo mostrando que os leões comiam cristãos na arena, mas aqui o leão é apenas um cara de bigode, anunciando que a Receita Federal já recuperou mais de R$ 200 milhões em impostos das empresas da Lava-Jato.

Compreendo que se sintam perseguidos e queiram buscar aliados confortantes na história: judeus, cristãos, democratas italianos. Ninguém diz abertamente: estamos sendo perseguidos como Al Capone ou a Máfia Siciliana. De um ponto de vista objetivo, gângsteres e a máfia são o melhor exemplo. Foram simultaneamente perseguidos pela polícia e fisco, dentro das normas democráticas que, por sinal, inexistiam no nazismo, no fascismo e na própria Roma antiga.

Dilma resolveu que a Lava-Jato provocou uma queda de 1% no PIB. Como calculou isso? Nunca se devolveu tanto dinheiro roubado, nem se arrecadou tanto com impostos sonegados. Ela queria bater de frente com a operação que desvendou os mistérios das campanhas milionárias. Não teve coragem.

Na opinião dela, o Brasil está devastado por juízes, procuradores e policiais que cumprem sua missão com eficácia. Se deixassem soltos e intocados os empreiteiros e políticos, a magia do crescimento, via corrupção, estaria garantida. Pelo menos 1% do PIB.

Não retomo argumentos de Lula e Dilma para criticá-los. O Lula, para mim, tem habeas-língua, pode dizer qualquer bobagem. E Dilma simplesmente não é do ramo, apesar da juventude na luta armada. Ou talvez por causa dela: muitos na luta armada desprezavam a política.

Retomo apenas para, modestamente, sugerir a mudança de foco. Eles reconhecem que são detestados, petistas se sentem perseguidos, mas são incapazes de refletir profundamente sobre as causas. Comparar militantes de um partido acusado de corrupção e incompetência com seis milhões de judeus mortos nas câmaras de gás só faz aumentar a raiva das pessoas que têm um mínimo de conhecimento do mundo. Atribuir a queda do PIB à mais séria das investigações sobre assaltos que, inclusive, arruinaram a Petrobras significa admitir que a corrupção é o dínamo do crescimento, e quanto mais bandido for o governo, mais chance tem de levar o Brasil ao seu destino glorioso.

Tanto Lula e Dilma estão preocupados com a tolerância e querem reduzir a tensão na política brasileira. No entanto, seus passos são provocativos. Quanta tinta não vai se gastar para mostrar que Dilma agiu de má fé ao atribuir a queda do PIB à operação Lava-Jato? No caso de Lula, sua frase é de uma ignorância tão contundente que ninguém vai se dar ao trabalho de escrever sobre ela.

De qualquer maneira, o essencial está aí: Dilma, Lula e o PT, através da negação do assalto e das críticas aos procuradores e PF, são uma das causas da rejeição ao governo e ao PT. O interessante é que se vestem de laranja, sujam as mãos de óleo, enrolam-se na bandeira para defender a Petrobras, mas quando se revela como ela foi aniquilada pelos saqueadores, colocam-se contra a polícia que investiga.

É difícil transmitir a eles a ideia de que truques do PT não colam mais. Dilma vai fritar ovo na televisão, sujar o avental, pedalar, beijar o netinho, abraçar Lula no dia do amigo e estranhar a rejeição a uma presidente “tão humana”. A mulher do empreiteiro talismã do PT, Marcelo Odebrecht, diz num bilhete ao marido, sobre o jantar com sindicalistas: “Espero que não suje minhas toalhas de linho. Vou pirar”.

Não se preocupe cara Odebrecht. Caiu um PIB mas aumentou um outro: Piração Interna Bruta. Vocês já piraram lá atrás, no começo de tudo.

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