Contratos envolvendo Copa América, Copa do Brasil e Nike tiveram propinas pagas, segundo investigação
Por Miguel Caballero / Isabel de Luca
O Globo
José Maria Marin é um dos presos pela polícia em Zurique
Marcelo Carnaval / Agência O Globo
As acusações do FBI e dos procuradores americanos contra os 14 indiciados - incluindo José Maria Marin e os outros dirigentes da Fifa presos - são de corrupção e lavagem de dinheiro na venda de direitos de comercialização de competições organizadas pela Fifa, pela CBF e no contrato de patrocínio da CBF com a Nike, num total identificado, por enquanto de US$ 150 milhões em propinas.
Em Nova York, na entrevista para explicar o caso nesta quarta-feira, os representantes do FBI e os procuradores americanos a todo momento afirmavam que alguns dos crimes foram praticados em solo americano e que os acusados usaram o sistema financeiro dos EUA para lavar dinheiro e pagar propinas.
O futebol está crescendo no país, com o público aumentando nos jogos da liga americana e há a convicção entre os investigadores que os acusados pretendiam explorar esse mercado, o que aumentou o interesse americano em investigar o caso.
— Quem encosta nas nossas margens (dos EUA) com empreendimentos de corrupção ou uso nosso sistema financeiro será considerado responsável por essa corrupção. Ninguém está acima ou abaixo da lei. Está só no começo — afirmou o diretor do FBI James Comey.
O QUE DIZ O RELATÓRIO
Assinado pela procuradora-geral dos Estados Unidos, Loretta Lynch, o relatório de 61 páginas do Departamento de Justiça tem como base os depoimentos de J. Hawilla, dono da agência de marketing Traffic, que confessou à Justiça o pagamento de suborno a dirigentes e aceitou devolver grande parte do dinheiro e colaborar em troca de redução de pena. Hawilla é a peça-chave do esquema, e os outros envolvidos são identificados apenas como “co-colaboradores”, mas, pelo cruzamento de informações, é possível identificar alguns.
O relatório detalha quatro casos de corrupção, três deles envolvendo o futebol brasileiro: a venda de direitos da Copa América, da Copa do Brasil e o contrato de patrocínio entre CBF e Nike, além da venda de direitos da Copa de Ouro da Concacaf.
O primeiro deles é o que tem os maiores valores de suborno. De acordo com o histórico relatado pelos procuradores americanos, ao comprar os direitos de exploração comercial das oito edições da Copa América entre 1993 e 2011, através da Traffic, Hawilla concordou em pagar propina a um dirigente da Conmebol, identificado como “co-colaborador 1". À época, a entidade era dirigida pelo paraguaio Nicolás Leóz, um dos que tiveram a prisão pedida e está foragido em seu país.
Com a renovação do contrato, em 2013, para as Copa Américas de 2015, 2016 (edição do centenário), 2019 e 2023, agora para a Datisa, empresa também de Hawilla, o valor das propinas explodiu e o número de destinatários aumentou.
O suborno total foi fixado em US$ 110 milhões (R$ 346 milhões pela cotação de ontem), divididos em quatro parcelas de US$ 20 milhões e uma de US$ 30 milhões. Para cada parcela de US$ 20 milhões, o presidente da Conmebol, o da CBF e o da AFA (Associação de Futebol da Argentina) recebiam, cada um, US$ 3 milhões. Segundo os americanos, José Maria Marin, até abril presidente da CBF, já recebeu duas parcelas, totalizando US$ 6 milhões (R$ 19 milhões).
RICARDO TEIXEIRA E KLEBER LEITE ENVOLVIDOS
A Copa do Brasil é outra competição cuja venda dos direitos comerciais envolveu suborno. A Traffic de Hawilla era a detentora para o período entre 2009 e 2014. Em 2011, diz o relatório, uma empresa concorrente de Hawilla entrou na disputa para comprar junto à CBF estes direitos, oferecendo R$ 128 milhões pelo período de 2015 a 2022. O texto conta que a Traffic e a concorrente entraram em acordo para comprar juntas os direitos e dividir os lucros. Para formar o “pool”, a empresa concorrente recebeu de Hawilla R$ 12 milhões.
Embora os americanos não identifiquem qual era esta empresa, a imprensa brasileira noticiou, à época, que se tratava da Klefer, pertencente ao ex-presidente do Flamengo Kleber Leite, identificado no relatório apenas como “co-colaborador 14”.
Segundo relato dos procuradores, após o acordo com a Traffic, Kleber Leite diz a Hawilla que é preciso fazer pagamentos ao “co-colaborador 13”, que na verdade é Ricardo Teixeira. O relatório cita ainda que, após a saída de Teixeira da entidade, Kleber Leite diz a Hawilla que é preciso fazer pagamentos também a dois novos diretores da CBF. Os valores eram de R$ 2 milhões anuais.
PF NA KLEFER E RESPOSTA DE KLEBER LEITE
Na noite de quarta-feira, a pedido da Justiça dos Estados Unidos e com autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Polícia Federal realizou buscas na sede da Klefer, a empresa de Kleber Leite, no Rio. Em nota, Kleber Leite disse que forneceu todos os documentos pedidos, que a Klefer jamais pagou propina para obter contratos e atacou o ex-amigo Hawilla, ao insinuar que, por causa de uma doença por que passou, ele teve “a cabeça, o caráter e o sentimento de gratidão” afetados.
O outro caso de suborno citado envolve a assinatura do contrato de patrocínio da Nike à CBF, assinado em 1996 com duração de dez anos e no valor de US$ 160 milhões. Mais uma vez, Hawilla aparece como peça-chave, agora no papel de agente de marketing da CBF como intermediário do negócio. O relatório conta que Hawilla concordou em repassar metade da sua comissão de agenciamento ao “co-colaborador 13”, que assinou o contrato com a Nike pela CBF.
Como mostra o relatório da CPI da CBF no Senado, em 2000, foi Ricardo Teixeira, então presidente, quem assinou o contrato. Não foram informados os valores da comissão de Hawilla. Em nota, a Nike diz que “repudia toda forma de manipulação ou propina” e já está ajudando as autoridades.28/05/2015
0 comentários:
Postar um comentário