Bye bye, Bin Laden
POR CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SÃO PAULO
Bin Laden foi apenas o parasita de um conflito psíquico moderno, que ele se dedicou a exacerbar
ESSE TÍTULO vai me valer alguns e-mails indignados pela falta de respeito por Bin Laden. Mas por que eu o respeitaria? Porque ele pôde decidir a hora da morte de milhares de vítimas casuais e de dezenas de coitados que ele mandou se explodir?
A modernidade ocidental é uma cultura que despreza a si mesma: onde deveríamos festejar nossa extrema liberdade e nossa leveza, lamentamos a ausência de normas absolutas e fustigamos nossa "leviandade".
Cegos diante do fato de que a ausência de valores absolutos é um valor positivo de nossa cultura, idealizamos os extremistas, que matam por suas "ideias".
Os assassinos podem fascinar alguns incautos: eles sim, levariam a vida a sério! De fato, levam a sério só a morte.
Enfim, alguém dirá que, seja como for, eu deveria respeitar Bin Laden pelas ideias que ele representa.
Acontece que, para mim, ele nunca representou ideia alguma (religiosa ou não); apenas tirou sangue de um dos grandes dramas íntimos do homem contemporâneo.
Como assim?
Vou resumir ao essencial.
Muitos se lembram do artigo que Samuel Huntington publicou em 1993, na revista "Foreign Affairs", e que virou livro, "O Choque de Civilizações" (Ponto de Leitura).
Huntington anunciava que, no mundo de amanhã, a fonte principal de conflito não seria nem econômica nem ideológica, mas cultural: "Os conflitos principais da política global acontecerão entre nações e grupos de civilizações diferentes. O choque de civilizações dominará a política global".
Depois do 11 de setembro de 2001, suas palavras pareceram proféticas: o conflito do novo século seria entre o fundamentalismo islâmico e o Ocidente.
Muitos criticaram Huntington afirmando que o divisor de água entre culturas não é suficientemente rigoroso para justificar os conflitos que ele previa.
Por exemplo, as identidades, mesmo nas sociedades tradicionais, são complexas e conflitivas: uma mulher afegã de burca pode pertencer ao Taleban e, mesmo assim, desenvolver uma consciência feminina (se não feminista) que a aproxima das mulheres ocidentais. Além disso, as ideologias atravessam as fronteiras culturais, criando oposições mais complexas do que a oposição entre civilizações.
De fato, sempre houve conflitos entre culturas opostas, com vontade de se invadir mutuamente e de converter os outros ou, se eles não aceitarem, de exterminá-los.
Mas, justamente, a simples oposição entre culturas leva às bombas - não aos homens-bomba.
E é o homem-bomba que explica o terrorismo moderno.
O homem-bomba (diferente do kamikaze japonês em 1944) não é um subterfúgio estratégico (tipo: é só com um sacrifício humano que a gente conseguiria colocar o explosivo na hora e no lugar certos).
Homem-bomba é quem PRECISA se explodir junto com seus inimigos.
Mas por quê?
Pois é, o homem-bomba não é um fanático que tenta matar inimigos de uma "civilização" diferente. Ao contrário, o homem-bomba é filho da abertura moderna do mundo e das fronteiras, com seu corolário: a competição das culturas pelos corações e pelas mentes de todos e especialmente dos que viajam e migram.
Quem migra de uma cultura tradicional para a modernidade ocidental fica quase sempre dramaticamente dividido entre a sedução do Ocidente e a culpa de estar traindo sua cultura de origem.
Dois pilotos do 11 de Setembro, na noite do dia 10, despediram-se da vida bebendo e brincando num "night club"; aparentemente, eles imaginavam o paraíso dos mártires, com sei lá quantas virgens, nos moldes de um "night club" da Nova Inglaterra.
Quase certamente, eles se odiavam e nos odiavam por isso.
Explodindo os inimigos, o homem-bomba tenta silenciar um mundo que o tenta e ao qual ele não sabe resistir. Explodindo-se, ele resolve o conflito do qual ele mais sofre: seu conflito interno.
Bin Laden não foi representante de nenhuma ideia ou cultura; foi apenas parasita de um conflito psíquico.
Enquanto terapeuta, tenho por ele um desprezo particular. Afinal, bem ou mal, eu passo meu dia tentando ajudar as pessoas a negociar e tolerar seus conflitos internos.
Bin Laden dedicou sua vida à tarefa de tornar intolerável o conflito interno de migrantes e viajantes, para convencê-los a vestir um cinto de explosivos.
Bye bye.
Maio 12, 2011
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