“Não me
surpreenderam”, disse, ao comentar os protestos. “Os blogs oficiais do
meu país já haviam avisado que eu teria uma ‘resposta contundente’
durante a viagem. Todos têm direito de manifestar sua opinião. O que me
surpreendeu foi a violência física. Nunca imaginei que me impediriam de
falar”.
A
blogueira aproveitou o evento para responder parte das críticas que os
defensores dos irmãos Castro fazem a ela. Ao ser questionada sobre quem
está financiando sua viagem – Yoani percorrerá mais de dez países em 80
dias –, a cubana respondeu que o dinheiro vem de diversas instituições,
como a Anistia Internacional, universidades e blogueiros. “Não tenho
milhões de dólares, mas tenho milhões de amigos”. Um dos objetivos de
Yoani é receber os prêmios (que somam mais de mais de 300 000 reais) que
recebeu ao longo dos últimos anos pelo trabalho em Generación Y.
Yoani
aproveitou para salientar que as pessoas que a ajudam com o blog
(traduzido para 18 idiomas) são voluntários espalhados pelo mundo. “Quem
traduz meus textos para o inglês, por exemplo, é uma motorista de
ônibus de Nova York de 65 anos”, conta. “Mas o governo não acredita mais
na espontaneidade. Quando eles querem algo, ordenam, pagam”.
Nesta
quinta-feira, às 18h, Yoani participará de um evento com blogueiros na
Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, e, em seguida,
autografará o livro De Cuba, com carinho. A blogueira permanece na capital paulista até sábado, quando embarcará para a Republica Checa.
Veja abaixo alguns dos temas comentados por Yoani Sánchez no debate desta quinta-feira:
Internet
A internet é para os cubanos uma
plataforma de liberdade. Um campo de treinamento para o que algum dia
pode se tornar realidade. Ela possibilita que mais pessoas possam se
tornar o epicentro da informação. É um espaço democrático, com pessoas
boas e más.
Fidel e Raúl Castro
O governo de Raúl nasceu de um pecado
original: ele não foi eleito. As reformas econômicas que tem feito estão
na direção correta, mas num ritmo absurdamente lento e sem
profundidade. O governo de Fidel Castro, por sua vez, queria controlar
cada aspecto da vida dos cubanos, desde o que vestíamos ao café que
tomávamos. Sobre a repressão, Fidel fazia dela um espetáculo, com
grandes julgamentos e punições exemplares. No governo de Raúl, a
repressão é velada.
Comunismo e capitalismo
Tenho uma relação ruim com as ideologias.
Sou uma pessoa pós-moderna, que cultua a liberdade. Não creio que em
Cuba haja um socialismo e muito menos um comunismo. Classificaria o
governo cubano como um capitalismo de estado. O patrão é o governo.
Educação e saúde
A estrutura física e a extensão da rede de
ensino e de saúde em Cuba são aspectos positivos. Existem escolas e
postos de saúde em cada bairro. Porém, existe um colapso material. Os
professores ganham menos de trinta dólares por mês, o que diminui a
qualidade. São pessoas despreparadas.
Economia
Cuba vive hoje uma esquizofrenia
monetária. Existe o peso cubano e o peso conversível. O cubano acorda
todos os dias com um objetivo: o que fazer para conseguir pesos
conversíveis e alimentar sua família. Existem algumas alternativas. Caso
ele seja um cozinheiro de um grande hotel, por exemplo, pode roubar um
azeite ou um pedaço de queijo para vender no mercado negro. Também pode
se prostituir, trabalhar clandestinamente ou pedir que parentes que
emigraram enviem dinheiro. Quem não tem nenhum desses caminhos passa
mal. O salário não é mais a principal fonte de renda.
Embargo econômico
Há uma teoria que diz que o embargo é uma
caldeira. O fogo geraria precariedade econômica e material, o que
levaria as pessoas à rua. Mas o embargo não resulta em rebeldia, mas na
imigração dos cubanos. Outro motivo pelo qual sou contra o embargo é o
fato de que ele embasa os argumentos do governo cubano que diz que não
há batatas, não há tomates, não há comida por causa do império. Sem essa
desculpa, quem eles vão culpar?
Protestos internos
Desde pequenos, os cubanos recebem uma
série de informações e propagandas que fazem com que eles acreditem que o
país não lhes pertence. Pertence a uma geração histórica, que foi a
protagonista da revolução. Isso cria uma apatia grande. Além disso, tem
uma paralisia provocada pelo medo. Não um medo da morte, mas um medo da
delação. Você acha que será denunciado pelo seu vizinho. Isso leva
muitas pessoas a tentarem resolver os seus problemas individualmente.
Mas existe uma oposição hoje de jovens que se manifesta artisticamente,
via internet, que procura divulgar as informações de forma ampla.
Manifestações no Brasil
Muitas dessas pessoas que protestaram
contra mim nunca estiveram em Cuba. Outras estiveram por duas semanas
fazendo turismo. É uma visão muito superficial. Para os mais velhos,
acredito que seja difícil assumir que aquilo em que eles tanto
acreditaram está morto, não seu certo. O governo cubano cria uma
realidade distorcida. Eles propagam uma Cuba que não existe, uma cidade
utópica, de esperança, onde todos têm chances. Quando meu filho era
criança chegou em casa da escola dizendo que antes de Fidel Castro não
havia universidades em Cuba. Isso é mentira.
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