Augusto Nardes afirma que seu voto ainda não está definido e que aguarda a justificativa do governo que explique o gasto de 40 bilhões de reais sem aprovação do CongressoPor Luís Lima
O Globo
"Se houver um argumento do governo compatível com a legalidade, eu até poderia mudar o voto", diz Nardes sobre 'pedaladas' (José Cruz/Agência Senado/VEJA)
A tese do governo para justificar as "pedaladas fiscais" junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) está definida. A presidente Dilma Rousseff, cujas contas de 2014 foram contestadas pelo órgão, apresentará defesa afirmando que a sistemática sempre ocorreu e apenas agora foi questionada pelo tribunal. A intenção do governo é estabelecer 2015 como "marco zero" em relação ao fim da prática de "pedalar". Em entrevista ao site de VEJA, o ministro relator do processo no TCU, Augusto Nardes, sinaliza que se a justificativa se resumir a isso, o governo não estará em bons lençóis. O relator disse que já mandou sua equipe técnica apurar, nas contas passadas, indícios de que a tese do governo possa se sustentar. Segundo Nardes, o fato de as irregularidades terem sido detectadas só agora não valida o que aconteceu nos anos anteriores. Ele defende a atuação do TCU afirmando que melhorias recentes nas auditorias operacionais e financeiras possibilitaram, pela primeira vez, que a corte identificasse os malfeitos do governo. "A partir disso, tivemos condições de mostrar todos os gargalos do Brasil. Isto muda, inclusive, a forma de julgar, pois se passa a ver com mais clareza questões como as 'pedaladas'", disse.
Nardes afirma que seu voto não está definido - e que tudo depende das explicações sobre as treze irregularidades que o governo deve entregar até a próxima quarta-feira, dia 22. "Esperamos que sejam justificadas de forma adequada, pois a população precisa retomar o encanto. Para isto, torço que seja esclarecido da forma mais competente possível, porque o TCU é um dos guardiões da Lei de Responsabilidade Fiscal."
O julgamento das contas do governo acontece em um momento delicado para o TCU, já que o advogado Tiago Cedraz, filho do presidente da corte, Aroldo Cedraz, foi citado em depoimentos do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia e um dos delatores da Operação Lava Jato. Segundo ele, Cedraz recebia 50.000 reais mensais para repassar à empreiteira informações de seu interesse na corte de contas. Em decorrência disso, o escritório do advogado foi alvo de busca e apreensão na nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada na manhã de terça-feira. Questionado, Nardes desconversou. "Me pegou de surpresa essa história". Leia trechos da entrevista.
O fato de o filho do presidente do TCU, Tiago Cedraz, ter sido citado como facilitador da UTC em processos no TCU pode tirar credibilidade da corte? Eu não conheço a situação. Estou por fora. O Cedraz disse algo sobre isso?
Até o momento, não. Mas o fato ganhou bastante repercussão com a nova fase da Lava Jato. Eu realmente não gostaria de dar opinião sobre algo que eu não sei direito. Gostaria de me posicionar sobre isso, mas preciso estar melhor informado.
O julgamento das contas do governo de 2014 deve ficar para agosto? Estamos dentro dos prazos. A presidente Dilma Rousseff deve entregar as explicações no próximo dia 22, quinta-feira. Em seguida, as justificativas seguirão para a área técnica do tribunal, que geralmente pede 15 dias para a análise. Este prazo, por sua vez, termina no dia 7 de agosto. Depois disso, formato meu voto em um prazo não determinado. Pode ser mais tarde ou mais cedo, não posso especificar, pois também preciso dar cinco dias de prazo para outros ministros lerem a matéria. Portanto, há alguns procedimentos formais que devem ser cumpridos, o que faz com que não tenha uma data específica para a votação.
A Advocacia-Geral da União (AGU) apostará na tese de que a sistemática das "pedaladas" sempre existiu e nunca foi questionada pelo TCU. O senhor concorda? Como presidente do tribunal, fizemos uma gestão de melhoria das nossas auditorias financeiras. Estabelecemos acordos com o Banco Mundial, com alguns tribunais da Europa, como o francês, e aperfeiçoamos nossas auditorias operacionais. Isso tudo com o objetivo de aumentar a eficiência do Estado brasileiro. Nesse sentido, o que não se detectava antes, se detecta agora com muito mais aperfeiçoamento. Além disso, tivemos um aumento de secretarias especializadas de oito para 22, com gente treinada para se aprofundar em temas de interesse da nação. O TCU passou por uma evolução, que foi muito positiva. A partir disso, tivemos condições de mostrar todos os gargalos do Brasil. Isto muda, inclusive, a forma de julgar, pois se passa a ver com mais clareza questões como as "pedaladas".
Mas esta linha de defesa do governo justifica as irregularidades apuradas pela corte? O fato de as irregularidades terem sido detectadas só agora não significa que o TCU tenha de validar o que aconteceu anteriormente. De qualquer forma, acionei a minha equipe para fazer um levantamento para saber se o argumento de que "já houve no passado" é válido.
Essa tese é suficiente para sustentar uma defesa sobre treze irregularidades graves executadas pelo governo? Acredito que Luís Inácio Adams (advogado-geral da União) e sua equipe são competentes. O Brasil todo espera que haja uma explicação plausível para o gasto de mais de 40 bilhões de reais sem autorização do Congresso Nacional. A sociedade tem de saber para onde foi o recurso. Por isso esperamos que tudo seja justificado de forma adequada. Eu realmente torço que tudo seja esclarecido da forma mais competente possível, porque o TCU é um dos guardiões da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Há rumores de que a AGU leve o caso ao STF, com base no argumento de que o senhor não poderia se manifestar publicamente sobre as pedaladas antes do julgamento. Eu me manifestei depois de apresentar o relatório, que foi tornado público. No meu voto, deixo muito claro que o parecer prévio das contas da presidente Dilma Rousseff não estava em condições de ser apreciado devido aos indícios de irregularidades que encontramos. Em relação ao voto futuro, eu não me manifestei em nenhum momento. Portanto, eu me pronunciei sobre aquilo que foi entregue aos ministros e ao Congresso e que, desta forma, foi tornado público.
Mas essas manifestações não podem indicar uma inclinação sobre seu voto? Não necessariamente. Estou aguardando a justificativa do governo. Se houver um argumento compatível com a legalidade, eu até poderia mudar o voto. Mas não posso antecipá-lo. O que farei, junto à equipe técnica, é analisar com todo o critério as respostas do governo.
Como avalia a iniciativa de alguns parlamentares de criar uma auditoria para fiscalizar as atividades do TCU? A função do TCU é exercida com autonomia. Como presidente, no ano passado, imprimi uma lista de 6.603 condenados pelo tribunal que perderam o direito político por oito anos, entre eles, três candidatos a governador e vários ministros, deputados e senadores. Nós exercemos com independência uma instituição de excelência que tem 124 anos e que se profissionalizou. Se o sentido é diminuir o poder do tribunal, acho que a iniciativa não é bem-vinda. Mas, por outro lado, se tem como objetivo auxiliar a sociedade brasileira a tomar conhecimento com transparência sobre o que acontece no país, acho bom. Temos que avaliar qual é o sentido dessa questão.
O aperfeiçoamento do TCU implica, de fato, numa maior transparência das contas públicas? É um grande momento para o Brasil dar uma virada na melhoria de sua governança. Estou batalhando muito nesse objetivo, de que temos de profissionalizar a gestão pública no país. Chega de amadorismo. Foi o TCU que iniciou as auditorias na Petrobras, mostrando a realidade dos contratos, por exemplo. Temos de fazer uma grande cooperação e união de segmentos para implantar a governança pública como desafio de todos os brasileiros. Além disso, temos de dar mérito a quem tem capacidade e diminuir o jogo político, para entregar o melhor produto para a sociedade brasileira. O aperfeiçoamento do tribunal melhora a cada dia. Com isso, o desafio dos governantes está estabelecido: melhorar a governança e aplicar o dinheiro de forma correta para a sociedade saber para onde vai o dinheiro público. Então, diria que este aprimoramento cria desafios também para governos estaduais e municipais, já que fizemos alianças com tribunais dos Estados, que estão na mesma linha de pensamento do TCU. Isso é muito positivo para a democracia.
15.07.2015
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