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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A Fundação Ford e os padres de cocar venceram disputa no Supremo




Três ministros ainda não pronunciaram o seu voto sobre Raposa Serra do Sol: Marco Aurélio de Mello, que pediu vista; Celso de Mello, que preferiu votar depois das considerações de Marco Aurélio, e Gilmar Mendes, presidente da Casa, que é sempre o último a manifestar o voto. Até que o resultado não seja proclamado, eles podem mudar de idéia. Logo, tecnicamente, o resultado não pode ainda ser considerado definitivo. Mas dificilmente, creio, haverá uma mudança. E a decisão não é nada auspiciosa. Os oito votos dos ministros, em que pesem as ressalvas corretas, mas irrealistas, do ministro Menezes de Direito (ver post abaixo), criaram a categoria dos sub-brasileiros: os não-índios que estão na Raposa Serra do Sol — algumas famílias estão na região desde o século 19. Os senhores ministros ignoraram a história da formação do povo brasileiro, a economia do estado de Roraima e, creio, o direito adquirido de algumas famílias para se fixar numa doxa: “Os índios tem direito à sua terra”. Só lá? Vamos com calma.

Em primeiro lugar, um esclarecimento técnico. Marco Aurélio certamente pretende — ignoro o conteúdo — fazer alguma ressalva no que, creio, antevia ser a decisão da maioria do tribunal: manter a demarcação contínua da área, com a expulsão dos não-índios da região. Os votos na casa são dados por Antigüidade: dos menos para os mais antigos — excetuando-se o presidente, o último. Marco Aurélio seria o antepenúltimo a votar: depois dele, só Celso de Mello, o decano da Casa, e Mendes. Ao antecipar seu pedido de vista, tentou, vamos dizer, interferir no julgamento. Mas foi mal-sucedido, infelizmente, porque houve uma espécie de rebelião dos demais: “Vista de novo?” O regimento permite que os ministros antecipem o seu voto. E foi o que fizeram os oito que votaram a favor da reserva contínua.

Também seguindo o regimento e, dado que não se tratava de uma votação definitiva — porque, com o pedido de vista, isso é impossível —, ficou também adiado o julgamento da liminar que permite a presença dos arrozeiros na região. Alguns ministros entendiam que a saída dos agricultores da área deveria ser imediata. Coube a Mendes lembrar a saída regimental.

Arrozeiros ficam ou não?
A situação se complicou muito para os agricultores. A disposição dos que votaram pela reserva contínua de cassar já a liminar era evidente. A decisão de fazer o voto antecipado, sem aguardar o pedido de vista, também evidencia a disposição da maioria de garantir a reserva contínua e de expulsar de lá os não-índios. Marco Aurélio, sei lá, de expor um voto realmente formidável — se é que ele realmente não concorda com a maioria — para mudar a decisão já anunciada de seus colegas. E acho que isso não vai acontecer. Não que ele não tenha condições técnicas para fazê-lo. Mas, parece-me, há algo como um birra no ar.

Se querem saber por que o STF caminha para fazer uma coisa estúpida, basta ler as exigências de Direito, que votou a favor do atual status da reserva. São, reitero, disposições corretas, mas, vistas com realismo, são risíveis. Reza o item nº 3 de sua lista: “O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional”. Agora leiam o nº 4: “4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira”. Até as pepitas de ouro da região sabem que já há mineração ilegal em Raposa Serra do Sol — como há em muitas outras reservas indígenas. E a exploração é feita por índios mineradores, não por brancos (ou não-índios). Quem vai impedir a continuidade?

Menezes tenta responder à hipótese de que a região poderia, no futuro, reivindicar uma espécie de autonomia com estes dispositivos:

5 – O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai”.

Hoje, a Funai e os índios criam restrições à entrada dos agentes do estado nas reservas indígenas. O ministro pretende disciplinar a questão.

Admitidas as suas 18 ressalvas por todos os ministros, haveria uma chance de manter os arrozeiros na região. Leiam: “11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai”. A Funai, naturalmente, com o seu, digamos, fanatismo, não aceitará a presença dos agricultores. A menos que os demais ministros tragam argumentos muito fortes, antes da proclamação do resultado, a maioria do STF está expulsando os arrozeiros da região.

Doze mil índios? 15 mil índios? 19 mil índios? Ninguém sabe ao certo. O fato é que eles terão um país nas mãos, 11 vezes maior do que a cidade de São Paulo — que tem 11 milhões de habitantes. A área que lhes está reservada supõe — ou alguém me diga por que eles precisam de tanta terra — que vivam da caça, da pesca e da coleta de frutas. E isso é uma mentira grotesca. Trata-se de índios completamente integrados à economia capitalista. Há, entre eles, pecuaristas, vaqueiros, agricultores, pedreiros, professores... Teremos um dos maiores vazios populacionais do planeta, que o ministro Direito pretende que vá agora merecer a atenção do estado. Basta ver como são tratadas as outras reservas para saber que isso não vai acontecer.

É formidável que, tudo o mais constante, os arrozeiros tenham de ser expulsos de Raposa Serra do Sol, mesmo ocupando menos de 1% da área. Quem ouviu o voto do ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, ficou com a impressão de que os agricultores são notórios agressores da natureza, o que é falso. O cultivo do arroz numa área plana na margem da reserva não agride a natureza, à diferença, aí, sim, da mineração ilegal, comandada por índios e com a ajuda explícita de uma ONG estrangeira.

Os ministros, parece, estão menos arbitrando um conflito do que votando numa doxa, de sorte que um dos lados tem toda a razão, e o outro, nenhuma. Qual será o resultado disso? O mais provável é que o país fique sem o arroz produzido em Raposa Serra do Sol, que a relação harmoniosa, porque era, estabelecida entre os agricultores e a maior parte dos índios — TODOS ACULTURADOS — da região ceda à beligerância, que o estado brasileiro entregue ao Deus-dará a região e que, enfim, ela se pareça com uma daquelas terras de ninguém do centro-sul do Pará, onde, volta e meia, se ouve falar de um ou muitos cadáveres.

Eis o que está sendo produzido pelos grandes lentes do direito brasileiro. E que se note: mesmo assim, aqueles índios seguem tutelados. Como naquela musiquinha, vivemos a lógica de “cada um no seu quadrado”, menos quando os maiores latifundiários do planeta precisarem da ajuda e da atenção do homem não-índio.

A Fundação Ford, que financia o CIR — Conselho Indígena de Roraima —, e os padres de cocar comprados na 25 de Março (rua de comércio popular em São Paulo) ganharam. Convenceram quase todo o Supremo.

Por Reinaldo Azevedo

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