Por Merval Pereira
Criou-se no Brasil a falsa tese de que a única razão para o impedimento de um presidente da República é a corrupção em benefício próprio, como aconteceu com o então presidente Fernando Collor. Por isso a presidente Dilma insiste na tese de que nunca teve acusação contra ela sobre uso indevido do dinheiro público, como repetiu agora num ato do PDT contra o impeachment. Não é verdade.
Mesmo que o incubente não tenha metido no bolso dinheiro público desviado, ele pode ser impedido por má gestão do dinheiro público, o chamado crime de responsabilidade. No caso de Dilma, ainda existe a suspeita de que suas campanhas presidenciais tenham sido financiadas, pelo menos em parte, com dinheiro desviado da Petrobras e outras estatais.
O uso indevido do dinheiro público não se refere apenas à corrupção pessoal, mas à manipulação do Orçamento. Foi justamente para impedir que o governante se utilize do dinheiro público de forma indevida para fazer populismo que foi editada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que Dilma está sendo acusada de ter transgredido de diversas formas, especialmente em ano eleitoral.
Esse uso indevido, além de gerar crises financeiras que resultam em inflação descontrolada e crescimento negativo da economia, como estamos vendo atualmente, produz uma competição desequilibrada com seus concorrentes da oposição em ano eleitoral, caracterizando o abuso do poder econômico, outra razão para o impedimento do eleito e até mesmo a anulação da chapa vitoriosa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Dilma está sendo acusada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de ter promovido uma política expansiva de gastos "sem sustentabilidade fiscal e sem a devida transparência". Os atos foram praticados “de forma a evidenciar uma situação fiscal incompatível com a realidade”. Princípios objetivos e comportamentos preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal foram abandonados, caracterizando, dentro de análise técnica, cenário de desgovernança fiscal, definiu o relatório final do TCU que está sob análise do Congresso Nacional.
Só trata as “pedaladas” como situações normais de um governo quem tem uma visão retrógrada do serviço público e quer retornar a uma época em que valia qualquer ação para manter o poder. Em vez dos bancos estaduais, que financiavam campanhas mesmo sem lastro, o governo usou os bancos estatais como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES para voltar à prática antiga de financiar ações populistas, criando uma situação fiscal fantasiosa.
Segundo o TCU, o que aconteceu em 2014 com mais ênfase, mas também em anos anteriores, foi a utilização de “uma política expansiva de gasto sem sustentabilidade fiscal e sem a devida transparência, posto que tais operações passaram ao largo das ferramentas de execução orçamentária e financeira regularmente instituídas”.
Trata-se, portanto, não de questão trivial sobre receitas e despesas governamentais, mas de uma visão de Estado autoritária, nada republicana, que desdenha a transparência fiscal e a necessidade de o governante prestar contas de suas decisões e atitudes.
Um crime de responsabilidade perfeitamente caracterizado, que pode levar a um processo de impeachment, sem que seja preciso provar que o governante meteu no bolso diretamente o dinheiro público desviado.
Se o Congresso não der autorização para que o presidente seja impedido, mesmo que as condições técnicas estejam atendidas, então as condições políticas não foram alcançadas, e tudo continuará como antes. Faz parte da democracia.
Interpretando que não foram tão graves assim as manipulações orçamentárias, que são comuns a todos os governos, estará o Congresso avalizando o retrocesso a que estamos condenados como país.
23/01/2016
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
Retrocesso
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