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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O STF não pode se converter em uma corte bolivariana, adverte Gilmar Mendes



O STF (Supremo Tribunal Federal) corre o risco de tornar-se uma "corte bolivariana" com a possibilidade de governos do PT terem nomeado 10 de seus 11 membros a partir de 2016.

Valdo Cruz e Severino Motta
Folha de São Paulo


A afirmação é do único personagem desta conta hipotética a não ter sido indicado pelos presidentes petistas Lula e Dilma Rousseff: o ministro Gilmar Mendes, 58.

Indicado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 2002, ele teme que, a exemplo do que ocorre na Venezuela, o STF perca o papel de contrapeso institucional e passe a "cumprir e chancelar" vontades do Executivo.

Gilmar Mendes durante entrevista em seu gabinete
Sérgio Lima/Folhapress
A expressão bolivarianismo serve para designar as políticas intervencionistas em todas as esferas públicas preconizadas por Hugo Chávez (1954-2013) na Venezuela e por aliados seus, como Cristina Kirchner, na Argentina.

"Não tenho bola de cristal, é importante que [o STF] não se converta numa corte bolivariana", disse. "Isto tem de ser avisado e denunciado."

Sobre a eleição, Mendes fez críticas a Lula ao comentar representação do PSDB contra o uso, na propaganda do PT, de um discurso do petista em Belo Horizonte com ataques ao tucano Aécio Neves.

Lula questionou o que o Aécio fazia quando Dilma lutava pela democracia e o associou ao consumo de álcool. Ao lembrar do caso, Mendes disse: "Diante de tal absurdo, será que o autor da frase também passaria no teste do bafômetro? Porque nós sabemos, toda Brasília sabe, eu convivi com o presidente Lula, de que não se trata de um abstêmio", afirmou.
*

Sérgio Lima/Folhapress


Folha – Durante a campanha, o PT acusou o senhor de ser muito partidário.
Gilmar Mendes – Não, de jeito nenhum. Eu chamei atenção do tribunal para abusos que estavam sendo cometidos de maneira sistemática e que era necessário o tribunal balizar. Caso, por exemplo, do discurso da presidente no Dia do Trabalho e propagandas de estatais com mensagem eleitoral. O resto, como sabem, sou bastante assertivo, às vezes até contundente, mas é minha forma de atuar. Acredito que animei um pouco as sessões.

Animou como?
Chamei atenção para que a gente não tivesse ali uma paz de cemitério.

O que quer dizer com isto?
Saí do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2006. Não tenho tempo de acompanhar, mas achei uma composição muito diferente daquilo com que estava acostumado. Um ambiente de certa acomodação. Talvez um conformismo. Está tudo já determinado, devemos fazer isso mesmo que o establishment quer.

Diria que o TSE estava tendendo a apoiar coisas do governo?
Fundamentalmente chegava a isso. Cheguei a apontar problemas nesse sentido.

O PT criticou sua decisão de suspender direito de resposta contra a revista "Veja".
A jurisprudência era não dar direito de resposta, especialmente contra a imprensa escrita. Quando nos assustamos, isso já estava se tornando quase normal. Uma coisa é televisão e rádio, concessões. Outra coisa é jornal ou revista. O TSE acabou ultrapassando essa jurisprudência e banalizou.

Quando diz que banalizou a interferência na imprensa, acredita que avançou sobre a liberdade de expressão?
Quanto ao direito de resposta em relação a órgãos da imprensa escrita, certamente. Mas temos de compreender o fato de se ter que decidir num ambiente de certa pressa. E todo esse jogo de pressão. A campanha se tornou muito tensa. Talvez devamos pensar numa estrutura de Justiça Eleitoral mais forte, uma composição menos juvenil.

Qual sua avaliação da eleição?
Tenho a impressão que se traça um projeto de campanha. Se alguns protagonistas não atuarem, inclusive como poder moderador, o projeto se completa. Eu estava na presidência do tribunal quando da campanha da presidente Dilma [de 2010]. O que ocorreu? Havia necessidade de torná-la conhecida. O presidente Lula, então, inaugurava tudo. Até buracos. Quando a Justiça começou a aplicar multas, ele até fez uma brincadeira: "Quem vai pagar minhas multas?" O crime compensava. Foi sendo feita propaganda antecipada, violando sistematicamente as regras. Agora havia também um projeto. Chamar redes para pronunciamentos oficiais, nos quais vamos fazer propaganda eleitoral. A mensagem do Dia do Trabalho tem na verdade uma menção ao 1º de maio. O resto é propaganda de geladeira, de projetos do governo.

O sr. não exagerou nas críticas ao ex-presidente Lula no julgamento de uma representação do PSDB, quando chegou a perguntar se ele teria feito o teste do bafômetro?
O presidente Lula, no episódio de Belo Horizonte, faz uma série de considerações. Houve uma representação [do PSDB]. Ele chegou a perguntar onde estava o Aécio enquanto a presidente Dilma estava lutando pela democracia nos movimentos da luta armada. A representação lembrava que Aécio tinha 8 ou 10 anos. Ela trouxe elementos adicionais da matéria, de que teve um texto de uma psicóloga que dizia que ele [Aécio] usava drogas, que era megalomaníaco. E Lula falou também do teste do bafômetro. Diante de tal absurdo, [eu disse] "será que o autor da frase também passaria no teste do bafômetro?" Porque sabemos, toda Brasília sabe, eu convivi com o presidente Lula, de que não se trata de um abstêmio.

O PT criticou muito suas falas sobre o ex-presidente.
Estávamos analisando só o caso. Em que ele reclamou de alguém que saiu do jardim de infância não ter atuado na defesa da presidente Dilma. Quem faz este tipo de pergunta ou quer causar um impacto enorme e contrafactual ou está com algum problema nas faculdades mentais.

Em dois anos o sr. será o único ministro do STF não indicado por um presidente petista. Muda alguma coisa na corte?
Não tenho bola de cristal, é importante que não se converta numa corte bolivariana.

Como assim?
Que perca o papel contramajoritário, que venha para cumprir e chancelar o que o governo quer.

Há mesmo este risco?
Estou dizendo que isto tem de ser avisado e denunciado.

Há algum sinal disso?
Já tivemos situações constrangedoras. Acabamos de vivenciar esta realidade triste deste caso do [Henrique] Pizzolato [a Justiça italiana negou sua extradição para cumprir pena no Brasil pela condenação no mensalão]. Muito provavelmente tem a ver com aquele outro caso vexaminoso que decidimos aqui, do [Cesare] Battisti [que o Brasil negou extraditar para Itália], em que houve clara interferência do governo.

No mensalão, um tribunal formado em sua maioria por indicados por petistas condenou a antiga cúpula do PT.
Sim, mas depois tivemos uma mudança de julgamento, com aqueles embargos, e com a adaptação, aquele caso em que você diz que há uma organização criminosa que não pode ser chamada de quadrilha.

Ao falar de risco bolivariano, não teme ser acusado de adotar posições a favor do PSDB?
Não, não tenho nem vinculação partidária. A mim me preocupa a instituição, não estou preocupado com a opinião que este ou aquele partido tenha sobre mim.

A aprovação da proposta que passa a aposentadoria compulsória de ministros do STF de 70 para 75 anos não reduz esse risco, já que menos ministros se aposentariam logo?
Não tenho segurança sobre isto, é uma questão afeita ao Congresso. O importante é que haja critérios orientados por princípios republicanos.

O STF deve analisar outro caso de corrupção, na Petrobras. Como avalia esta questão?
A única coisa que me preocupa, se de fato os elementos que estão aí são consistentes, é que enquanto estávamos julgando o mensalão já estava em pleno desenvolvimento algo semelhante, talvez até mais intenso e denso, isso que vocês estão chamando de Petrolão. É interessante, se de fato isso ocorreu, o tamanho da coragem, da ousadia.

Sérgio Lima/Folhapress

RAIO-X GILMAR MENDES
* IDADE: 58
* NASCIMENTO: Diamantino (MT)
* FORMAÇÃO: Bacharel e mestre em Direito (UnB)
* CARREIRA: Advogado-geral da União de 2000 a 2002 (governo FHC); ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) desde 2008; presidente do STF entre 2008 e 2010


3 de novembro de 2014


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