Não se fazem mais revoluções como antigamente
Como escreveu no Facebook uma velha amiga jornalista, agora se luta por 10 centavos no preço da passagem de ônibus.
Os sonhadores de 68, além de se transformarem em personagens de filme de Bertolucci, não queriam menos do que tudo: virar aquela sociedade de cabeça para baixo para criar outra no lugar.
É bem verdade que não deu certo, e pouco coisa restou dos sonhos de então. Mas a estética das manifestações dos estudantes franceses foi tombada pelo intangível patrimônio histórico da memória como marca registrada do espírito de uma época.
As sucessivas e intrincadas “primaveras” do mundo árabe, que fizeram os nossos explicadores derramarem rios de tinta para tentar chegar às raízes, mais a tomada das praças dos países europeus em crise e os “occupy” nos EUA contra os excessos dos malabarismos financeiros de Wall Street, devem ter despertado o espírito revolucionário adormecido de alguns dos nossos jovens rebeldes sem causa.
De repente, uma causa: um aumento de 20 centavos no preço das passagens de ônibus, tão rotineiro e previsível como o sol depois da chuva , serviu como pretexto para levar à rua um pouco de fogo, pedras e sangue, sacrificando a livre movimentação de pessoas, com alguns arroubos de selvageria e vandalismo contra o patrimônio público e privado.Foto: Leandro Moraes / UOL
Causa nobre: passe livre, catracas abertas, transporte mais barato para o povo.
Mais barato ou - por que não ?- de graça.
A grande utopia da humanidade continua sendo o almoço grátis.
Supostamente o maior prejudicado pelo aumento, ou por outra, o que seria o maior beneficiário da reivindicação, ficou à margem dos protestos: o povo, que não foi ouvido nem cheirado por quem resolveu agir e depredar em seu nome.
Não só não foi ouvido nem consultado, como acabou sendo a maior vítima dos transtornos provocados pelos tumultos.
Política pura, e das menores. Os idealizadores e autores dos “protestos”, pequenos grupos, ONGs e partidos minúsculos de extrema-esquerda, muito mais do que o objetivo de facilitar a vida das pessoas que andam de ônibus, têm o claro objetivo de dificultar a vida dos governantes a quem se opõem, em suas peculiares visões do que sejam direita ou esquerda.
Não faltou quem protestasse contra quem chamou os vândalos de vândalos, em contraposição ao adjetivo de “ativistas”, usado para qualificar os manifestantes turcos.
No seu incurável reducionismo intelectual, acreditam ser possível comparar um movimento nascido das profundezas da alma turca, contra o crescente autoritarismo do governo Erdogan e o processo de islamização de uma sociedade tradicionalmente secularizada, com um movimento de banal agit-prop de fins eleitorais.
Até a qualidade dos sonhos e das primaveras já foi melhor.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”.
É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.
E.mail: svaia@uol.com.br14 de junho de 2013
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