Editorial do Estadão
Aos berros, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva anunciou a seus simpatizantes, por ocasião do 36.º aniversário do PT, que “o ‘Lula paz e amor’ vai deixar de ser ‘paz e amor’ e vai ser outra coisa daqui para frente”. Foi o modo que o chefão petista encontrou para declarar guerra a todos os que, de uma forma ou de outra, colaboram para desmascarar suas imposturas e para obrigá-lo a prestar esclarecimentos à Justiça sobre as muitas suspeitas que pairam sobre sua conduta.
Lula pretendia assim dar uma demonstração de força, na presunção de que o chamamento à militância petista fosse suficiente para intimidar os jornalistas, promotores e policiais que investigam suas estranhas relações com empreiteiros graúdos. Mas o pífio resultado desse esforço, diante de uma desanimada militância, mostra que Lula e seu partido são hoje apenas lembranças esfarrapadas do que um dia já foram, lá se vão três décadas.
Ao decretar o falecimento de “Lulinha paz e amor”, personagem criado para que ele vencesse a eleição de 2002, Lula abandona de vez a pretensão de ser a ponte entre o capital e o trabalho. Funcionou para elegê-lo naquela ocasião, mas só enganou os incautos. Ficou claro que a única aliança com o capital que o ex-sindicalista pretendia costurar dizia respeito à formação de um clube de empresas que, em troca de vantagens, ajudava a sustentar o projeto de poder petista. Isso tudo funcionou bem até que apareceu a Lava Jato – e o resto dessa tenebrosa história ainda está por ser conhecido.
Enquanto a Lava Jato atingiu apenas os empresários desse clube e um punhado de políticos governistas, Lula guardou silêncio trapista. Como já demonstrou fartamente ao longo de sua trajetória, o petista sabe se preservar nos momentos de crise, entre outras razões porque não hesita em atirar amigos aos leões, se isso for necessário para salvar a própria pele.
Agora, no entanto, a Justiça chega a seus calcanhares, pois surgiram evidências de que o petista pode ter se beneficiado de suas relações com os empreiteiros que tanto lhe devem. E então Lula trocou de figurino e pintou-se para uma guerra que só existe em seu discurso. Afinal, se ele é honestíssimo, como diz, então não tem o que temer.
Mas Lula não pretende esclarecer nada em juízo. Enquanto planeja usar todas as chicanas possíveis para adiar o momento em que terá de deixar sua versão gravada nos autos do inquérito, Lula pretende explorar politicamente o momento para posar de vítima “das elites” e eletrizar a militância, amuada com os seguidos escândalos em que petistas de alto coturno se meteram nos últimos dez anos e com o definhamento do partido.
O momento é crítico para o PT. Uma pesquisa do Ibope mostrou que a taxa dos eleitores que se declaram petistas caiu para 12%, o mesmo porcentual de junho de 1988 e em empate técnico com os eleitores que se dizem peemedebistas. Considerando-se que os petistas eram 36% em abril de 2013, o nervosismo de Lula é compreensível, ainda mais porque o próprio chefão petista vai mal nas pesquisas – a rejeição ao ex-presidente atingiu 61%, segundo o Ibope.
É evidente que não se pode subestimar a capacidade de Lula e do PT de se recuperarem, como fizeram em meio ao mensalão. O fato, porém, é que os próprios petistas hoje estão desacorçoados. O aniversário do PT, programado para servir como exibição de vitalidade, foi um fiasco. Esperavam-se 4 mil pessoas, mas menos de 1,5 mil compareceu à festa, que tinha o astro Lula como sua atração principal, além de um show de samba.
É lícito imaginar que muitos petistas tenham desistido de comparecer porque temiam sentir vergonha alheia ao ouvir Lula dizer, por exemplo, que o tal sítio de Atibaia – aquele do qual o chefão usufruiu desde que deixou a Presidência e que recebeu benfeitorias bancadas por empreiteiras – lhe foi oferecido numa singela “surpresa” por seu amigo Jacó Bittar. Caradurismo assim deve ser inaceitável até para petistas empedernidos, mas Lula, já se sabe, não tem limites. À plateia, revelou qual é a qualidade que o diferencia dos que o atacam: “Vergonha na cara! É isso o que eu tenho que eles não têm!”.
terça-feira, 1 de março de 2016
A morte de `Lula paz e amor`
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