Era o finalzinho da tarde da quinta-feira dia 5 quando o advogado de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins, saiu do Instituto Lula, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, depois de uma reunião de duas horas com seu cliente, e foi falar com repórteres que se aglomeravam ali na frente. Havia um clima de ansiedade. No dia anterior, o Supremo Tribunal Federal (STF) negara o habeas corpus que manteria Lula fora da prisão. Zanin começou a falar às 17h30. Foi contundente ao afirmar que não existia chance de Lula ser preso. “Não trabalhamos com essa hipótese de prisão porque entendemos que a decisão condenatória é frágil e que será reformada com os recursos adequados e porque temos medidas jurídicas para tomar a fim de impedir qualquer restrição dos direitos do ex-presidente Lula”, disse.
Zanin citou a possibilidade de recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e nos tribunais superiores, mas não explicou quais seriam, alegando que não queria divulgar a estratégia da defesa. Acreditava no posicionamento do tribunal — que, segundo ele, informara que a execução da pena só começaria após o julgamento do último recurso, os embargos dos embargos. O prazo máximo para recorrer mais uma vez terminaria no dia 10 e, pelo menos até lá, Lula estaria a salvo. Zanin acreditava que o ex-presidente, condenado em primeira e segunda instâncias, e com recursos negados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF, ainda tinha chances de conseguir uma decisão favorável.
Lula acreditava nisso também. Tanto que, naquele momento, se ocupava de uma das coisas de que mais gosta: discutir estratégia política eleitoral. Falava especificamente sobre o cenário da eleição de 2018 no Ceará em uma sala no 2º andar do sobrado sede do instituto. Estavam diante dele o deputado federal petista José Guimarães, o ex-governador Cid Gomes (PDT-CE), irmão de Ciro Gomes, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e a ex-presidente Dilma Rousseff. Tratavam dos arranjos em torno da campanha à reeleição do governador Camilo Santana, do PT, com Cid Gomes como candidato ao Senado pelo PDT.
A discussão seguia quando um assessor bateu à porta. Interrompeu a conversa e pediu para falar brevemente com Hoffmann. A presidente do PT saiu e os outros quatro presentes retomaram as discussões sobre os caminhos do PT no estado do Nordeste e a consolidação da aliança com o PDT por lá. Minutos depois, Hoffmann voltou. Com a expressão assustada, foi em direção a Lula e cochichou em seu ouvido. Do outro lado da mesa, Guimarães e Cid se olharam. Perceberam que algo de grave acontecia. Não aguentaram e desobedeceram ao mandamento das reuniões com Lula, que proibia o acesso intermitente ao celular. Nas telas dos aparelhos piscavam notificações de notícias que davam conta da decretação da prisão do líder petista pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Guimarães ficou quieto. Cid Gomes se arriscou a anunciar a notícia desagradável. Com rosto fechado, Lula balbuciou, lacônico: “Estou sabendo”. A reunião foi encerrada.
A primeira notícia da iminência da prisão de Lula surgiu às 17h40. Zanin, que deixara o instituto num carro preto com sua mulher, a também advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, voltou em menos de 15 minutos. Meia hora depois, Lula decidiu que a melhor estratégia era regressar ao local onde sua trajetória começou, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo. Desceu até a garagem e embarcou no Omega preto disponibilizado a ele pela Presidência da República. A seu lado, no banco de trás, estava Zanin. Nas mais de 45 horas que se seguiriam até a prisão de Lula, no entanto, Zanin seria obrigado a dividir com várias vozes o espaço de discussão da estratégia de defesa do petista.
Genro de Roberto Teixeira, Cristiano Zanin, de 41 anos, foi desde o primeiro momento o defensor escolhido pelo ex-presidente. Inexperiente na área criminal, do tipo que chegava a corar ao se ver diante de um grande nome da advocacia nacional, ele assumiu o ônus e o bônus do maior caso da advocacia penal do Brasil, reproduzindo à risca o discurso do líder petista. Apesar de Zanin ter tido o tempo todo a companhia de um criminalista renomado — primeiro Nilo Batista, depois Juarez Cirino dos Santos —, Lula sempre deixou claro que a estratégia principal seria a política. “Eles não querem que eu volte”, disse Lula inúmeras vezes, em referência a adversários políticos.
Desde 2015, no entanto, quando a Lava Jato começou a fechar o cerco, Lula vinha sendo orientado a recorrer a criminalistas de renome. A principal recomendação partiu do ex-ministro da Justiça Nelson Jobim. Mas Lula não quis. Não apostava que a Lava Jato chegaria a denunciá-lo, muito menos a condená-lo e — delírio — prendê-lo.
Em meados de 2016, Roberto Teixeira chamou o advogado José Roberto Batochio para assumir a defesa de Lula ao lado de Zanin. Logo que entrou no caso, Batochio tratou de convocar o ex-ministro do Supremo Sepúlveda Pertence para atuar em recursos encaminhados ao Supremo. Mas, como disse um advogado próximo, “o bonde já estava andando”. Ainda restam dois processos de Lula com Moro — sobre terreno supostamente comprado pela Odebrecht para o Instituto Lula e o caso do sítio de Atibaia, considerado o mais fornido de provas. A partir de agora, Batochio vai se sobrepor a Zanin. Ao lado do sogro, Zanin acompanhará audiências em Curitiba e dará apoio moral a Lula na cadeia. Mas os recursos ao STJ e ao STF, impregnados de tecnicidades, devem agora ficar centralizados em Batochio e em Sepúlveda Pertence. O conselho de Jobim será seguido.
Do instante da decretação da prisão até quase o último momento antes do voo para Curitiba, integrantes de movimentos sociais como o MTST, o MST e a CUT defendiam que o ex-presidente levasse ao extremo a opção de tornar político o embate jurídico com Moro: Lula deveria denunciar ser vítima de arbítrio e resistir à prisão decretada pelo juiz até que a decisão fosse revista. Para esse grupo, valia o risco à exposição de uma possível invasão de agentes federais ao prédio cercado por militantes, medida de consequências imprevisíveis. A posição era formalizada em conversas com o ex-presidente e num documento assinado por representantes dos principais movimentos.
Na primeira noite no bunker e até o início da tarde seguinte, Lula considerou a ideia. Já havia decidido não viajar a Curitiba, onde Moro determinava que se apresentasse à Justiça. Se queriam prendê-lo, que fossem buscá-lo na sala da presidência do sindicato. Não resistiria à prisão, aceitaria a decisão da Justiça. Mas queria obrigar a PF a assumir o ônus e as consequências de uma possível entrada para buscá-lo no prédio do sindicato. Como fizera centenas de vezes, queria usar sua popularidade como escudo, como uma forma de demonstrar força no momento de maior fraqueza em sua vida. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, rapidamente aderiu à proposta dos movimentos — Lula deveria resistir enquanto pudesse. Guilherme Boulos, do MTST, era o maior entusiasta da opção.
Ao longo das horas, no entanto, a posição do ex-presidente começou a mudar, mais precisamente quando começaram a ser colocadas na mesa hipóteses que tornariam ainda mais difícil sua já complicada situação jurídica. A Justiça poderia acatar um pedido de prisão preventiva — praticamente um novo processo a entrar no cardápio da defesa. O ato de resistir ao cumprimento de ordem judicial também poderia se tornar agravante na atual pena do ex-presidente, que ainda será objeto de análises em instâncias superiores. Presente no prédio estava uma figura para quem Lula torce o nariz com frequência — o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Os dois nunca foram próximos. No emaranhado de correntes internas que formam o PT, Cardozo nunca foi da turma de Lula. Nos últimos anos, Cardozo foi bombardeado pelo ex-presidente, que atribui a ele a concessão de autonomia à Polícia Federal para conduzir investigações da Lava Jato que atingiram a espinha dorsal do PT. Lula sempre quis que o ex-ministro enquadrasse a PF. Mas, na crise da prisão, Cardozo foi levado ao centro da discussão sobre os próximos passos de Lula, chamado por dois amigos do ex-presidente — o advogado e ex-deputado Sigmaringa Seixas e o ex-secretário-geral da Presidência Gilberto Carvalho.
Apesar de não aparecer durante o processo contra Lula, Seixas foi figura fundamental na situação. Amigo de Lula desde a década de 1980, frequentador assíduo do Palácio da Alvorada durante seu governo, o ex-deputado é um emissário do PT e de Lula em diversas situações que exigem discrição e habilidade, seja na política, seja no meio jurídico. Nos últimos meses, Seixas esteve com ministros do STF, que conhece bem, para tratar das chances de Lula. Foi a São Paulo nos últimos momentos e acompanhou Lula e Zanin até Curitiba. Seu trabalho prosseguirá no Supremo, em Brasília.
Pelo telefone, Cardozo abriu com o ministro da Segurança, Raul Jungmann, e o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, um canal para negociar as condições e os termos da prisão do ex-presidente. Naquele momento, era o único petista graduado com boa interlocução junto aos executores da prisão de Lula. Internamente, ele enfrentava aqueles que defendiam a resistência do ex-presidente à prisão, jogando luz sobre possíveis consequências. “Quem pagará pelos prejuízos legais que sofreremos?”, questionava Cardozo. Seixas, Emídio de Souza — atual tesoureiro petista — e o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) foram enviados à PF para conduzir as conversas em nome do ex-presidente.
Diante da impossibilidade de a PF retirar Lula do prédio tomado por manifestantes, negociou-se sua prisão para o dia seguinte, sábado, após a realização de uma missa em homenagem à ex-mulher do ex-presidente, Marisa Letícia. O juiz Sergio Moro já havia mencionado em sua decisão a proibição de uso de algemas para conduzir Lula. Novas exigências feitas pelo entorno de Lula foram atendidas. A Polícia Federal aceitou usar veículos descaracterizados — tanto os carros quanto aeronaves que o transportariam de São Paulo a Curitiba. O PT não queria que fossem feitas imagens que pudessem associar Lula a um criminoso comum ou às dezenas de corruptos presos pela Lava Jato. O tempo para que o ex-presidente almoçasse depois do discurso na missa também foi negociado.
A rede de advogados voluntários presentes no bunker de Lula era informada sobre cada passo da negociação. Sempre acompanhado de Zanin e Valeska Martins, Lula apareceu pelo menos duas vezes para agradecer pelo apoio do grupo. Alguns integrantes debatiam o preço da escolha pelo enfrentamento político como espinha dorsal da defesa do ex-presidente no processo que o condenou. Prevaleceu entre parte dos integrantes a avaliação de que foi um erro não conversar informalmente com Sergio Moro sobre condições para execução da pena em São Paulo, quando a hipótese de manutenção da pena ficou evidente, após o julgamento do TRF4. O argumento da vontade de estar próximo da família teria peso, ainda mais no caso de um ex-presidente da República. A estratégia do enfrentamento político não contemplou essa possibilidade a tempo.
13 Abril 2018
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