Feliciano tem o direito de ler errado a Bíblia,
embora não deva. E é mais mulato do que Caetano Veloso.
O cantor, aliás, como de costume, arranhou a dialética:
“Não é admissível que essa Comissão de
Direitos Humanos e de Minoria esteja sendo dirigida e presidida por um
pastor que expressou nitidamente a intolerância, tanto da ordem sexual
como racial. É fato conhecido e notório. Esse é um momento que nós
deveríamos estar reunidos para tentar defender o que significa ter um
Congresso. Porque o maior perigo é levar o povo brasileiro a desprezar
esse nível do exercício do Poder Legislativo. Isso pode criar uma má
impressão do que é democracia. Estamos reunidos aqui hoje para dizer que
no Congresso não se podem fazer coisas absurdas, significa também dizer
que nós não queremos viver sem o Congresso”.
“Fatos
conhecidos e notórios”, em casos assim, costumam se confundir com
linchamento. As duas coisas são falsas. E isso é apenas um fato. Caetano
deveria nos explicar “o que significa ter um Congresso”.
Eu entendo que
significa, entre outras coisas, haver lá gente com a qual não concordo.
E eu não concordo com Feliciano. Mas também não concordo com Caetano.
O
povo anda tendo algum desprezo pelo Congresso, mas por razões que
passam longe dessas evocadas pelo artista.
Cito o caso do mensalão, que,
salvo engano, nunca levou a nossa vestal baiana para a praça — embora
esteja certo de que ele não concorda com aquela sem-vergonhice.
Caetano
não é burro, não! Conhece a língua portuguesa, mas se expressa numa
espécie de idioleto, o “caetanês”, que pode ser surpreendentemente
autoritário:
“Estamos reunidos aqui hoje
para dizer que, no Congresso, não se podem fazer coisas absurdas;
significa também dizer que nós não queremos viver sem o Congresso”.
Em síntese: “Queremos (eles querem) um Congresso, desde que ele faça
coisas com as quais concordemos; se passar a fazer coisas com as quais
outros concordam, aí a gente começa a pôr em dúvida a existência do
Congresso”.
Quando
pego no pé de Caetano, alguns amigos, admiradores de sua música,
protestam. Ora, eu também gosto de muitas das suas canções. Mas o
pensador da democracia pode ser de uma impressionante ligeireza.
Wagner
Moura, que incorporou, definitivamente, o papel de Capitão Nascimento
das causas politicamente corretas também estava lá, com aquele seu ar de
pensador grave. Tentou negar que exista preconceito religioso na
pressão contra Feliciano:
“Acho muito desonesto os parlamentares do
PSC dizerem que a oposição ao nome do Feliciano à presidência é uma
intolerância contra a figura dele. É, portanto, significativa a presença
de vários líderes religiosos aqui, inclusive os pastores
presbiterianos”.
Havia
pastores presbiterianos lá, que, obviamente, concordavam com o pleito de
Moura. Isso significa dizer, portanto, que Moura não tem intolerância
nenhuma contra pastores desde que os pastores concordem com… Moura!
Ainda bem que o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) estava lá para dizer a verdade:
“Hoje ou amanhã, o Feliciano pode ser trocado e entrar um deputado que
não diz tanta coisa que choque, mas pode representar a mesma política de
anulação da comissão”. Vale dizer: Alencar quer é destituir a comissão inteira. Feliciano é apenas o primeiro da lista.
Jean
Wyllys, numa demonstração que entende perfeitamente a independência
entre os Poderes herdada lá de Montesquieu, cobrou que Dilma — sim, que a
chefe do Executivo! — faça alguma coisa. E pensou, indo a altitudes
inéditas:
“O governo sabe se meter no Legislativo quando é de seu interesse”.
A sabedoria convencional estaria a indicar que o deputado Wyllys — que é
representante de um Poder, não apenas dos gays — deveria é protestar
contra a ingerência do governo no Legislativo…
Mas quê!
Ele quer é ainda
mais ingerência. Quando é a favor de causas que ele defende, então essa
ingerência é boa. Entenderam?
Wyllys extrapolou. Leio no Globo:
Jean Wyllys ressaltou que a iniciativa do
protesto não é apenas lutar contra a permanência de Marco Feliciano à
frente da comissão, mas também, segundo o parlamentar, lutar contra o
“projeto fundamentalista” que Feliciano representa. Ele disse ainda que
os possíveis pré-candidatos à Presidência da República em 2014, Dilma
Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB), Marina Silva (REDE) e Eduardo Campos
(PSB) deveriam participar deste debate.
“Toda a sociedade está engajada. E o
comportamento dessas quatro pessoas potenciais candidatos no ano que vem
é ignorar esse movimento. Isso é inadmissível”, declarou o deputado,
lembrando de questões referentes aos direitos LGBT e à religião. Para
ele, este tema foi ignorado na última eleição para a Presidência da
República, em 2010.
Eu não
concordo com uma vírgula do que pensa o deputado Feliciano. Mas noto,
pelas palavras de Wyllys, que ele tem certa propensão a eliminar do
mundo dos vivos os que o contestam. E, obviamente, nesses termos, não
terei como concordar com ele, com Caetano, com Moura e com a psolada
toda porque vai que amanhã eles tentem me eliminar também, né?
Lamento!
As palavras estão aí e fazem sentido. Essa gente não tem como dar aula
de tolerância a ninguém. Até porque o seu protesto é seletivo,
politicamente orientado.
O silêncio sobre a violência institucional
ocorrida na Funarte diz tudo.
Chico Alencar deu o fecho de ouro:
“Ouvi dizer que ele (Feliciano) disse que só sairia morto. Nós,
defensores dos direitos humanos, queremos matá-lo politicamente”.
Alencar me força a lembrar que socialistas defensores de direitos
humanos são mesmo uma novidade na história, coisa recente. Como não
podem — não nas democracias ao menos — matar seus adversários
fisicamente, tentam matá-los moralmente.
Não por acaso, um dos fundadores do PSOL, ali mesmo no Rio de Chico Alencar e Freixo, é Achile Lollo. Está tudo contado aqui.
Quem é ele? Trata-se de um terrorista italiano que, em 1973, despejou
gasolina sob a porta de um apartamento, na Itália, onde estavam um gari,
sua mulher e seis filhos. Ateou fogo. Morreram uma criança de 8 anos,
Stefano, e seu irmão mais velho, de 22, Virgilio. O gari era membro de
um partido neofascista. Como Lollo não gostava do fascismo, então ele
resolveu incendiar crianças, entenderam? Um verdadeiro humanista!!!
Não! O
pensamento de Feliciano não me serve e eu o combato. Mas toda essa gente
que fala aí acima não tem a menor, a mais remota, a mais pálida ideia
do que seja um regime democrático.
Encerro com esta ilustração.
A
PIRA HUMANISTA – O jovem Virgílio, minutos antes de morrer carbonizado,
vítima de um atentado terrorista praticado por Achille Lollo, que hoje
vive livre, leve e solto no Rio. Foi um dos fundadores do PSOL, que hoje
pretende dar aula de democracia
26/03/2013
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