Quebrando a banca
Na Venezuela, o paraíso da corrupção, Chávez prende trinta banqueiros alegando fraudes. Os detidos são todos chavistas de carteirinha, os boliburgueses
Duda Teixeira
FAZENDO ESCADA
Chávez sobe no palanque do Mercosul, em Montevidéu: a política da intimidação
O presidente venezuelano está cortando na carne. Dos outros, como sempre. Nas últimas três semanas, Hugo Chávez mandou prender trinta banqueiros e altos funcionários de sete instituições financeiras, postas sob intervenção. Chamou-os publicamente de "bandidos", "corruptos" e os encarcerou nas pouco confortáveis dependências da polícia política, recém-rebatizada de Serviço Bolivariano de Inteligência. É um raro caso em que fica difícil duvidar das palavras de Chávez, mas não custa dar uma olhada no que existe por trás delas. Detenções arbitrárias são corriqueiras na Venezuela.
A surpresa é que, desta vez, atingiram integrantes da boliburguesia – neologismo criado para denominar os empresários alinhados com o bolivarianismo, a ideologia da linha populista autoritária propugnada por Chávez. Seus integrantes são sindicalistas e companheiros de partido que, graças à amizade com o caudilho, foram promovidos a empresários e amealharam fortunas em contratos amistosos com o governo. Com a popularidade do "comandante" em baixa e o acirramento das disputas internas por benesses estatais, esses chavistas ardorosos, que usam boné vermelho até nos fins de semana, tornaram-se vítimas do próprio patrono.
A operação deixou três lições: quem sobe muito cai mais depressa num ambiente político em que o todo-poderoso faz o que quer; quem dá tira, se não existirem os mecanismos democráticos do equilíbrio e contrapesos entre os poderes; e quem tira prende, se isso atender a seus interesses.
A ascensão da boliburguesia é a conquista social mais vistosa do chavismo. Com nacionalizações, congelamentos de preço e perseguições, Chávez espantou e destruiu os empreendedores tradicionais.
Os que ficaram aderiram. Os que caíram fora foram substituídos pelos companheiros, que prontamente adotaram hábitos da antiga elite, como as viagens frequentes a Miami, o uísque sem gelo, as mulheres com silicone e, no topo de tudo, o jipão americano Hummer, de 100 000 dólares.
Para essa nova classe social, estranha às noções mais elementares de gestão, bastam os contatos no Palácio de Miraflores, a sede do governo. Ricardo Fernández Barrueco, o primeiro a receber a ordem de prisão, é um caso exemplar. Em 2003, ofereceu caminhões de sua então modesta frota para furar uma greve geral de teor antichavista.
Caiu nas graças do regime e foi escolhido para abastecer toda a rede da Mercal, a estatal de supermercados em que sempre falta de tudo. Com o empurrão, Barrueco comprou dezenas de empresas, entre elas quatro bancos de pequeno porte, que passaram a receber generosos depósitos do governo, incluindo pagamentos de funcionários públicos.
Seu patrimônio bateu em 1,6 bilhão de dólares. Outros três bancos dirigidos por boliburgueses foram escolhidos para receber as mesmas gentilezas.
Os que ficaram aderiram. Os que caíram fora foram substituídos pelos companheiros, que prontamente adotaram hábitos da antiga elite, como as viagens frequentes a Miami, o uísque sem gelo, as mulheres com silicone e, no topo de tudo, o jipão americano Hummer, de 100 000 dólares.
Para essa nova classe social, estranha às noções mais elementares de gestão, bastam os contatos no Palácio de Miraflores, a sede do governo. Ricardo Fernández Barrueco, o primeiro a receber a ordem de prisão, é um caso exemplar. Em 2003, ofereceu caminhões de sua então modesta frota para furar uma greve geral de teor antichavista.
Caiu nas graças do regime e foi escolhido para abastecer toda a rede da Mercal, a estatal de supermercados em que sempre falta de tudo. Com o empurrão, Barrueco comprou dezenas de empresas, entre elas quatro bancos de pequeno porte, que passaram a receber generosos depósitos do governo, incluindo pagamentos de funcionários públicos.
Seu patrimônio bateu em 1,6 bilhão de dólares. Outros três bancos dirigidos por boliburgueses foram escolhidos para receber as mesmas gentilezas.
Ariana Cubillos/AP
SOB INTERVENÇÃO
Funcionária do Banco Canarias, fechado: injeção de dinheiro estatal antes de virar um estorvo
Funcionária do Banco Canarias, fechado: injeção de dinheiro estatal antes de virar um estorvo
Barrueco bateu no teto quando avançou sobre o sempre frutífero mercado da telefonia e quis comprar a terceira maior empresa de celulares, a Digitel. Dois problemas: faltava lastro e sobravam concorrentes.
A bolha ameaçou estourar, o que levaria a uma corrida aos bancos. "Com as prisões, Chávez tentou desvincular-se dessas operações ilícitas", disse a VEJA a venezuelana Mercedes de Freitas, diretora da Transparência Internacional, em Caracas.
Em janeiro, surgiu o primeiro documento da polícia política avaliando o tamanho da encrenca, mas o dinheiroduto continuou ativo e os sete bancos boliburgueses receberam o equivalente a 6,5 bilhões de reais.
"Não há nenhum indício de uma luta real contra a corrupção", afirma Ismael García, deputado pelo Podemos, um partido chavista que se distanciou do regime. "Para cada boliburguês que enriqueceu, havia um bolifuncionário entregando o dinheiro", disse Teodoro Petkoff, diretor do jornal Tal Cual.
Se levasse o combate aos corruptos a sério, Chávez teria de cortar na própria carne, prendendo seu irmão, Adán Chávez, de quem Barrueco é apenas o laranja.
Teria de encarcerar José Vicente Rangel, que foi seu vice e é compadre do banqueiro boliburguês Pedro Torres Ciliberto, hoje foragido. Um governador e ao menos dois ministros também entrariam na lista. Mas a chance de isso ocorrer é pequena.
Na Venezuela, a corrupção em alta escala continua soberana e o sistema fica cada vez mais incontrolável. O presidente decide como gastar um terço de todo o orçamento nacional sem prestar contas a ninguém. De tudo o que se ganha com petróleo, só 30% são oficialmente contabilizados.
Empresas estatais não publicam seus balanços, e algumas nem sequer sabem dizer quantos funcionários têm. No continente americano, o país só fica atrás do Haiti em matéria de corrupção, segundo os critérios da Transparência Internacional.
Sob o genial comandante dos povos, que trama um futuro tétrico não só para os venezuelanos mas para todos os que caem na sua conversa (na semana passada, em reunião do Mercosul, ofendeu Barack Obama, ameaçou a Colômbia e usou os colegas como escada), a boliburguesia continuará cumprindo sua missão social.
Só terá de estar preparada para expurgos ocasionais.
Teria de encarcerar José Vicente Rangel, que foi seu vice e é compadre do banqueiro boliburguês Pedro Torres Ciliberto, hoje foragido. Um governador e ao menos dois ministros também entrariam na lista. Mas a chance de isso ocorrer é pequena.
Na Venezuela, a corrupção em alta escala continua soberana e o sistema fica cada vez mais incontrolável. O presidente decide como gastar um terço de todo o orçamento nacional sem prestar contas a ninguém. De tudo o que se ganha com petróleo, só 30% são oficialmente contabilizados.
Empresas estatais não publicam seus balanços, e algumas nem sequer sabem dizer quantos funcionários têm. No continente americano, o país só fica atrás do Haiti em matéria de corrupção, segundo os critérios da Transparência Internacional.
Sob o genial comandante dos povos, que trama um futuro tétrico não só para os venezuelanos mas para todos os que caem na sua conversa (na semana passada, em reunião do Mercosul, ofendeu Barack Obama, ameaçou a Colômbia e usou os colegas como escada), a boliburguesia continuará cumprindo sua missão social.
Só terá de estar preparada para expurgos ocasionais.
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