Os tucanos voam mais alto
A oposição sai na frente no primeiro confronto entre chapas completas rumo ao Planalto. Até mesmo Aécio Neves, que anunciou estar fora da disputa, aparece como um candidato forte Octávio Costa e Sérgio Parellas A pesquisa foi realizada entre os dias 11 e 14 de dezembro, com uma amostra nacional de dois mil entrevistados em 170 municípios. As chapas avaliadas em três cenários diferentes foram escolhidas depois de uma consulta informal de ISTOÉ aos partidos políticos e seguiram o critério dos nomes mais cogitados pelas legendas
Personagem quase lendário da história de Minas Gerais, o ex-governador Benedito Valadares ensinou que a política se move como nuvem. E ganha novas formas a cada instante, para perplexidade do próprio meio político. Na quinta-feira 17, o jovem governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), encarregou-se de mostrar que a lição de Valadares está mais viva do que nunca: num movimento surpreendente, anunciou sua desistência de concorrer à Presidência da República em 2010, abrindo caminho para a candidatura do governador de São Paulo, José Serra. Aguardada apenas para meados de janeiro, a súbita definição de Aécio sobre seu futuro eleitoral veio exatamente quando seu nome dá sinais de rápido crescimento nas consultas de opinião. Segundo pesquisa realizada para ISTOÉ pelo instituto Vox Populi, entre os dias 11 e 14 de dezembro – a primeira feita no País depois da mais recente rodada de programas eleitorais de televisão e com chapas fechadas –, Aécio Neves, como candidato do PSDB, venceria a corrida presidencial, com o deputado do PSB e ex-ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, de vice. De acordo com a pesquisa, se as eleições fossem hoje, a dupla Aécio/Ciro bateria a chapa da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB), por 35% a 21% dos votos. Esta é a primeira vez que Aécio aparece em uma pesquisa à frente de Dilma. Em seguida, ficaram a senadora Marina Silva (PV-AC) e o sócio da Natura, empresário Guilherme Leal, com 13%.
Em todos os cenários da pesquisa ISTOÉ/Vox Populi, os candidatos tucanos aparecem como vencedores. A chapa Serra com a vice Kátia Abreu, senadora pelo DEM de Tocantins, é a que alcança o maior índice: 44%, contra 21% da dobradinha Dilma/Temer e 10% da dupla Marina Silva/Guilherme Leal.
Na pesquisa estimulada com apenas cabeças de chapa, a situação se agrava para a ministra Dilma, quando Ciro não figura entre os candidatos. Neste caso, Serra praticamente liquida a eleição no primeiro turno. Aparece com 46% das intenções de voto, contra 21% de Dilma e 11% de Marina.
Mas, com Ciro na disputa, a vantagem de Serra diminui. Fica com 39%, ao passo que Dilma aparece em segundo com 18% seguida de Ciro com 17% e Marina com 8%. Em outra simulação, quando Serra é substituído por Aécio como o candidato do PSDB, o governador de Minas também mostra força no jogo sucessório. No cenário com a presença de Ciro e Dilma, Aécio aparece em primeiro lugar, com 24%, em empate técnico com o pré-candidato do PSB, com 23%. Em terceiro, vem a ministra com 17% e depois Marina com 11%.
Na amostragem sem o nome de Ciro, o governador de Minas permanece na frente, mas sobe para 28% das intenções de voto.
Em segundo, aparece Dilma com 24% e em terceiro, Marina com 15%. Outra questão pesquisada, a de quanto cada candidato é conhecido pelo eleitor, revela: Aécio é o que possui os menores índices de identificação pelos entrevistados, ou seja, o que teria maior potencial de crescimento a partir de uma intensa campanha eleitoral (confira os resultados nos quadros ao longo da reportagem).
A despeito de o vento estar a favor, dentro da melhor tradição mineira, o jovem governador entendeu que o tempo da política tem dinâmica própria. E o importante agora é evitar que a divisão no ninho tucano se aprofunde.
“Deixo a partir deste momento a condição de pré-candidato do PSDB à Presidência da República, mas não abandono minhas convicções e minha disposição para colaborar para a construção das bandeiras da social-democracia brasileira”, disse ele, em carta ao presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE). Nos bastidores, porém, políticos próximos a Aécio garantem que a desistência foi estratégica.
Seu real objetivo seria expor José Serra a chuvas e trovoadas, forçando-o a assumir a candidatura. Tudo que ele não quer, pois considera temerário bater de frente com a popularidade recorde do presidente Lula.
Serra prefere entrar em cena só a partir de março, para, então, competir com sua adversária de fato, a ministra Dilma Rousseff. Acredita-se que, ao entrar na disputa, Serra pode se desgastar rapidamente, o que, mais à frente, forçaria o PSDB a retomar o projeto de candidatura de Aécio para presidente.
Em torno de abril de 2010, o governador mineiro retornaria ao jogo sucessório como a salvação da lavoura tucana. Foi exatamente esta a leitura que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, fez ao comentar a desistência: “Aécio ainda não fechou a porta. Caso Serra desista da disputa no ano que vem, pode ser que Aécio, sob muita insistência do PSDB, volte como candidato.”
Nível de Conhecimento dos Candidatos
Ao ouvir o nome de alguns políticos o entrevistado respondeu quanto conhece cada um deles ESPONTÂNEA
Nesta pesquisa, os entrevistados respondem sem ver uma lista de candidatos
Se a Eleição para presidente da República fosse hoje,em quem você votaria?
Há alguns dias, Aécio defendeu que o PSDB amplie o leque de aliados e se aproxime até mesmo de partidos que hoje engrossam a base governamental. Citou, entre outros, o PSB, o PDT e o PCdoB.
A menção ao PSB não foi gratuita. A relação entre Ciro Gomes e Aécio Neves cresceu nos últimos meses, depois que o pré-candidato do PSB anunciou que deixaria a disputa se o governador de Minas formalizasse a sua candidatura. Desde já, como mostra a pesquisa, os dois formam uma chapa forte.
ESTIMULADA
Nesta pesquisa, uma lista de nomes é mostrada aos entrevistados Se a eleição para presidente fosse hoje e os candidatos fossem estes, em qual deles você votaria?
Aécio afirmou que não descarta a candidatura ao lado de Ciro, com quem tem afinidades pessoais. Na noite da quinta-feira 17, Ciro deu a entender que aguarda a volta do político mineiro à corrida presidencial. “Já vivi na pele, portanto compreendo que Aécio Neves deve estar sofrendo todo tipo de constrangimento, especialmente oriundos de clandestinidades e manipulações de setores da mídia. Mas o povo mineiro deve anotar tudo isto e reanimar seu jovem governador a voltar à luta”, disse. Pelo sim, pelo não, Ciro também afirmou que, sem Aécio no páreo, “fica mais grave ainda a necessidade” de sua candidatura.
falta acelerar Dilma com Temer: pesquisa revela que ministra já é conhecida por 57% dos eleitores, mas não cresce nas intenções de voto
Apesar das insinuações do amigo Ciro a pressões da cúpula tucana pela consolidação da candidatura de Serra, Aécio fez questão de mostrar-se fiel ao partido. Antes de anunciar a desistência na presença do presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), ligou para o governador José Serra, que preferiu não participar do comunicado oficial no Palácio das Mangabeiras, em Belo Horizonte. Aécio também informou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre sua decisão. FHC respondeu com elogios:
“O gesto do governador demonstra generosa compreensão do momento político. Não só Minas, mas todo o Brasil vê no governador qualidades de liderança que o credenciam a assumir as mais altas responsabilidades da República.”
Na carta que encaminhou à direção do PSDB, Aécio insiste na política mais ampla de alianças, mas não chega a esclarecer os motivos da desistência. Em entrevista, porém, afirmou que pesou o desempenho de Serra nas pesquisas eleitorais. “Senti que havia certa preferência, a partir de indicadores de pesquisa, em torno do governador José Serra”, explicou.
SEM AMADURECER Marina com Guilherme Leal, da Natura:
chapa verde patina entre 9% e 13% das intenções de voto
chapa verde patina entre 9% e 13% das intenções de voto
Entretanto, para o diretor do Vox Populi, Marcos Coimbra, a candidatura Serra não navega em águas tão plácidas quanto parece. Ele lembra que na eleição de 2006 Serra também aparecia como favorito bem à frente de Lula, mas, ao fim e ao cabo, ele nem sequer saiu candidato à Presidência. Desistiu e foi substituído por Geraldo Alckmin. Além disso, Coimbra considera que o governador de São Paulo tem patinado nas últimas pesquisas.
Serra é disparado o nome mais conhecido da população, graças ao recall de sua passagem pelo Ministério da Saúde, à candidatura ao Planalto em 2002 e também à importância do atual cargo. Mas parece ter atingido um teto, em torno de 40%. “Uma candidatura que tem esse conhecimento de 99% tem muito pouco a crescer. Dificilmente ele mudará o desempenho atual”, avalia Coimbra. O recall conseguido por Serra, acrescenta o diretor do Vox Populi, pode ser uma faca de dois gumes.
“É complicado se reapresentar ao eleitor. No Nordeste, por exemplo, as pessoas acham que Serra é médico. Na campanha, quando descobrirem que ele não é, pode não ser bom eleitoralmente para ele.”
Já o potencial de crescimento de Aécio Neves é muito maior. Hoje, ele é conhecido por apenas 53% dos eleitores. Sua aparição no programa oficial do PSDB já se refletiu em mais cinco pontos percentuais nas intenções de voto. Para Coimbra, os números envolvendo Serra e Aécio levam a uma conclusão importante.
A candidatura Serra, ao contrário do que acontecia há alguns meses quando sua vantagem era enorme, não deve mais ser considerada “inexorável” pela cúpula do PSDB. “O partido pode, de fato, pensar em Aécio como candidato altamente competitivo”, defende Coimbra.
O próprio governador de São Paulo faz questão de manter a cabeça fria diante de seu favoritismo, embora reconheça que as pesquisas são o indicador disponível e os políticos sempre se movem por elas, mesmo sabendo das suas limitações.
“Sempre fico mais feliz quando o resultado das pesquisas me favorece mais. Sempre fico menos feliz quando me favorece menos. Mas, racionalmente, sempre penso que não tenho razão nem num caso nem noutro. Falta muito tempo para a eleição e os eleitores só vão se concentrar no assunto depois da Copa do Mundo”, disse Serra à ISTOÉ.
Cientes de que Serra pode mesmo ter atingido seu índice máximo na preferência do eleitor, setores do PSDB ligados ao governador paulista voltam a sonhar com a chapa pura tucana. O próprio Serra fez uma aposta em conversa com interlocutores na quinta-feira 17, no rastro da desistência de Aécio.
Acredita que conseguirá convencer o governador de Minas a aceitar a vaga de vice até meados de abril de 2010. “Não somos semeadores da discórdia e do ressentimento. Somos brasileiros que apostam na construção e não no conflito. Os termos em que ele (Aécio) se manifestou confirmam a afinidade de valores e as preocupações que inspiram nossa caminhada política”, afirmou Serra em nota oficial. Serra também aproveitou para afagar o mineiro.
“Aécio tem todas as condições de ser o candidato a presidente por seu preparo, experiência política, visão de Brasil e desempenho como governador.” Parlamentares do PSDB afirmam que o episódio do mensalão do DEM no Distrito Federal praticamente anula a possibilidade de os democratas indicarem o vice para a chapa de Serra, o que abriria caminho para a dobradinha Serra/Aécio.
“À medida que decidir compor chapa com Serra, as chances da oposição seriam exponenciais”, disse o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN). “Acho a dupla Serra/Aécio quase imbatível”, fez coro o deputado Ronaldo Caiado (GO), um dos principais líderes do DEM. O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), porém, recebeu a saída de Aécio com pouco entusiasmo: “Agora Serra é o candidato e vamos trabalhar para que suas chances de vitória aumentem.”
No PSDB, surgem comentários sobre atrativos que estariam sendo oferecidos a Aécio. Em caso de vitória da chapa puro-sangue tucana, Aécio ganharia poderes extraordinários na vice-presidência da República, com vários ministérios sob sua batuta.
Na opinião do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, aliado de Serra, a chapa puro-sangue tem vitória líquida e certa. “Faria de Serra o novo presidente da República.” Entusiasta da dobradinha tucana, Virgílio revela: “Falei com Aécio pelo telefone e ele me disse uma frase importante: que só não vale a gente perder essa eleição”. O problema será convencer Aécio. Ele já cansou de repetir, em público e privado, que a hipótese de entrar como vice na chapa de Serra está totalmente fora de cogitação – por esse motivo, a chapa Serra/Aécio não foi incluída na pesquisa ISTOÉ/Vox Populi.
Na carta em que anunciou a desistência, Aécio deixa transparecer irritação pelo fato de seu partido não ter realizado as prévias para a definição do candidato tucano à eleição presidencial. “Acredito que teria sido uma extraordinária oportunidade de aprofundar o debate interno e criar um sentido de solidariedade, comprometimento e mobilização.”
Para Aécio, caso seja inviabilizada a candidatura ao Palácio do Planalto, não lhe restará senão a alternativa de se concentrar na candidatura ao Senado por Minas. O governador avalia que a candidatura ao Senado é conveniente a si próprio e também ao seu vice, Antonio Anastásia, candidato à sua sucessão. O entorno de Aécio em Minas faz o mesmo raciocínio. “Aécio na vice de Serra é sonho de uma noite de verão”, disse à ISTOÉ um deputado muito próximo ao governador mineiro.
AFINADOS
Aécio com Ciro: dobradinha também daria vantagem à oposição com um índice de 35% dos votos
O PT acompanhou atento ao movimento de Aécio Neves. E fez festa. Acredita que a candidatura de Dilma poderá crescer em Minas. “A decisão de Aécio abre um grande espaço para a nossa campanha em Minas, além de ampliar nosso potencial de alianças em favor da ministra”, afirmou o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante.
Para o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, o gesto de Aécio era esperado e nada será alterado em relação aos planos traçados para a campanha da ministra Dilma Rousseff. “A nossa ideia é confrontar os dois projetos de governo: o do presidente Lula e o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”, explicou Dutra. Essa tarefa agora ficará mais fácil, segundo Mercadante. Mas a julgar pelo levantamento ISTOÉ/Vox Populi, a estratégia do Palácio do Planalto de dar um caráter plebiscitário à eleição presidencial pode estar equivocada.
Na sondagem com chapas, quando Ciro Gomes/Paulinho da Força Sindical e Dilma/Temer estão na disputa como candidatos da base governista, a dupla Serra/Kátia Abreu cai de 44% para 38%. Segundo Coimbra, Ciro Gomes tira votos de Serra principalmente na região Nordeste, o que pode favorecer a candidatura de Dilma, ao contrário do que pensa o Palácio, que continua a pressionar Ciro a deixar a disputa. “A estratégia do governo de tirar Ciro do páreo da corrida presidencial não está se revelando a mais adequada no momento”, afirma Coimbra.
A pesquisa ISTOÉ/Vox Populi também revela que, ao contrário do que apostava o staff de campanha de Dilma, a ministra que já é “bem conhecida” por 57% do eleitorado, não está crescendo nas intenções de voto. Não deu resultado, pelo menos por enquanto, o jogral de Lula e Dilma na tentativa de mostrar intimidade entre os dois e vender a pré-candidata como a grande responsável por três dos principais programas do governo: Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida e o Pré-Sal.
“O resultado também me frustrou. Imaginava que ela cresceria de maneira significativa. Mas ela não cresceu. Se isso se repetir mais adiante, poderá gerar consequências no meio político”, diz Coimbra em alusão a um possível movimento do PMDB em direção aos tucanos nos próximos meses. “Isso vai inquietar o aliado.”
Independentemente dos passos do PMDB, a equipe de Dilma continuará apostando no prestígio de Lula e nas realizações de seu governo para deslanchar sua candidatura.
Na pesquisa espontânea ISTOÉ/Vox Populi, em que os entrevistados respondem sem que lhes seja apresentada uma lista de candidatos, a popularidade de Lula é evidenciada. Mesmo sem ser candidato, Lula aparece em primeiro, com 15% dos votos, contra 11% de José Serra, 7% de Dilma e 4% de Aécio.
Nesse cenário, tanto Ciro como Marina Silva foram citados por 1% das pessoas ouvidas. O mesmo índice alcançou o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin.
Ainda faltam dez meses para as eleições presidenciais e seis meses para a oficialização das candidaturas nas convenções partidárias. Ou seja, há um longo horizonte pela frente. E a política, como ensinou Valadares, movimenta-se como uma nuvem. O cenário mudou esta semana com a desistência de Aécio Neves. E, certamente, ainda voltará a mudar.
ISTOÉ
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